16 de maio de 2012

MATIAS SPEKTOR Fernando Henrique diplomata


Folha de S.Paulo, 16 de maio, 2012


Dez anos depois do fim do governo de Fernando Henrique, a abertura dos arquivos oficiais no país e no exterior permite avaliar sua performance como diplomata. Ele chegou ao poder com um projeto internacional explícito: proteger o Real, reposicionando o Brasil diante do fenômeno da globalização.
O presidente usou seu primeiro mandato para normalizar as relações do Brasil com o mundo, revertendo um enorme déficit de credibilidade. O país herdara uma inflação anual de mais de 1.000%, posição compartilhada apenas por Rússia, Ucrânia e Zaire.
Para o FMI, tratava-se de um caloteiro. Para as grandes ONGs internacionais, um violador dos direitos humanos e uma ameaça ao ambiente. O país, que já tivera um programa sigiloso de enriquecimento de urânio, ainda se recusava a assinar o Tratado de Não Proliferação, ficando na companhia de Índia, Israel e Paquistão.
Fernando Henrique também redefiniu o espaço regional. Substituiu o conceito de América Latina pelo de América do Sul e lançou grandes obras de integração física.
Empurrou com a barriga as propostas americanas para a criação de uma área de livre-comércio nas Américas. Impôs uma cláusula democrática ao Paraguai e procurou reduzir danos junto a uma Venezuela cada vez mais forte e a uma Argentina cada vez mais fraca.
O ambiente externo durante aqueles oito anos foi péssimo. Fernando Henrique chegou ao Planalto com uma crise financeira internacional e deixou o palácio com outra. No processo, viu sua enorme popularidade ser dilapidada. O resultado disso foi uma posição presidencial crescentemente crítica em relação à globalização.
O segundo mandato, iniciado em 1999, coincidiu com o recrudescimento mais amplo da ordem internacional. As fricções entre as grandes potências aumentaram.
Empossado em 2001, George W. Bush afastou os Estados Unidos de instituições multilaterais e regras comuns nas áreas de ambiente, direitos humanos e proliferação nuclear. O 11 de Setembro e as guerras no Iraque e Afeganistão acirraram a situação.
Sem dúvida alguma, a política externa brasileira no período teve uma dose de erros e fracassos que, agora, os historiadores podem analisar em detalhe. De todos os problemas recorrentes, o mais sério talvez diz respeito às leituras do governo sobre o equilíbrio de poder.
Ele acreditava que o Brasil, enfraquecido e periférico, devia se adaptar ou pagar os custos do isolamento. Arrumar a casa era prioridade.
Entretanto, as transformações profundas que ele mesmo identificava no sistema internacional certamente abriam espaço para uma diplomacia dedicada a explorar alternativas.
Lendo os documentos, fica a sensação de oportunidades perdidas. Por que, por exemplo, o Brasil manteve silêncio quando os EUA convidaram o país a participar de um G7 expandido?
Nada disso deve ofuscar o fato indiscutível: o Real foi preservado, e o Brasil se transformou em um dos principais beneficiados da globalização. Em condições muito precárias, Fernando Henrique usou a política externa com êxito para mudar as relações internacionais do país para melhor.

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