24 de agosto de 2011

Coitadinho, tão estressado, por Cláudio de Moura Castro

COITADINHO, TÃO ESTRESSADO
Cláudio de Moura Castro – Veja 23 de agosto de 2011



“Se há stress entre nossos vestibulando , não é por excesso de dedicação, por horas demais diante dos livros, mas por falta de hábito de estudar”.
 
A Senhora Deborah Stipek se preocupa com o stress dos seus alunos que tentam entrar em universidades hipercompetitivas. Poderiam ser mais felizes e tão bem-sucedidos se fossem para outras com menos nome. Corretamente interpretado, é um comentário pertinente. Contudo, ela é diretora do Departamento de Educação de Stanford e a nota saiu como editorial na revista Science, ambos prestigiadíssimos. Há o risco de ser mal interpretada no Brasil, onde alguns festejam as desculpas para a malandragem. Dito e feito, foi isso que lemos na nossa imprensa.

Entendamos o stress. Sentindo a ameaça de ser comido por uma onça, o corpo reage, reajustando o fornecimento de energia para cada órgão e preparando-se para fuga ou a luta. Hoje há menos perigos físicos, mas a reação é a mesma, diante de uma ameaça, seja o medo de levar bomba na escola ou perder a promoção. Porém, os caminhos do stress são tortuosos (além do que poderíamos explicar aqui). Em primeiro lugar, o que causa stress não é a ameaça em si, mas nossa insegurança de lidar com ela. Pesquisas mostraram baixo stress em advogados defendendo causas difíceis, o qual virava alto stress diante do trânsito engarrafado. Policiais de Los Angeles tomam facas de criminosos, perseguem bêbados na estrada e terminam o dia na delegacia fazendo seu relatório. Supressa! O stress só aparece na delegacia, absolutamente segura. A lógica é cristalina. O advogado passou anos se preparando para lidar como stress dos tribunais, mas não os imponderáveis do trânsito. O mesmo ocorre com o policial. Tomar facas é sua profissão. Escrever um relatório que pode ser criticado por seus superiores é terreno pantanoso.

Em segundo lugar, stress não é necessariamente uma coisa ruim. Pode ser boa. O ato de criação pode ser estressante. Tarefas desafiadoras podem ser estressantes e boas. Portanto, evitar o stress pode significar distanciar-se de realizações. Entras nas universidades de primeira linha é dificílimo. Mas é nelas que se concentram as melhores cabeças e de onde saem as melhores ideias e inovações. É por isso que ouvimos falar tanto de Harvard ou Stanford. Aliás, a professora Stipek trocaria seus orientandos por outros, de universidades mais fáceis?

Voltando à escola, o stress não tem a ver com o número de horas de estudo ou com a dificuldade do assunto ou sua chatice – mas com a falta de preparação para lidar com isso. Um coreano pode passar doze horas estudando, todos os dias, sem stress, pois é seu hábito. Um brasileiro que estuda dez minutos por dia vai ficar estressado se tiver que estudar meia hora. Uma pesquisa curiosa ilustra a desconexão entre o stress e suas causas. Verificou-se que alunos asiáticos ficavam estressados quando tiravam notas ruins, trazendo a vergonha à família e pondo em jogo sua reputação. Em contraste, americanos ficavam estressados quando tiravam notas boas, pois eram malvistos pelos colegas e xingados de nerds. Sofrer com o stress não é uma fatalidade. A solução é aprender a lidar com ele, como fazem os advogados e policiais citados. Achar que os alunos estão estressados porque estudam demais é parte do cacoete que explica nossos péssimos resultados nos testes internacionais.

Em uma pesquisa que realizei, foi possível notar que os alunos do supletivo dedicavam mais horas à televisão por dia do que ao estudo durante toda a semana. Outra pesquisa mostrou que, quanto mais elevada a série, menos o número de horas de estudos diários – com maior maturidade, deveriam estudar mais. Mesmo às vésperas do vestibular, as horas de preparação são poucas, até no ensino privado. Os números mostram: nossa educação combina uma jornada escolar curta com míseros minutos estudando em casa. É o pior dos mundos.

Previsivelmente, o editorial da Science logo despertou o instinto maternal nos nossos luminares: coitadinhos dos nossos alunos, tão estressados! Mas está errado, se há stress, não é por excesso de dedicação, por horas demais diante dos livros, mas por falta de hábito de estudar. Estressado é quem nunca estudou direito e, de repente, ouve dizer que para passar no vestibular é preciso mudar de vida. A solução não deve ser estudar pouco ou buscar um curso fácil, mas aprender a estudar e aprender a lidar produtivamente com o stress.

5 comentários:

  1. Interessante o texto. Mas aqui se entende o problema pela metade. Apesar do tema ser Stress, dá-se como válida a metodologia de educação atual. Enquanto na realidade o que deve ser observado são filosofias diferenciadas, como o Khanacademy.org que resolveria, e muito, o problema educacional brasileiro em médio e curto prazo. Resolver esse problema está na alteração de cultura, e alteração de cultura só se faz na "porrada"

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  2. Hedna G. Guzzo N ovais3 de set. de 2011, 08:50:00

    Precisamos interagir este texto com nossos alunos, para uma pequena refelexão e quem sabe mudar este quadro frustrante.

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  3. não quero ser taxado de coitadinho e não preciso. Coitadinho eu deixo para o autor desse artigo que acha que tudo na vida se resume a livros e livros. Garanto a você que eu aprendi mais com música e convivência do que entre quatro paredes com um livro estúpido de alguma coisa que eu nunca usarei.

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  4. Falar torna-se facil quando nao se vive esse cotidiano.
    Gostaria de ver os senhores abdicando de todas as atividades extracurriculares durante 1 ano, sem saber se isso sera recompensado.

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  5. Infelizmente, para que o admirável texto seja devidamente apreciado será preciso mudar toda a cultura do brasileiro, que tem uma visão deturpada do que é estudar com afinco. Estudo muito, (assim como tenho certeza que fez ao longo de toda a sua vida o Prof Claudio)e não deixo de ter qualidade de vida nem de ser feliz por causa disso. O brasileiro, infelizmente, tem a "cultura da moleza"
    Parabéns pela disponibilização do texto!
    Angela Campos

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