4 de março de 2010

. Sucesso do PNE depende de educação ser assumida como política de Estado

Para especialistas, Brasil não pode repetir os mesmos erros que ocorreram na construção, aprovação e acompanhamento das metas do atual Plano Nacional de Educação

São grandes as expectativas para a elaboração do próximo Plano Nacional de Educação (PNE), que ocorre neste ano e terá como base as discussões que ocorrerão na Conferência Nacional da Educação. O sucesso do plano, que norteará as políticas educacionais nos próximos dez anos, dependerá da capacidade de torná-lo efetivamente um plano de Estado, que seja referendado, reconhecido e trabalhado pela União, estados e municípios.

O grande desafio de 2010 é que o processo de elaboração do novo PNE seja diferente do plano aprovado em 2001 que, segundo especialistas, nasceu fragilizado e foi esquecido.

Os erros na elaboração, aprovação e acompanhamento das metas do atual PNE estiveram no centro das discussões que ocorreram em São Paulo, durante o 1º Educação em Pauta, realizado terça-feira (2/3) pelo Todos Pela Educação, em parceria com a Andi, e que promoveu a discussão entre jornalistas e especialistas da área. O objetivo dos desses encontros é ampliar e qualificar a cobertura da mídia sobre Educação.

O país teve seu primeiro PNE sancionado somente em janeiro de 2001, embora a sua criação fosse determinada pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 2006. Além disso, seu processo de construção tem recebido muitas críticas e a principal delas é o fato de ter chegado ao Congresso Nacional duas propostas distintas: uma elaborada pela sociedade, e a outra feita pelo Ministério da Educação.

O embate fez com que muitos pontos propostos pela sociedade civil fossem incorporados no plano aprovado pelo governo. Entretanto, outros foram vetados. Um dos vetos mais lembrados pelos especialistas durante o encontro Educação em Pauta foi em relação ao financiamento. Por isso, este será, sem dúvida, um dos pontos de discussão de maior destaque do próximo plano.

Em 2001, o presidente Fernando Henrique Cardoso vetou a vinculação dos 7% do PIB para o financiamento da Manutenção e Desenvolvimento do Ensino no país.

O veto, segundo César Callegari, presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, fez com que o PNE nascesse fragilizado, pois retirou um dos principais "mecanismos que daria sustentabilidade e viabilidade ao plano e com isso gerou uma desresponsabilização dos gestores quanto ao cumprimento das metas".

Metas difíceis de acompanhar

O excessivo número de metas também foi outro ponto relatado pelos especialistas presentes no encontro como um dos fatores que dificultam o acompanhamento O presidente da Câmara de Educação Básica do CNE defende que o PNE é "o documento mais importante para a Educação brasileira, mas que infelizmente a grande maioria dos gestores, educadores e profissionais da área não conhecem as suas 295 metas".

Na avaliação de Mozart Neves Ramos, presidente executivo do movimento Todos Pela Educação, "se o próximo plano continuar a ter metas decenais, o acompanhamento ficará apenas para daqui a dez anos". Segundo ele, o Todos Pela Educação defende um número menor de metas, mas que sejam claras, anuais ou bienais, para que a sociedade possa acompanhar se o direito à qualidade da Educação está sendo cumprido ou não.

Segundo nota do Ministério da Educação, o relatório de acompanhamento das metas do atual PNE será divulgado durante a Conae, que ocorre de 28/3 a 1/4, em Brasília, e trará os indicadores atualizados até 2009.

União, estados e municípios não se articularam para efetivar plano

Outra dificuldade apresentada no evento é o baixo número de planos estaduais e municipais no país. Francisco das Chagas, secretário executivo adjunto do Ministério da Educação, salienta que apenas sete estados brasileiros elaboraram seus planos. "É verdade que o plano atual foi meio esquecido, isso porque é difícil que ele se concretize sem apoio dos estados e municípios. Tivemos problemas na origem, porque foram duas propostas em disputa", completa.

Além destes desafios, Clélia Brandão, presidente do Conselho Nacional de Educação, também defende a necessidade da articulação entre as diferentes etapas do ensino para o sucesso do próximo plano.

O que esperar da Conae e do próximo PNE

Para o secretário, o que diferencia a Conae de outras conferências é que pela primeira vez as discussões estão sendo feitas conjuntamente pela sociedade e governo. "O objetivo é que a Conae aponte as diretrizes para construção de um plano articulado de Educação", defende. Nessa mesma linha, Clélia acredita na possibilidade de que o próximo PNE possa ser efetivamente expressão do que está sendo discutido em 2010.

Em 2009 foram realizadas as conferências municipais, intermunicipais e estaduais, nas quais houve uma pluralidade muito forte nas discussões diz o secretário executivo do MEC. Segundo Chagas, esse processo resultou em 5,3 mil propostas que serão discutidas em 52 colóquios entre os dias 28 de março e 1º de abril, durante a Conae.

Neste ano, o tema do financiamento da Educação será retomado na Conae. Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, lembra que as propostas aprovadas na Conferência Nacional da Educação Básica, realizada em 2008, também estarão presentes na Conae.

Na ocasião foram aprovadas a destinação de 10% do PIB para a Educação em todas as suas etapas e também a utilização do Custo Aluno Qualidade (CAQi) como instrumento para medir os investimentos necessários para garantir os insumos mínimos para uma Educação de qualidade.

Desafios para a educação básica e ensino superior

Além destes desafios em relação à elaboração do próprio plano, Clélia Brandão também defende a necessidade da articulação entre as diferentes etapas do ensino para o sucesso do próximo plano. "O ensino superior somente será universalizado, se ampliarmos e garantirmos o acesso, a democratização e a qualidade da educação básica", conclui. Ela critica a triste realidade de que o Brasil está espera por uma lei que regulamente o regime de colaboração entre os entes federados desde 1988.

Os especialistas também citam que a promulgação da Emenda Constitucional 59/09, que torna o ensino obrigatório para crianças e jovens de 4 a 17 anos e coloca 2016 como prazo limite para a transição, terá importantes impactos sobre o próximo plano.

Além da questão da correção do acesso, correção do fluxo e garantia do aprendizado dos alunos na educação básica, sugere ainda atenção em relação à creche. Segundo o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, os gestores não podem, com a obrigatoriedade da pré-escola, preterir as políticas de expansão do atendimento à creche, que no Brasil ainda é bastante baixo.

Em relação à expansão e democratização do ensino, Mário Pederneiras, vice presidente da Câmara de Educação Superior do CNE, lembra que a meta do atual PNE, de 30% dos jovens entre 18 e 20 no ensino superior, está longe de ser cumprida.

Paulo Barone, presidente da Câmara de Educação Superior do CNE, ressalta a importância da pauta da Educação ter transbordado das instituições de educacionais para a sociedade. "A questão da Educação é importante demais para se limitar aos educadores", afirmou. Mas critica o caráter fragmentário do documento: "Embora dotado de um bom diagnóstico, o PNE é difícil de ser considerado como um conjunto de prioridades executáveis".

A democratização do ensino foi o tema central da fala de Antônio Carlos Caruso Ronca, também membro da Câmara de Ensino Superior do CNE: "Temos um problema sério que está além da expansão". Ronca lembra que quando era reitor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo a exclusão de pobres e negros dos cursos de grande concorrência era um dos problemas que mais o preocupava. "Há uma perversidade muito pouco discutida na sociedade: os cursos de alta procura nas universidades públicas e privadas são frequentados pela elite econômica deste país".

(Boletim Todos pela Educação)

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