3 de março de 2010

Folha de S. Paulo
Inovação, a chave para o futuro

RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA

__


É preciso intensificar e muito a participação da iniciativa privada, semeando a cultura da inovação no mundo corporativo

__


"É PRECISO mudar para que tudo continue como está."

Consagrada pelo príncipe de Salina no famoso romance "O Leopardo", de Lampedusa, quando usada na política a frase soa cínica e reveladora de apego ao poder a qualquer preço. Já quando aplicada à economia moderna, ganha um significado saudável e serve de sinal de alerta, em especial para as empresas muito bem-sucedidas e lucrativas.

É até compreensível que, ofuscados por gordos resultados financeiros e saborosas fatias de mercado que detêm, seus gestores tendam a certa acomodação, cedendo ao temor de mexer em time que está ganhando e, assim, mantenham-se fiéis ao presente ou, pior, ao passado.

Entretanto, a experiência e o aconselhamento de especialistas mostram o outro lado da moeda, indicando que comandar empresas é como dirigir um automóvel no caótico horário do "rush". É preciso multiplicar o olhar, atentando para o que ocorre ao lado, observando o que está atrás, mas sem deixar de mirar a frente, buscando antecipar os obstáculos que a próxima curva esconde e já planejando ações para vencê-los.

País tradicionalmente exportador de matérias-primas e importador de produtos de maior valor agregado -tendência que muito lentamente vai se invertendo-, só há poucas décadas o Brasil despertou para a importância de incrementar a pesquisa, a inovação e o desenvolvimento tecnológico -um descompasso que se traduz no baixo nível de investimento privado e público nessas áreas, no descolamento entre a atividade acadêmica e as necessidades da produção e no descaso para com a formação de profissionais aptos a atuar com as competências e habilidades exigidas pela nova realidade e, principalmente, pelos desafios que se antepõem à aspiração de ocupar uma posição destacada no conjunto das nações.

Segundo recente relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne os países mais ricos do mundo, a inovação é a fonte principal de dinamismo econômico e bem-estar social, sendo a chave tanto para vencer a recessão econômica quanto para colocar o desenvolvimento numa trajetória ambientalmente sustentável.

Entretanto, a situação brasileira nos três indicadores de inovação -pesquisa e desenvolvimento (P&D), patentes e registro de marcas- não é das mais animadoras.

Um comparativo de investimentos em P&D, para ficar apenas num exemplo, mostra o quanto o Brasil precisa avançar para atingir os patamares dos países desenvolvidos.

Segundo o Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial (Iedi), sobre a P&D nacional, o investimento privado é da ordem de 0,5% do PIB, contra incentivos governamentais de 0,007% do PIB (excluídos os estímulos fiscais da Lei da Informática, considerada mais um instrumento de política econômica do que de alavancagem à pesquisa).

Enquanto isso, em 2007, no âmbito dos 30 membros da OCDE e alguns países não membros, como China e Rússia, esse total atingiu 2,3% do PIB conjunto (a nada desprezível quantia de US$ 886,3 bilhões), tendo a iniciativa privada como a principal fonte de financiamento, respondendo por perto de 70% dos gastos.

Para alimentar certo alento, vale registrar alguns sinais positivos no horizonte, como as 2.500 empresas que apresentaram, de 2007 para cá, projetos à Finep sob o guarda-chuva da Lei de Inovação.

Mas é preciso intensificar e muito a participação da iniciativa privada, semeando a cultura da inovação no mundo corporativo e transformando-a em prioridade estratégica das organizações. Em síntese, para a sobrevivência das empresas e para o desenvolvimento do país, a ordem é avançar ou perder, mais uma vez, o bonde da história.

RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA , 70, advogado, é presidente do Conselho de Administração do Ciee e do Instituto de Estudos Avançados da Fiesp. Foi secretário da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo (2001-2002).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário