Roberto Lent | |
Vencedor do Prêmio José Reis 2010, a mais importante láurea do país na área de divulgação científica, o neurocientista da UFRJ entende que o setor avançou, mas está longe do ideal. Ele profere conferência na terça-feira, 27 de julho, na 62ª Reunião Anual da SBPC, em Natal (RN) "A ciência ainda não faz parte da cultura. Ainda tem muito a coisa do mito, 'cientista é um negócio tão especial que não é para mim, não é para o meu filho'", observa o diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Para ele, a divulgação científica no país avançou, mas ainda está longe do ideal. "Minha conferência na [Reunião Anual da] SBPC tem como título 'Divulgação científica: do Paleolítico ao Neolítico'. Neolítico é o presente, ainda estamos muito longe da Idade da Pedra", observa o cientista, referindo-se à apresentação que fará em Natal (RN), no próximo dia 27 de julho.
A entrega do prêmio (R$ 20 mil e diploma) será realizada na abertura da 62ª Reunião Anual da SBPC, no domingo, 25 de julho.
Leia entrevista com o premiado:
- Como você começou a se interessar e a realizar atividades de divulgação científica?
Isso foi nos anos 70, ainda recém-formado. Como eu era comunista na época de estudante achava que, além da atividade científica propriamente, eu deveria ter algum tipo de comunicação com a população. Comecei a pensar maneiras de transmitir o que estava estudando. Em 1976, fui ser secretário regional da SBPC [no RJ]; tinha três, quatro anos de formado em medicina. Na secretaria comecei a fazer algumas iniciativas de divulgação. Estávamos na época da ditadura, era bem complicado, as pessoas tinham medo. Um pouco mais adiante surgiu a ideia de fazer uma revista, que seria depois a Ciência Hoje. Começamos a discutir, fizemos um projeto. Fui para o exterior e, enquanto estava lá, o Ennio Candotti [atualmente diretor do Museu da Amazônia] assumiu a secretaria regional e levou à frente esse projeto. Conseguiu articular o número zero da Ciência Hoje, que saiu em 1982, quando eu já estava de volta ao Brasil. Participei então desse primeiro número [com o artigo "Cem bilhões de neurônios"]. E aí a coisa continuou na Ciência Hoje, depois na Ciência Hoje das Crianças, o Jornal da Ciência (que na época era parte do projeto, e depois passou para a diretoria da SBPC) e, mais recentemente, com o Instituto Ciência Hoje. Comecei também a querer focar um pouco mais no trabalho que faço em neurociência. Daí surgiu o [livro] "Cem Bilhões de Neurônios", depois os livrinhos infantis.
- O que mudou desde a época em que você começou a trabalhar com divulgação? Como você avalia as atividades de difusão da ciência hoje?
Muita coisa mudou, mas acho que a gente ainda está longe do ideal. Minha conferência na [Reunião Anual da] SBPC tem como título 'Divulgação científica: do Paleolítico ao Neolítico'. Neolítico é o presente, quer dizer, ainda estamos muito longe da Idade da Pedra. Avançamos um pouco mas ainda estamos longe. Quando comecei, os cientistas achavam que era um demérito escrever para a população, quase ninguém se interessava. O mercado era dominado por traduções de enciclopédias em fascículos, que vendiam na banca. Não tinha muito mais que isso, um ou outro programa no rádio, na televisão quase nada. Hoje há uma sensibilidade maior da mídia para a ciência. A população já é confrontada com decisões que envolvem um certo conhecimento, como uso de células-tronco, uso de animais em pesquisa, clonagem, transgênicos, mudanças climáticas. Essas questões começam a chegar à população, e fica claro que é preciso ter um mínimo de conhecimento para poder formar uma opinião. Com isso se multiplicaram as iniciativas. A divulgação científica já deixou de utilizar apenas os veículos impressos, passou para televisão, agora com a internet temos sites, blogs... Até as escolas de samba, a Unidos da Tijuca teve aquele enredo [2004] com uma escultura humana de DNA. Vários museus foram fundados, em diversas cidades do país, a parte de museus interativos cresceu. As agências financiadoras já começam a exigir dos projetos uma contrapartida de divulgação científica. Existem cursos de jornalismo científico. Enfim, a área está mais em ebulição, está crescendo.
- Você percebe mudanças na postura dos cientistas com relação à importância da aproximação com o público leigo?
Em grande medida, sim. Mas muitos ainda subestimam, têm desconfiança dos jornalistas, acham que o jornalista distorce tudo. Isso ainda existe, e por desconhecimento mútuo. O jornalista tem um modo próprio de trabalhar, a gente não vai querer que ele trabalhe como um cientista, e vice-versa. É preciso ter uma conversa para conhecer mutuamente quais as limitações e vantagens de cada um. O jornalista tem que apresentar um texto para daqui a pouco, o cientista é para daqui a dois anos. Esse é um primeiro problema. O cientista tem que compreender que o jornalista tem essa pressa, e isso naturalmente aumenta a taxa de erros. Mas o jornalista também precisa entender que o cientista tem uma lentidão que busca o perfeccionismo. Tem que ter um meio termo. Com o tempo, os jornalistas já vão aprimorando sua percepção, a maneira de escrever, a necessidade de precisão. Pelo outro lado, os cientistas já começam a ser mais ágeis na resposta. É uma interação que vem evoluindo. Mas ainda estamos muito longe do ideal porque a ciência não é considerada uma parte da cultura do país. Não é como jogar futebol. Livros de divulgação científica, que é algo a que me dedico, a gente publica e eles não são incluídos nos editais das bibliotecas escolares, por exemplo. O MEC [Ministério da Educação] só vê literatura pela frente, para crianças. A ciência ainda não faz parte da cultura. Ainda tem muito a coisa do mito, 'cientista é um negócio tão especial que não é para mim, não é para o meu filho'. Essa é uma explicação para o fato de que o Brasil tem uma das piores performances escolares em ciências no mundo inteiro. A criança acha chata a ciência porque o professor dá de maneira chata, ou porque os materiais de ensino não são aprimorados. Estamos ainda muito longe de atingir uma entrada da ciência no tecido social, como se espera num país que precisa tanto da ciência.
- Você tem se destacado na divulgação da neurociência para as crianças. Como é a receptividade do público infantil a temas de ciência?
A receptividade é muito grande. Esses livros [da coleção Aventuras de um Neurônio Lembrador] estão entre os mais vendidos da editora [Vieira & Lent]. E são comprados por secretarias municipais de Educação. É um livro que tem entrada nos editais, talvez por ser ficção. Ele também se transformou numa peça de teatro, o que dá um impulso. Outro fator é que o cérebro desperta muita curiosidade entre os adultos, e a mesma coisa para as crianças.
- Você faz parte do comitê de divulgação científica do CNPq. Como avalia as ações oficiais de fomento a projetos na área?
Tem melhorado. Já temos alguns editais, acesso a bolsas, mas é tudo ainda muito fraco, muito aquém do que se esperaria para a necessidade do país de conhecer mais sobre ciência e tecnologia. E para a tecnologia se incorporar à cultura das pessoas. Temos que encontrar uma maneira de fazer com que o cidadão ache que ciência vale a pena. As agências poderiam ser mais fortes nisso. É bom que exista o comitê, mas é pouco. Faltam iniciativas, falta uma política mais clara de fomento específico à divulgação científica. Falta, por exemplo, uma valorização maior no Currículo Lattes para os pesquisadores com iniciativas nessa área. Você, quando faz um projeto, é julgado pelo que faz em ciência. Se tiver ações em divulgação científica é meio como 'o cara que faz um negocinho a mais', não conta muito. E deveria contar. E se passar a contar, teremos um estímulo forte para os pesquisadores atuarem em divulgação.
- Quais são seus projetos atuais?
Tenho um projeto no meu instituto, em convênio com a 4ª Coordenadoria Regional de Educação do município, uma área muito carente em volta da ilha do Fundão. Toda semana visitamos escolas, com um grupo de monitores. Mas é uma ação muito focal, muito pequena. Estou pensando em tentar uma ação ligada à questão das drogas. Participo da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia, que é presidida pelo Fernando Henrique Cardoso e reúne pessoas da sociedade civil, de várias áreas. Estou muito sensibilizado para esse problema, e queria abordá-lo do ponto de vista da ciência. Penso num projeto de transmídia, uma concepção de comunicação em que uma mídia puxa a outra. Uma espécie de rede de mídias, que chamaria para a problemática das drogas, com conteúdo informativo voltado aos jovens. Mas é um projeto ainda muito embrionário. (Daniela Oliveira)
Nota da redação: Esta matéria foi publicada na edição 670 do "Jornal da Ciência", que tem conteúdo exclusivo. Informações sobre como assinar a edição impressa pelo fone (21) 2295-5284 ou e-mail jciencia@jornaldaciencia.org.br |
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