Neurocientista critica falta de apoio, por parte dos poderes públicos estadual e municipal, ao Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN) O cientista brasileiro Miguel Nicolelis, de 49 anos, é considerado um dos maiores pesquisadores do planeta na área de neurociências e, por diversas vezes, lembrado para o Prêmio Nobel.
Ele lidera pesquisas que podem, por exemplo, representar avanços históricos no tratamento do Mal de Parkinson e implantou em Natal um Instituto Internacional de Neurociências (IINN), que já captou investimentos superiores a R$ 100 milhões e que pretende ser a semente da futura "Cidade do Cérebro", uma estrutura científica, cultural, econômica e social estimada em mais de R$ 1 bilhão.
Não faltam, portanto, motivos para estímulo na carreira de Nicolelis. No entanto, ele revela uma decepção: desde a instalação do IINN, há sete anos, o instituto nunca recebeu o apoio devido dos poderes públicos estadual e municipal, nem dos políticos potiguares em geral.
O neurocientista que acredita que a força do pensamento pode superar as barreiras geográficas e, de certa forma, provou isso instalando um centro de conhecimento de ponta em um estado pequeno como o Rio Grande do Norte, não esperava deparar com o obstáculo da "falta de visão".
Miguel Nicolelis concedeu entrevista exclusiva à "Tribuna do Norte", na qual falou sobre o projeto, as novidades e, principalmente, as dificuldades enfrentadas pelo IINN:
- Em junho foi assinada pela UFRN a ordem de serviço (R$ 32 milhões) para a obra dos dois primeiros prédios do futuro Campus do Cérebro, em Macaíba. Isso mostra um projeto já consolidado?
Sem dúvida. O Campus deve ser um dos maiores investimentos do Ministério da Educação no momento. Existe um interesse de todas as partes para que esteja concluído no próximo ano. Vamos ter um instituto de pesquisas e uma escola de ensino regular funcionando nesses prédios.
- E o que os governos locais podem fazer para contribuir?
Acho que precisa de quase tudo. Esse é hoje o maior projeto científico do Brasil. Com certeza o de maior repercussão fora do país, tanto que conseguimos doações inéditas. Ainda tenho por mim que nem o estado, nem o município têm ideia de que esse projeto pode ser um agente transformador da economia local.
- Há problemas?
Algo que podemos mencionar é que há sete anos a sede do instituto funciona nessa rua de terra (Francisco Luciano, em Candelária, próximo à empresa Via Sul). Entra prefeito, sai prefeito, nos prometem o asfalto, e nada muda. Recebemos gente do mundo inteiro, ganhadores do Prêmio Nobel, embaixadores de outros países, e a rua continua deste jeito. O que as pessoas pensam quando vêm a Natal, com todos os problemas que a cidade tem, e veem uma iniciativa desse tamanho em uma rua de terra? As pessoas dos Estados Unidos, da Europa, do Japão, visitam esses prédios e ficam maravilhadas. E a primeira pergunta que fazem é como é que o governo local não asfalta nem a rua.
- E quando se fala em turismo na cidade deveria se pensar também nesse público selecionado?
Esse turismo atual não traz dinheiro nenhum. Vejo esses ônibus de turismo andando por Natal, fazendo "city tour", deixando migalhas na cidade e às vezes deixando problemas seríssimos, que nem vale a pena citar, enquanto a gente tenta criar uma economia de conhecimento que pode trazer bilhões de reais ao longo do tempo. E tudo é difícil, tudo é uma dificuldade. As pessoas falam, nos tratam muito bem, sou muito bem recebido, mas do ponto de vista operacional, se isso fosse feito no estado de São Paulo, em outro estado, outro país... Essas demandas são mínimas e não estamos pedindo nada de outro mundo. São 200 metros de asfalto. A RN que chegava ao instituto lá em Macaíba foi recuperada, mas não tinha mais condições de passar automóveis. Havia risco de mortes devido às crateras. Eu mesmo perdi dois pneus do carro nas idas até lá. Mas aqui na frente do instituto, aqui em Natal, eu categorizaria como uma vergonha. O município também nos pediu um projeto para outra escola aqui em Natal (o IINN já conta com uma na Cidade da Esperança). Fizemos o projeto e nunca tivemos resposta. Então me pergunto se as pessoas não percebem a importância disso. Acho que depois de sete anos não há muitas dúvidas de que somos sérios.
- Se não fosse o benefício social proporcionado à população, o senhor já falaria em arrependimento por instalar o Instituto em Natal?
Olha, não digo arrependimento porque a população de Natal tem sido muito carinhosa e nossos mil alunos, mais os quinhentos da nova escola, mais os 1.200 da escola de tempo integral, nos mantêm estimulados, a todos nós que trabalhamos. Somos mais de 100 pessoas que vieram do Brasil inteiro para cá, mas nunca imaginei o grau de desinteresse que a gente encontraria do poder público.
- Decepção talvez?
Diria que em quase oito anos, que a gente completa em março, com exceção da UFRN e da nova administração e, pontualmente, da administração passada de Macaíba, realmente me sinto decepcionado com o poder público e a classe política local.
- Falta entendimento da importância do projeto ou falta interesse em apoiá-lo?
É uma ótima pergunta. Esse é um projeto que já é o maior investimento, não tem nada feito no Rio Grande do Norte, do ponto de vista tecnológico, com um grau de investimento desse montante. Só o MEC, que é uma fração do projeto, já investiu R$ 42 milhões e tem a perspectiva de dobrar esse investimento. Os investimentos todos que estamos trazendo para Natal não têm nada igual no Estado. Ouso dizer que, com a exceção da Petrobras, não tem nenhuma outra iniciativa capaz de transformar a economia do estado de uma economia primaria, de um turismo com baixo valor agregado, uma economia agrária, em uma economia baseada em conhecimento e tecnologia, que transformaria completamente o perfil do Rio Grande do Norte. Sendo que o experimento educacional que promovemos já é reconhecido pelo MEC como uma grande iniciativa. Inauguramos agora uma escola na Bahia e, de cara, tivemos um investimento alto do governo de lá. Então fico pensando, poxa, a gente focou aqui, criou o instituto aqui, trouxe tudo para cá, e tem outros estados dispostos a levar a gente para lá, oferecendo tudo que a gente não tem aqui. A escola em Serrinha (BA) é maravilhosa. O governador da Bahia veio aqui, nos recebeu lá. Aceitou o nosso projeto, que era de R$ 5 milhões. Nunca tivemos nada parecido aqui. Fico imaginando: será que os governantes não pensam em como criar empregos de valor agregado, educar o povo?
- Natal e o Rio Grande do Norte podem perder muitas estruturas que poderiam ser erguidas aqui e vão sendo atraídas por outros estados?
Sim. A gente não vai desistir nunca, mas às vezes dá um desânimo. Não pelo que a gente faz, porque o que está sendo feito é maravilhoso, as crianças, nossos cientistas, as mulheres que recebemos em nosso centro de saúde. E Natal com tantos problemas de saúde e a gente com um centro tão moderno e não conseguimos parcerias.
- E hoje o senhor vê alguma forma de convencimento dos políticos em relação à importância do Instituto ou de mostrar o que é o IINN?
O mundo inteiro sabe o que é. Todas as revistas mundiais, os órgãos de imprensa mundiais sabem. A inauguração da escola em Serrinha foi matéria de capa da Folha de São Paulo, maior jornal do país. Vira e mexe o projeto está sendo mostrado nas TVs daqui e de fora do Brasil. Tenho falado sobre o projeto e, onde chego, as pessoas já me perguntam sobre o Instituto de Natal. E não estou falando em qualquer lugar, falo na Academia Francesa de Ciências, na Universidade de Harvard, onde fui convidado só a falar sobre o instituto, que é um experimento que até os americanos estão interessados em entender o que está acontecendo aqui. Sinto uma total e completa falta de visão de futuro. Não tenho nenhuma filiação partidária, então posso falar que os políticos brasileiros, pelo menos os que vejo atuar aqui, têm uma visão muito provinciana, imediatista, de assistencialismo, em função de problemas que aparecem agudamente e ninguém pensa que vamos ter filhos, netos e eles vão precisar de empregos e de uma qualidade de vida melhor que a nossa.
- Se o senhor não vê isso de parte do poder público, há alguma esperança em relação à iniciativa privada?
Bom, até agora a iniciativa privada do Estado também, com exceção de pequenas e pontuais parcerias, que começam, mas não tem continuidade... O único lugar do Brasil que não consegui estabelecer parcerias privadas de longo prazo foi no estado do Rio Grande do Norte.
- E certamente a "Cidade do Cérebro" é uma oportunidade econômica relevante?
Isso. A ideia, além dos primeiros prédios, é termos outras iniciativas educacionais, culturais, científicas. E o último passo é construir um parque tecnológico e científico, a "Cidade do Cérebro", alavancada no Campus do Cérebro. Estamos falando de um investimento de uma magnitude, falando de forma conservadora, da ordem de R$ 1 bilhão, entre nossos projetos e das empresas de fora do Brasil que estão dispostas a investir. Só que a gente às vezes traz contato do exterior e as pessoas não conseguem falar com ninguém aqui. Ou elas falam e não tem interlocutor no poder público. Continuo me perguntando: o que teria acontecido se tivéssemos levado esse projeto para o interior de São Paulo, ou para Salvador, ou para Belo Horizonte, ou Porto Alegre? Como a gente estaria sendo tratado? Como os governantes locais estariam vendo um projeto que já captou, com todos os investimentos, mais de R$ 100 milhões, chegando a quase R$ 125 milhões e com a perspectiva de atingir alguns bilhões de reais em toda sua vida?
- Tivemos aqui, recentemente, a instalação do Instituto Internacional de Física...
O Instituto de Física é um grande exemplo. Do ponto de vista acadêmico é uma enorme conquista para a região. Agora, é um instituto que não tem uma visão social, nem uma perspectiva de transformação econômica. De repente, não tem comparação. E uma das razões que o Instituto de Física veio para cá foi porque teve a noção, a informação, de que nós tínhamos vindo para cá e, por essa razão, se sentiu que havia condições de se estabelecer aqui. Mas o desbravador da porteira foi a gente. E a gente fica sabendo, por exemplo, que existe a possibilidade de se ter um curtume lá perto do Campus do Cérebro. Essa notícia está se espalhando e, se for verdade, é um atentado à lógica. Imagina a gente trazendo gente do mundo inteiro e alguém quer colocar um matadouro de boi do lado de nosso instituto, com urubu em volta, carcaça de animais. É pior que a rua de barro. Na rua de barro você pelo menos passa de trator. De onde saem essas ideias? Acho que nosso instituto não só trouxe um salto acadêmico e contribui, por exemplo, com o trabalho desenvolvido pelo professor Ivonildo (Rego) na UFRN, o MEC se dispôs a fazer investimentos que não tinha feito, a fazenda de Jundiaí que não utilizava seu potencial se transformou em um polo de investimentos. Temos um projeto educacional que pretende trabalhar as crianças desde o pré-natal até a pós-graduação, de maneira a preparar essas gerações do estado a serem líderes e atuarem na "Cidade do Cérebro".
- Então o senhor não esperava essas barreiras políticas?
No fundo não acha que sejam barreiras políticas. O presidente entende o projeto, o ministro da Ciência, da Educação, o da Saúde. Os políticos que têm uma visão ampla do Brasil são os maiores apoiadores do projeto. Me contaram na Harvard que sempre que o presidente fala sobre projetos científicos, menciona o instituto, o que é uma honra muito grande. Ele veio aqui, viu as crianças, viu o que a gente está tentando fazer. Então não acredito que seja a falta de um diálogo político, acho que é falta de visão mesmo, de imaginar que a política moderna não é provinciana, é globalizada. É só andar na praia de Ponta Negra, ou pelo interior do estado, que você percebe que, ou as economias locais se inserem no mundo globalizado com aquilo que melhor temos a oferecer, que no caso brasileiro é o talento humano, ou a gente fica pra trás, só com as migalhas do sistema econômico e financeiro. A ciência, a tecnologia e o conhecimento é uma indústria que o Brasil ainda não expandiu, Pôr turista em ônibus para passear pela Via Costeira é migalha. Esse estado, esse povo, essa região, essa cultura, merecem muito mais.
- E com relação às pesquisas, como andam os estudos?
As pesquisas continuam e temos resultados maravilhosos. Temos um cronograma na pesquisa de Parkison e resultados preliminares que confirmam nossos estudos do ano passado, em saguis. Temos de acabar, repetir, ter certeza absoluta.
- E quando começam os testes em humanos?
Se for repetido em todos os animais o mesmo resultado que tivemos no começo, e que foi o mesmo obtido em roedores, no início do próximo ano estaremos levando isso para a prática clínica. Seria um processo extremamente rápido, em dois anos de um estudo de roedores passando para o teste clínico e graças à comprovação que foi feita aqui (em Natal).
- E como está a vinda do supercomputador para Natal?
Há problemas de importação de equipamentos de grande porte, mas estamos solucionando os problemas e fazendo o que tem de ser feito, porque aqui leva mais tempo que em qualquer lugar do mundo.
- E isso já representa algum atraso no cronograma que haviam montado?
Não, já tínhamos previstos os trâmites burocráticos e agora é só um questão de preencher toda a papelada. É uma máquina enorme, de umas seis toneladas e de vários milhões de dólares. É um computador doado pelo governo suíço que já tem três anos, mas é uma máquina única.
- E qual a previsão agora?
Algum momento deste segundo semestre. (Tribuna do Norte, 11/7)
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário