"Quanto mais a construção de multinacionais brasileiras estiver limitada aos setores pouco intensivos em conhecimento, menor será o potencial de impacto positivo em outros ramos da economia" Glauco Arbix é professor do Departamento de Sociologia da USP e coordenador executivo do Observatório da Inovação e Competitividade Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP). Luiz Caseiro é pesquisador do Observatório de Inovação do Instituto de Estudos Avançados da USP. Artigo publicado no "Valor Econômico":
Algumas das principais multinacionais brasileiras - como a Gerdau, Votorantim, Braskem e Marfrig - voltaram a se movimentar agressivamente, após um período de cautela no ano passado. O volume investido pelas empresas brasileiras em aquisições no exterior de janeiro a maio já soma US$ 11,16 bilhões. Esse é um recorde de aquisições realizadas por empresas brasileiras no exterior.
A mais recente onda de internacionalização de empresas de países em desenvolvimento mostra-se tão ou mais agressiva do que a primeira, que projetou no cenário internacional os tigres asiáticos.
O Brasil desponta nesse grupo em clara ruptura com um histórico de orientação para o mercado interno. Pela trajetória recente, o esforço pela internacionalização foi incorporado como estratégia corporativa, ainda que restrita a um universo seleto de empresas.
Mais ainda, dados da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec, do IBGE) realçam que as empresas que inovam foram as que mais se internacionalizaram.
Para essas multinacionais, a demanda dos novos mercados exige um esforço contínuo de elevação da qualidade de seus processos, produtos e serviços. Esse padrão superior tende a se reproduzir em sua rede de fornecedores, o que potencializa os impactos positivos no conjunto da economia.
Do ponto de vista da economia política, a consolidação de multinacionais de países emergentes contribui para aumentar seu poder de negociação e barganha e, dessa forma, reposicioná-los na arena internacional. Isso significa que o movimento de internacionalização, além de gerar corporações mais robustas e ágeis, reforça o novo protagonismo dos países emergentes e introduz novos ingredientes no redesenho do mundo dos negócios e da geopolítica internacional.
Por captarem os potenciais benefícios que a internacionalização das empresas pode gerar, governos de muitos países emergentes elaboraram políticas públicas específicas para estimular esse processo, de modo a diminuir riscos e otimizar o impacto da atuação dessas corporações e elevar o padrão de competitividade de suas economias.
Nesse sentido, desde 2004, a China conta com uma política agressiva de estímulo à internacionalização de suas empresas, o Go Global. O EximBank chinês oferece crédito subsidiado para projetos no exterior que atendam ao menos um dentre quatro objetivos: 1) obter recursos naturais escassos no país; 2) propiciar o desenvolvimento tecnológico das firmas; 3) aumentar as exportações; e 4) fortalecer os laços de política externa com países estratégicos.
No campo diplomático, assinou acordos de proteção mútua de investimentos com 115 países e com 89 para evitar a bitributação - problema presente no Brasil. Como suporte público, qualquer empresa chinesa pode acessar uma rede on-line com informações sobre negócios e oportunidades de aquisições no exterior, em especial de empresas de base tecnológica.
Ainda que timidamente, o Brasil também deu passos na mesma direção. Desde 2005, o governo apoia a internacionalização das empresas por meio do BNDES, dos Centros de Negócios da Apex e do Banco do Brasil. Essas iniciativas representam uma inflexão positiva na política industrial brasileira. Porém muito ainda pode ser feito no campo tributário, financeiro, diplomático e na construção de uma rede internacional capaz de captar tendências e difundir informações sobre oportunidades para empresas brasileiras no exterior.
Como a busca pela elevação do patamar tecnológico e de inovação das empresas brasileiras é chave para o país, é essencial que o investimento público entre em sintonia com as prioridades da política industrial e tecnológica - seja da Política de Desenvolvimento Produtivo, seja do Plano Nacional de Ciência e Tecnologia. Isso porque, quanto mais a construção de multinacionais brasileiras estiver limitada aos setores pouco intensivos em conhecimento, menor será o potencial de impacto positivo em outros ramos da economia.
Claro que a atuação do setor público não se fará ao arrepio do setor privado. Como o Brasil amadureceu, construiu instituições e uma economia diversificada, o dirigismo estatal dos anos 50 e 60 é tão impossível quanto indesejável. Mas nem por isso a atuação do Estado deixou de ser essencial, principalmente pelo seu poder de articulação dos agentes econômicos em torno de novas estratégias para o país.
As políticas industriais que tiveram êxito na promoção de transformações relevantes em diversos países emergentes primaram pelo foco na construção de novas competências, de absorção e geração de tecnologia e na elevação da competitividade da economia. Foi assim na experiência japonesa e na coreana.
A título de ilustração, a chinesa Geely, até recentemente uma fabricante de geladeiras, contou com apoio do governo para comprar neste ano a montadora Volvo (controlada pela Ford) por US$ 1,8 bilhão, valor correspondente a cerca de 40% dos desembolsos do BNDES para a internacionalização dos frigoríficos JBS Friboi e Bertin.
A crise econômica mundial, que derrubou o valor de mercado de muitas empresas europeias e americanas, gera oportunidades para os países emergentes adquirirem empresas com densidade tecnológica, encurtando as rotas de sua capacitação e desenvolvimento.
Às empresas brasileiras não faltam músculos nem dinamismo. É fundamental que seu apetite empreendedor entre em sintonia com esforço do país para elevar o padrão de tecnologia, produtividade e de competitividade da nossa economia. A atuação clara das instituições de Estado nessa direção é urgente. (Valor Econômico, 5/8)
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