"A ciência deve agora ser protagonista do desenvolvimento do Brasil" Marco Antônio Raupp é presidente da SBPC, diretor-geral do Parque Tecnológico de São José dos Campos. Foi diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC). Artigo publicado no jornal "O Estado de SP":
Diferentemente de seus antecessores, o próximo ou a próxima presidente da República poderá contar com a ciência como protagonista do desenvolvimento brasileiro. Não se trata de proposta inovadora, a ciência sempre foi um dos alicerces do crescimento econômico em qualquer lugar do mundo.
Essa possibilidade não nos ocorreu antes por razões compreensíveis. A ciência é uma atividade recente no Brasil, começou a ser feita de maneira organizada na década de 1930. Impulsos significativos ocorreram apenas a partir dos anos 1950, com a criação de agências de fomento da pesquisa, a institucionalização da pós-graduação e a expansão do sistema universitário.
Apesar de sua juventude, o ponto fundamental é que o Brasil conta hoje com um amplo e dinâmico sistema de produção científica. Temos em atividade cerca de 230 mil pesquisadores, cujo trabalho - mais de 30 mil artigos por ano, publicados em revistas internacionais - representa 2,12% da produção científica mundial. Esse porcentual coloca o Brasil em 13º lugar no ranking da ciência, à frente da Rússia e da Holanda, países com maior tradição nessa atividade. Há 20 anos nossa participação era de 0,63%.
Outro parâmetro da evolução: em 2009 o Brasil titulou 11.368 doutores, 134% a mais do que dez anos antes (4.853 em 1999).
É esse o sistema que o Brasil construiu - e que agora deve dar sua contrapartida à sociedade brasileira, principalmente porque o desenvolvimento econômico no mundo atual não pode prescindir da contribuição da ciência. Essa contribuição exige, porém, políticas públicas apropriadas, bem como a definição de um modelo de transferência do conhecimento da base científica para os setores industriais e de serviços.
De antemão, é preciso ficar claro que transferir os saberes da ciência para o setor produtivo empresarial não é função da universidade. O papel fundamental da instituição universitária é a formação de recursos humanos e a realização de pesquisa científica que contribua para a evolução do conhecimento em suas mais diferentes áreas.
Precisamos, portanto, de mecanismos específicos para a intermediação do conhecimento científico com o sistema produtivo. Nesse sentido, temos no Brasil três experiências extremamente bem-sucedidas a serem consideradas.
Nossa agropecuária é responsável por quase um quarto do produto interno bruto (PIB) brasileiro e em 2009 respondeu por 42% de nossas exportações. As pesquisas realizadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estão literalmente na raiz dessa riqueza.
Temos a Embraer, a terceira maior fabricante mundial de aviões, que foi gerada no Centro Técnico Aeroespacial e no Instituto Tecnológico de Aeronáutica.
No setor do petróleo, criamos a Petrobrás, que se fez uma vencedora constante de desafios cada vez maiores graças a seu Centro de Pesquisas, o Cenpes.
Esses exemplos mostram que tivemos grande êxito quando fizemos esforços para a integração da nossa base científica e tecnológica com setores econômicos. E um dos fatores determinantes para esse êxito foi a utilização de mecanismos adequados, quais sejam, centros de pesquisa criados com finalidades específicas e desafios predefinidos.
Para cumprir sua missão, esses centros de pesquisa - sem a obrigação de ensinar, como ocorre com as universidades - dispõem das condições ideais necessárias: podem se utilizar do conhecimento já existente, adaptando-o para uma finalidade específica; podem gerar novos conhecimentos e novas tecnologias, para atender a demandas predefinidas; e, isentos de obrigações acadêmicas, têm flexibilidade para se adaptar ao ambiente produtivo empresarial.
A sugestão da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), portanto, é que os centros federais de pesquisa já existentes (a maioria com a denominação de institutos de pesquisa) sejam fortalecidos e tenham seu foco de estudo, seus objetivos e seu financiamento redefinidos em conformidade com os desafios que terão de enfrentar.
Da mesma forma, será fundamental a criação de novos institutos de pesquisa, igualmente dotados das condições para a realização de grandes projetos mobilizadores, capazes de criar novas e vigorosas vertentes na economia nacional. Fármacos e medicamentos, energia e microeletrônica são alguns dos setores em que o Brasil poderia empenhar grandes esforços visando à criação de parques industriais fundamentados na utilização de tecnologias inovadoras geradas aqui mesmo.
O desenvolvimento de tecnologias para a exploração sustentável de nossos recursos naturais, como a Amazônia e o mar, também caberia como desafio para centros de pesquisa dedicados a grandes temas.
Por esse modelo, o agente público e o privado atuam como parceiros. Vale salientar, porém, que esses centros não substituiriam a missão das empresas de realizar suas atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Eles atuarão na fase pré-competitiva, gerando conhecimento científico e tecnológico que servirá de base às atividades de P&D das empresas, para que estas possam gerar produtos, serviços e processos inovadores.
Com esse conjunto de atributos e objetivos, esses centros de pesquisa serão um vigoroso instrumento de política pública para a inovação; serão uma forma de participação do governo no esforço de tornar o Brasil um país com alto desenvolvimento tecnológico; e serão também um indutor da inovação tecnológica nas empresas.
Num curto período, o Brasil organizou um sistema que contribui significativamente para a evolução do conhecimento científico. Chegou a hora da contrapartida: a ciência deve agora ser protagonista do desenvolvimento do Brasil. (O Estado de SP, 27/9) |
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