"Confirmando o que Jacob me dizia então, nós temos muito a aprender com os dois países; ao que eu acrescentaria: tanto cooperando quanto com eles competindo" Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), presidente do Centro de Economia Política e foi ministro da Ciência e Tecnologia. Artigo publicado na "Folha de SP":
O matemático brasileiro Jacob Palis recebeu na semana passada o Prêmio Balzan pelo conjunto de sua obra de pesquisador. Li com prazer a notícia, porque o conheci em meu breve período como Ministro da Ciência e da Tecnologia, em 1999. E ocorreram-me imediatamente um pensamento e uma lembrança.
Um pensamento: uma nação forte e democrática é construída por seus pobres que lutam pela melhoria de suas condições de vida e pela igualdade, e por homens excepcionais que sabem interpretar esses anseios e os transformar em realidade. Uma lembrança: a de quanto Jacob Palis me ajudou, em junho daquele ano, em Budapeste, quando chefiei a delegação brasileira ao 2º Congresso Mundial da Ciência patrocinado pela UNESCO.
O notável matemático do Impa (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada) foi um entusiasta de primeira hora do modelo das organizações sociais que adotou em sua instituição; em Budapeste, ele me ajudou, em conjunto com os demais membros da delegação, a definir os parceiros prioritários que o Brasil deveria ter em seu esforço por desenvolver a ciência e a tecnologia.
Nossa escolha recaiu sobre a Índia e a China - dois países imensos como o Brasil que então já vinham apresentando taxas elevadas de crescimento. Com a China já tínhamos um acordo de cooperação para construir um satélite artificial de comunicações, com a Índia, nenhuma relação no plano científico e tecnológico. O conceito de Bric, que nos colocaria ao lado desses dois e da Rússia, ainda não fora concebido.
Passados 11 anos, não sei o que ocorreu com a cooperação técnica e científica, mas continuo seguro de que acertamos ao escolher a China e a Índia. A Índia é o único país que realizou sua revolução nacional e capitalista no quadro da democracia, se entendermos que um pré-requisito para ela é o sufrágio universal. A China segue autoritária, mas, nos últimos 30 anos, é a experiência mais extraordinária de crescimento acelerado de todos os tempos.
Os dois foram grandes impérios antigos que, no século 19, foram submetidos ao imperialismo das novas potências industriais ocidentais. Libertaram-se após a Segunda Guerra e, a partir daí, entre 1950 e 1980, recorreram a tradições para construir nações fortes e modernas.
Em seguida, sempre de forma independente, abriram parcialmente suas economias, e definiram um modelo de desenvolvimento que denomino "novo desenvolvimentismo": voltado alternadamente para as exportações e para o mercado interno, baseado em responsabilidade fiscal e cambial e em papel estratégico para o Estado.
O Brasil tornou-se formalmente independente mais de um século antes da Índia e da China. Mas nossa independência foi sempre relativa. Nossas elites se pensavam "europeias" e sempre foram ambíguas, divididas entre a dependência e a nação. Por isso nunca tivemos por um longo tempo as taxas extraordinárias de crescimento semelhantes às da Índia ou da China.
Entretanto, confirmando o que Jacob me dizia então, nós temos muito a aprender com os dois países; ao que eu acrescentaria: tanto cooperando quanto com eles competindo. (Folha de SP, 12/9)
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