Americano diz que a vida em comunidade facilita o nascimento das ideias que mudam o mundo O escritor americano Steven Johnson, especialista em destrinchar temas tecnológicos para o leitor comum, volta a chamar a atenção dos aficionados de ciência e tecnologia com seu livro "Where good ideas come from" ("De onde vêm as boas ideias"), lançado em outubro nos EUA. Ele desmistifica teses sobre a inovação, como a suposição de que grandes gênios têm ideias do nada depois de grandes momentos de silêncio e contemplação. Besteira. Inovação nasce do caos, diz o autor, um iconoclasta que defende as cidades como polos de produção de novas ideias e garante que nem sempre o dinheiro é o fator motivador de uma descoberta genial. O escritor é fã do jeitinho brasileiro de superar limitações e diz que nem sempre a pobreza restringe a inovação. E para quem não se considera um Einstein, Johnson dá seus conselhos. Primeiro, que as famílias estimulem seus filhos a cultivarem hobbies e atividades paralelas ao estudo. E que as pessoas sempre anotem suas ideias em uma espécie de diário. "Uma ideia que você teve há um tempo pode nem fazer muito sentido, mas quatro anos depois, diante de uma nova realidade, ela pode ser uma ótima ideia". Leia a entrevista: - Muitas pessoas acham que a inovação só é estimulada pela possibilidade de que ela renda dinheiro. Você concorda com isso? Há motivações múltiplas. Dinheiro é certamente uma delas, mas superestimamos o desejo por dinheiro ou até que ponto o marketing orienta a inovação. O problema com a inovação baseada em marketing é esse desejo de proteger sua ideia porque você quer fazer dinheiro com ela. O grande argumento contra isso é que as melhores ideias frequentemente vêm de processos colaborativos, de redes de ideias ou de criar em cima de processos e ideias já inventados por outras pessoas, de pegar emprestada uma ideia de outra pessoa e desenvolvê-la em outro campo, fazer algo completamente novo. E é essa propriedade de conectividade da inovação que você compromete quando tenta esconder e proteger ou isolar sua ideia. Então a figura do gênio trabalhando isoladamente não existe. Há pessoas excepcionalmente inteligentes, mas elas raramente trabalham totalmente sozinhas. Os trabalhos são colaborativos. Em geral, quanto mais conectado você é, mais propenso a ter boas ideias, mas você terá mais chances de ter ideias verdadeiramente originais se estiver cercado de gente diferente de você, se tiver uma rede de influências supreendente. O ponto interessante do livro é justamente a importância da diversidade, não apenas a diversidade multicultural, mas a diversidade de interesses. - E existe um ambiente ideal para que as ideias fluam? Se você quer realmente criar um processo de inovação permanente que percorra toda a empresa, um dos grandes modelos é a Google, onde os empregados dedicam 20% do seu tempo à inovação. É um tempo em que eles podem trabalhar em projetos paralelos vagamente relacionados às metas da empresa, e só o que é pedido é que eles se reportem uma vez por mês a seus superiores fazendo uma atualização do trabalho. E o fato é que 25% das inovações geradas na empresa vêm destes 20% de tempo criativo. É um mecanismo poderoso dentro da organização. - E em casa, nas famílias? Uma das coisas que os pais podem fazer é dizer aos filhos: "Seja apaixonado por alguma coisa ou coisas. Envolva-se". O processo mental de mergulhar realmente em algo, aquela sensação de que você precisa ter muitas informações sobre aquilo e conhecer profundamente, eu acho que isso é algo que os pais devem encorajar nos filhos. - Você diz que as cidades são bons locais para a inovação. Por quê? Se ter boas ideias fosse apenas uma questão de achar um local quieto para pensar, meditar e ter grandes sacadas, a história da inovação estaria restrita a áreas rurais. As cidades são os grandes berços da inovação, não apenas pela quantidade, mas pela qualidade de ideias per capita. Apesar disso, são consideradas difíceis para a concentração. Mas elas abrigam todo o conceito de caos criativo ao permitir as conexões de que já falamos. - Existe alguma relação entre pobreza e inovação? Uma das coisas que são fundamentais para a inovação é tempo livre. Quando você está totalmente concentrado em completar seu trabalho, ganhar o contracheque, geralmente não tem tempo de se questionar sobre coisas. Em ambientes de muita pobreza é difícil encontrar situações onde haja tempo livre para questionamento. Por outro lado, recursos limitados em determinadas sociedades acabam forçando as pessoas a serem mais criativas. Mesmo nas favelas no Rio e em São Paulo, há coisas incríveis acontecendo em termos de inovação local, incluindo a falta de infraestrutura tradicional nestes locais e as maneiras muitas vezes ilegais em que tentam ter acesso a luz, água ou internet. - A China é muito boa na inovação em ciências exatas, mas fraquíssima em inovação em ciências humanas. Isso tem a ver com o regime autoritário? Não sei. Nos EUA, onde temos uma cultura forte de empreendedorismo, gente com 25 anos está abrindo suas próprias empresas. Ao mesmo tempo, temos uma sociedade de consumo sempre disposta a testar novas coisas, como Twitter ou iPads. Então penso que você tenha que ter as duas coisas para ser bem-sucedido como país: um ambiente em que as pessoas tenham espaço para inovar e criar e gente com coragem de consumir essas novidades. Mas os chineses fizeram tanto progresso em tão pouco tempo que a cópia é uma forma de queimar etapas, nesse sentido, quando se moderniza nessa velocidade. - Muita gente no Brasil acha que a internet é um desserviço em termos de estímulo à inovação porque ela afastaria as pessoas do que realmente interessa. O que você pensa disso? A internet nos deixa sobrecarregados. Mas, se você consegue manter o foco, os benefícios são enormes, como a troca de informações advindas daí. É claro que há uma sobrecarga de informações, mas eu, de modo geral, sinto-me mais capaz de captar e administrar muito mais informações do que há dez anos, e isso é um benefício. - Quais as dicas para se tornar mais inovador no seu dia a dia? Uma boa dica é anotar suas ideias num bloquinho e guardar aquilo, relendo-as de quando em quando. Uma ideia que você teve há um tempo pode nem fazer muito sentido, mas, quatro anos depois, diante de uma nova realidade, ela pode ser uma ótima ideia. (Gilberto Scofield Jr) (O Globo, 15/11) |
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