12 de janeiro de 2011

Educação e Pesquisa na rota de expansão

Jorge Werthein, ex-diretor e representante da Unesco no Brasil
e autor de 19 livros, aconselha o País a implementar modificações importantes e, entre outras ações, incentivar
a formação de professores

Henrique Beirangê
DA AGÊNCIA ANHANGUERA henrique.beirange@rac.com.br
Para que a fase de expansão da economia brasileira se sus- tente em longo prazo é preci- so que os investimentos em educação sejam ampliados e que o País modele uma políti- ca de Estado de educação. A última avaliação do Progra- ma Internacional de Avalia- ção de Alunos (Pisa), divulga- da no mês passado, identifi- cou avanços no aproveita- mento dos estudantes brasi- leiros, mas ainda revela uma distância abissal das nações mais desenvolvidas. O País ocupa a 53a posição em uma lista de 65 países. Para que a educação se torne prioridade no Brasil, é necessário a cons- trução de um consenso supra- partidário, que impeça que mudanças radicais no siste- ma sejam realizadas ao sabor das alterações de governos. Investir em educação e pes- quisa de ponta é a força mo- triz do processo de criação e inovação de uma nação e a única ferramenta capaz de tornar o Brasil independente da exportação de commodi- ties. Na opinião de Jorge Wer- thein, ex-diretor e represen- tante da Organização das Na- ções Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unes- co) no Brasil e autor de 19 li- vros nas áreas de educação,
ciência e tecnologia, o País precisa tornar a educação uma prioridade de Estado, não deixando a cargo apenas do Ministério da Educação es- sa incumbência, mas fazendo com que todos os entes fede- rados também assumam sua responsabilidade.
Em entrevista ao Correio, ele lembra que os melhores alunos que saem das universi- dades brasileiras não se inte- ressam em se tornar professo- res, em função da falta de estí- mulos do sistema, prejudican- do a formação de bons profis- sionais. Segundo ele, o cresci- mento econômico de longo prazo brasileiro está ameaça- do, caso o País não implemen- te modificações estruturais importantes.
Correio Popular – O Bra- sil passa por um momento de forte expansão econômi- ca. Qual a importância da ampliação dos investimen- tos em educação para que es- te crescimento se sustente em longo prazo?
Jorge Werthein – Com o crescimento econômico que atualmente temos, se pensar- mos em um futuro a curto prazo, nós não temos recur- sos humanos suficientemen- te preparados para assumir os desafios que o Brasil está assumindo com este cresci- mento. Nós somos obrigados a importar recursos humanos qualificados para poder res-
ponder às necessidades do se- tor produtivo. Isso é inaceitá- vel para um País que tem a população que tem. Há algu- mas verdades que são univer- sais. Uma delas é que não há nenhum investimento que te- nha retorno mais alto do que a educação. Mas ela precisa ser não só aceita em teoria, mas implementada na práti- ca. Não só no Brasil, mas em toda a América Latina essa verdade universal ainda não foi suficientemente internali- zada. O Brasil avançou muito, com conquistas importantes no setor educacional, como: ampliação das matrículas, descentralização dos recur- sos, aumento significativo do orçamento destinado à educa- ção, melhoria na gestão da in- formação e nos sistemas de avaliação. Tudo isso são con- quistas e tenho esperança que consigamos aumentar a proporção de investimentos na educação a 7% do PIB (atualmente é de cerca de 5%, o mínimo recomendado pela Unesco é de 6%). Há países de- senvolvidos que investem me- nos de 7% em educação e conseguem gerir um sistema de alta qualidade. No entanto, no Brasil, a dívida histórica é muito alta, precisa ser paga e exige investimentos importan- tes na área educacional. O País precisa acelerar a forma como está trabalhando, por- que a distância que separa, dentro do Brasil, esses dife- rentes brasis e a distância que separa o Brasil de outros paí- ses da América Latina e de países da Europa, dos Esta- dos Unidos e asiáticos é mui- to grande.
A produtividade da mão de obra está associada à quali- ficação profissional. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que a produtividade do traba- lhador brasileiro vem caindo nos últimos 25 anos. Como re- solver este problema?
O sistema educacional não
está conseguindo formar a mão de obra que se precisa em todas as áreas e ativida- des econômicas. A qualidade deixa muito a desejar. Quan- do se graduam não estão pre- parados. Há muitos países de- senvolvidos que estão sofren- do com a queda na eficiência de seus recursos humanos, que se reflete na queda de produtividade e estão se esfor- çando para ajustar este ques- tão. No nosso caso, precisa- mos ajustar um problema ain-
da mais complicado, pois nos- sa situação é mais grave. No entanto, precisamos lembrar que não temos apenas que formar profissionais capacita- dos para trabalhar no setor produtivo. A sociedade demo- crática, para que conte com um crescimento sustentável, necessita de um povo educa- doeamãodeobraquedaí naturalmente surge.
Fala-se na ausência de po- líticas de Estado no Brasil que definam claramente quais são as prioridades da pasta de educação. Quais po- líticas são essas e como pode- riam ser implementadas?
Significa que se defina cla- ramente que educação é uma prioridade e forma parte da vi- da essencial de um País. Polí- tica de Estado implica que o Ministério da Educação não seja responsável pela defini- ção e implementação de polí-
ticas educativas. O Estado e o governo como um todo são responsáveis. Quando você não tem política de Estado, você passa a ter políticas de caráter setorial e essas políti- cas têm menos força que polí- ticas de Estado. Esse é o pri- meiro problema. Para defini- las, requer um pacto nacio- nal, e já houve várias tentati- vas no Brasil que não se con- cretizaram. Esse pacto define uma política educacional pa- ra os próximos 30 ou 40 anos, independentemente de quais são os partidos políticos que estiverem exercendo o poder seja no Executivo, federal, es- tadual ou municipal. Hoje is- so não acontece no Brasil, não acontece na maioria dos países da América Latina. Os exemplos de pactos que tive- mos lá fora são vários. O pac- to significa que o País como um todo assume que a priori- dade está na educação e que essa prioridade define todas as atividades e uma vincula- ção forte de todos os ministé- rios com o Ministério da Edu- cação. Não significa poster- gar as demais políticas em ou- tras áreas, como relações ex- ternas, com cultura ou espor- te. Não. Significa sinalizar cla- ramente que o desafio funda- mental é educação. Hoje, quando pensamos em uma secretaria de educação, será que ela tem mais importân- cia dentro da máquina do que uma secretaria de finan- ças? Não, não tem.
Estados e municípios têm cumprido sua parte no de- senvolvimento de políticas locais de educação?
Há projetos interessantes, projetos bem sucedidos, mas são poucas. Em um País fede- ral como o Brasil, e com uma descentralização que tem, on- de a responsabilidade pela im- plementação de políticas pú- blicas do Ensino Fundamen- tal e do Ensino Médio são das prefeituras e dos estados, es- sa responsabilidade tem que
ser assumida por estes entes federados. A corresponsabili- dade é fundamental. A melho- ria da educação no Brasil de- pende do compromisso que cada governo tem nos esta- dos e nos municípios. A res- ponsabilidade não é só do Mi- nistério da Educação, isso pre- cisa ficar claro. Ele é um dos corresponsáveis.
É comum observarmos que mudanças de governo também provocam mudan- ças nas políticas de educa- ção. A descontinuidade das políticas públicas interfere de que modo na qualidade do ensino?
Vemos muitas vezes que há descontinuidade não só quando muda um governo, mas até mesmo quando mu- da um ministro ou secretário de educação. É um exemplo da falta de política de Estado para a educação. Precisamos de um consenso político de que a educação seja suprapar- tidária, envolvendo toda a so- ciedade civil. Os temas mais importantes devem formar a coluna vertebral deste progra- ma, e depois cada governo vai ajustando determinados aspectos. Com este caminho construído por meio de um consenso, todos se compro- metarão a segui-lo indepen- dentemente de qual seja o partido que esteja no poder. Descontinuidades geram um
custo imenso, porque come- çamos, definimos algumas políticas e quando as muda- mos, provocamos um retro- cesso enorme. Não há ne- nhum Estado capaz de absor- ver os custos dessas mudan- ças contínuas. Além de criar- mos uma insegurança muito grande no sistema de educa- ção. Quando conversamos com os professores, vemos que não há segurança sobre a continuidade do programa que no momento estejam se- guindo.
O Programa Internacio- nal de Avaliação de Alunos (Pisa) foi divulgado no mês passado mostrando que o Brasil foi um dos três países que mais avançaram no mundo, mas continua entre os últimos no ranking (53o entre 65 países). Como o sr. recebeu o resultado?
Festejando. Todas as con- quistas educacionais preci- sam ser festejadas. Foi um avanço importante. Dos 65 países, foi o terceiro que mais avançou. Claro que quando confrontamos com outros paí- ses, vemos que estamos em uma posição insatisfatória, no entanto, precisamos consi- derar que faz muitas décadas que estamos mal na educa- ção. As conquistas são impor- tantes, mas em função de nos- so passado, esses resultados não são suficientes para mu- dar rapidamente a posição em que estamos. Devemos fa- zer todos os esforços imaginá- veis para sermos a oitava eco- nomia mundial e ao mesmo tempo o oitavo país com o melhor sistema de educação. Seríamos imbatíveis, mais ou menos como no futebol. O Pi- sa mostra que o Brasil está no caminho correto e o que precisamos é que todo o Bra- sil e todos os atores sociais fa- çam um esforço ainda maior para acelerar as melhorias no sistema educacional. Assim, em avaliações futuras, apre- sentaremos resultados ainda melhores.
A falta de investimentos na melhoria nas condições de trabalho do corpo docen- te tem levado os melhores quadros que saem das uni- versidades a se dirigir para outras áreas profissionais que não a acadêmica. Qual o resultado disso na qualidade do ensino?
Esse problema é muito sé- rio. Sabe uma das perguntas que faz o Pisa? Entre várias delas, uma se destaca. Você como pai, apoia que seu fi- lho siga a carreira de profes- sor? Quando perguntam isso ao pai coreano, ao pai finlan- dês, ao pai de Xangai, ao pai de algum país na Europa, ele vai responder que sim. Por quê? Porque lá é uma profis- são socialmente reconheci- da, valorizada e onde o salá- rio é similar em outras ativi- dades profissionais. Quando se faz essa pergunta em paí- ses da América Latina, é mui- to difícil encontrar essa res- posta. Os melhores quadros não vão estudar para serem professores, porque não exis- tem três condições básicas: reconhecimento da socieda- de como uma categoria im- portante e prestigiada, não tem um plano de carreira atrativo e terceiro porque os salários são baixos. Então o que temos? Muitas vezes aqueles que não têm condi- ções de seguir outras carrei- ras, seguem a carreira de pro- fessor. Precisamos mudar a percepção que a sociedade tem hoje, senão não conse- guiremos atrair os principais alunos que hoje se graduam, debilitando o sistema.
Fala-se bastante dos avan- ços conquistados nos últi- mos 30 anos pela Coreia do Sul e pela Espanha na educa- ção. O que pode ser adapta- do no Brasil pelo que foi fei- tos nestes países?
As decisões políticas. Eles decidiram tomar a decisão de priorizar a educação. Não há nenhum segredo sobre is- so. Priorizar tem uma diferen- ça muito grande em conside- rar que a educação é impor- tante. Todo mundo que você pergunte vai dizer que a edu- cação é importante, nin- guém vai dizer que não, isso é ponto pacífico. Mas a per- gunta é, ela é prioritária? A re- posta na maioria dos casos é que ela não é. Temos que convertê-la em prioridade. Assim poderemos alcançar o patamar dos países que você menciona.
A FRASE
“Nós somos obrigados a importar recursos humanos qualificados para poder responder às necessidades do setor produtivo.”
A FRASE
“Precisamos de um consenso político de que a educação seja suprapartidária, envolvendo
toda a sociedade civil.”
A FRASE
“Há países desenvolvidos que investem menos de 7% em educação e conseguem gerir um sistema de alta qualidade.”

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