4 de junho de 2011

Além do marketing :participação empresarial em projetos socioambientais

Reportagem Ações Sociais
Cresce da participação empresarial e melhora a qualidade dos gastos em projetos socioambientais
POR DAL MARCONDES
UMA DAS FRASES de efeito o mais comuns do cenário da responsabilidade social empresarial : "Não podem existir empresas de sucesso inseridas em uma sociedade fracassada". Hoje o que se discute é como as empresas podem apoiar programas de desenvolvimento social e ambiental, e até onde vai seu papel. Há no País centenas de institutos e fundações empresariais muito ativos, financiando projetos em campos como educação, preservação ambiental,saúde materna é direitos da infância, por exemplo. Muitos consideram um mero paliativo para a ausência do Estado. Outros afirmam que é parte de uma nova forma de cidadania. Ó fato é que existe uma presença cada vez mais forte de organizações do terceiro setor empresarial em áreas consideradas de "políticas públicas com investimentos próximos a 10 bilhões de reais ao ano, segundo o Instituto de Pesquisa Econôrnica Aplicada (Ipea).
Outro jargão das empresas é que não se deve investir apenas para "dar o peixe a quem tem fome". É preciso, repetem, "ensinar a pescar". Esse,porém, também está ultrapassado: não basta mais apenas ensinar obter o alimento ou o conhecimento do dia a dia. É preciso ir adiante e garantir que haverá recursos para sempre, em um processo mais elaborado de construção da sustentabilidade ou, como preconiza o economista e ganhador do Prêmio Nobel Amartya Sen, uma busca de soluções para os gargalos da insustentabilidade. As empresas, que até os anos 80 do século XX consideravam que sua responsabilidade social restringia-se a gerar empregos e a pagar impostos, chegaram ao novo milênio cobradas sobre temas antes absolutamente tabus, como o destino de 4 seus lucros. "Existe uma expectativa de que as empresas contribuam para o desenvolvimento das sociedades onde estão inseridas", explica André Degens zajn, diretor do Grupo de Institutos e Fundações Empresariais (Gife), entidade que reúne organizações do terceiro setor mantidas por empresas que carregam, em sua maioria, a marca da organização-mãe.
A maior parte dos investimentos realizados pelo "terceiro setor empresarial" mantém, porém, o foco em projetos realizados internamente, com pouca abertura para demandas da sociedade ou de organizações desvinculadas da atividade corporativa. Uma pesquisa realizada pelo Gife em 2009/2010 mostra que 59% de seus 130 associados preferem atuar com projetos e equipes e próprias, enquanto apenas 19% apoiam projetos de outras organizações.
Entre as honrosas exceções está a Petrobras, maior financiadora empresarial de projetos ambientais, sociais e culturais do Brasil, que, entre 2003 e 2010, aportou 3,9 bilhões de reais em cerca de 13 mil projetos.Outra que prefere fortalecer iniciativas locais é o Fundo Vale, que carrega a marca da maior empresa privada do País. Para Mirela Sandrini, gestora do fundo, o investimento em desenvolvimento local é transformador. "Financiamos organizações locais e construímos parcerias com o poder público." Seu trunfo atual são projetos desenvolvidos em Paragominas, no Pará, que ajudaram a cidade a deixar a lista negra dos municípios que mais desmatam no Brasil.
Dos quase 10 bilhões de reais investidos no ano passado, estima o Ipea, parte expressiva é aplicada em projetos de educação. Isso se explica basicamente pelo número de analfabetos. De acordo com Mozart Neves Ramos, ex-secretário de Educação, reitor da Universidade Federal de Pernambuco e integrante do movimento Todos pela Educação, existem quase 60 milhões de brasileiros incapazes de escrever ou entender um texto escrito. "São pessoas que nunca frequentaram escolas, ou que saíram delas analfabetos funcionais." Os projetos em educação também são alvo da preferência porque o analfabetismo tem um peso de 50% na desigualdade social e também porque cada ano na escola pode representar um acréscimo médio de 15% na renda.
Um caso exemplar é o Instituto Embraer, cujo principal projeto é uma escola gratuita de Ensino Médio em São José dos Campos (SP) para estudantes egressos do sistema público e que já formou 1.406 alunos desde 2002. Cada aluno tem dez horas de aula por dia,com uma estrutura de ponta e um sistema de ensino que levou l00% deles às melhores faculdades. O ingresso no colégio atrai 4 mil candidatos que passam por um rigoroso processo seletivo,em que apenas 200 são aprovados. E por que a Embraer não replica a experiência? Pedro Ferraz, diretor do instituto, responde: "Não queremos substituir o Estado. Mostram os que é possível e queremos ver o modelo multiplicado. Estamos abertos para repassá-lo a quem se interessar, empresas, municípios, outras instituições". O instituto decidiu aplicar 1,5 milhão de reais em um moderno centro de educação ambiental, de acesso livre para alunos de outras escolas. E mantém cursos de empreendedorismo para jovens da comunidade, em conjunto com a Junior Achievement, além de avaliar e financiar projetos independentes, indicados por funcionários da Embraer. O orçamento do instituto passou de 2,2 milhões de reais, em 2002, para 10 milhões de reais, em 2010.
Um dos fatores que ampliaram a participação das empresas no investimento social foi a ênfase dada pela Constituição de 1988 à importância dos movimentos que apoiam a cidadania. Isso abriu caminho para a criação e consolidação do quase meio milhão de organizações não governamentais registradas no Brasil. O número inclui os institutos e fundações empresariais. Dessas, segundo uma pesquisa realizada pela Associação Nacional das ONGs (Abong), cerca de 60% atuam com orçamento inferior a 1 milhão de reais por ano,30% com1milhão a 3milhões, 8,4% com verbas de 3milhões a 6 milhões e perto de 6% lidam com recursos maiores. O dinheiro vem, em geral, de programas de cooperação internacional, parcerias com governos e financiamento e doações corporativas.
"Atualmente, é difícil uma empresa de grande porte não realizar investimentos sociais", comenta Degenszajn, diretor do Gife. Na maior parte das companhias, os recursos para projetos sociais e ambientais são previstos nos orçamentos anuais, declarados em relatórios de sustentabilidade e com suas normas e formulários para solicitação postados nos sites corporativos. A participação de ernpresas em projetos sociais não é nova no mundo.A diferença dos últimos anos tem sido o aporte de instrumentos de gestão, a participação na busca de resultados sociais e a aferição dos objetivos alcançados "A atuação está mais profissional e as empresas querem saber como estão sendo aplicados os recursos", explica Sônia Favaretto, superintendente do Instituto BM&FBovespa e responsável por instrumentos inovadores da busca das empresas por indicadores de desempenho em sustentabilidade, entre eles o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE).
Grandes causas também estão ligadas ao apoio de organizações do terceiro setor empresarial, como o movimento Nossa São Paulo, que busca a construção de uma cidadania mais sofisticada na metrópole e que é mantido basicamente por contribuições corporativas. "Conseguimos avanços em transparência na governança da cidade e parcerias que estão apoiando a preservação de recursos da Amazônia ao.impedir, por exemplo, a comercialização de madeira ilegal em São Paulo", explica Oded Grajew, gestor da iniciativa, empresário de longa história em movimentos sociais.
O casamento de demandas da sociedade e a vontade de colaborar com causas relevantes têm contribuído para a construção de uma.moderna cidadania corporativa. João Meirelles Filho, diretor do Instituto Peabiru, com sede em Belém do Pará e que desenvolve projetos de conservação ambiental e desenvolvimento social,vê no financiamento das empresas uma importante fonte de recursos para quem quer trabalhar com causas de relevância para a sociedade. "Em dez anos obtivemos apoio de organizaçôes que nos permitiram aplicar em mais de cem projetos em dezenas de cidades da Arnazônia, com foco principal;no desenvolvimento local.
Um dos projetos de maior alcance do Peabiru é obter o reconhecimento da Reserva da Biosfera do Arquipélago do Marajó, bioma de especial importância, por ser o maior arquipélago marítimo/fluvial do planeta, cujos indicadores socioambientais estão muito abaixo da média brasileira e da Amazônia. "Nosso trabalho e financiado por empresas e organizações empresariais, sem isso não seria possível atingir os 12 municípios espalhados pelo arquipélago e realizar todas as ações necessárias para que a Unesco venha a reconhecer a região como Reserva Mundial da.Biosfera.
O principal motivo de conflito entre financiadores e organizações que tocam os projetos não vem de nenhum tipo de descalabro com o uso de verbas, mas sim da falta de uma contabilidade competente, na qual os registros sejam capazes de demonstrar o destino efetivo de cada real aplicado. "As ONGs são em grande parte movidas por "amor à causa", explica Mirela Sandrini. Segundo ela, esse é. um fator fundamental para dar vida aos projetos, rnas não suficiente. É preciso estabelecer metodologias profissionais de governança e controle das despesas.
Outro fator de tensão entre as organizações é a disputa entre as causas. As empresas têm preferências por objetivos sociais ou ambientais dos projetos que financiam e há uma constante disputa. Educação ocupa o primeiro lugar na pirâmide do interesse corporativo, seguida de projetos para populações desfavorecidas, em terceiro lugar questões de gênero e, em quarto lugar, meio ambiente. Esporte, racismo e relações de consumo não têm o mesmo ibope. "É comum ouvirmos que o setor ambiental 'roubou' recursos do social, por exemplo", observa Sônia Favaretto "Precisamos superaresse olhar de divisão e realizar o casamento das agendas de forma construtiva.
Talvez isso aconteça hoje na Amazônia. Empresas e organizações da sociedade civil se uniram para criar o Fórum Amazônia Sustentável, que tem entre seus associados algumas. das maiores companhias do País, como Alcoa, Vale e Petrobras, e muitas das mais ativas ONGs, como o Instituto Socioambiental (ISA), Imazon, Instituto Ethos e Grupo de Trabalho Amazônico (GTA). Desde a sua fundação em 2008, o Fórum reuniu 241 signatários e o número não para de crescer. "É um espaço privilegiado de diálogo, em que os interesses de. cada parte são colocados sobre a mesa e os debates são abertos", explica Adriana Ramos, representante do ISA, organização que ocupa neste ano a secretaria-executiva do Fórum.
Um dos associados é o Instituto Walmart, que, rnesrno sem lojas na região financia projetos como a Floresta Nacional do Amapá. "A evolução e a profissionalização do investimento social impactam na gestão e no alinhamento com as estratégias de sustentabilidade da empresa", explica Paulo Mindlin, diretor do Instituto Walmart. Seu trabalho está estruturado em três eixos: desenvolvimento local, economia inclusiva e formação profissional para o varejo. A média anual de investimento alcança 7 milhões de reais e beneficiou ou beneficia 56 projetos.
"Temos grande expectativa de que haja cada vez mais recursos para a área de meio ambiente, porque ainda está muito abaixo do necessário, já que não há política de incentivo fiscal. Conseguir dinheiro ainda depende muito da capacidade de relacionamento das ONGs", avalia Adriana Ramos, do ISA, cujo foco principal são os direitos indígenas. Segundo ela, a maior parte dos recursos vinha de convênios com organizações do exterior, mas que isso tem mudado, porque o Brasil não é mais visto como um país pobre."Agora precisamos ainda mais das empresas instaladas aqui para financiar nossos projetos."
Beto Veríssimo, do Imazon, complementa: "A maior parte das empresas investe em projetos e organizações próprias. Mas esses papéis são diferentes e precisamos ter mais do que institutos mantidos por empresas. Também precisamos de organizações da sociedade civil independentes. Um investimento não substitui o outro". Veríssimo chama a atenção para o fato de que há sempre uma crítica sobre os recursos vindos defora."Seria especialmente importante o apoio as nossas pesquisas por empresas estabelecidas na Amazônia,mas isso ainda não acontece no volume necessário."
Um estudo do Grupo + Unidos,que agrega empresas dos Estados Unidos instaladas no Brasil e com investimentos sociais locais, mostrou que, cinco anos atrás, 65% delas tinham recebido dinheiro da matriz norte-americana para projetos sociais. As filiais tinham autonomia para usá-lo conforme as realidades e necessidades daqui. Naquele ano, as 46 integrantes do +Unidos aplicaram 258 milhões de dólares em investimento social no Brasil, além de doações de mercadorias e serviços. Ao contrário das companhias nacionais, 63% optaram por financiar projetos de terceiros, concomitantemente a projetos próprios. E outros 20%, exclusivamente, por terceiros. Outra pesquisa da Worldwide Initiatives for Grantmaker Support (Wings), rede de associações sem fins lucrativos de 54 países mostrou um quadro similar.
Apesar de todo esse empenho, é difícil escapar do efeito de formar "ilhas de excelência", em que tantos ficam de fora, ou evitar que a experiência viva de "enxugar gelo", ao atrair mais e mais carentes em uma progressão impossível de dar conta. A meta central dos associados do Gife agora é a articulação com as políticas públicas, para ganho de escala. "As questões sociais não serão resolvidas por um único ator", esclarece Degenszjan.
Ao decidir realizar investimento social, o Fundo Vale escolheu fortalecer a sociedade civil, em vez de se aventurar em um campo em que nunca atuou. Assim, estabeleceu um fundo privado, inicialmente de 51milhões de reais, para ficar à disposição de organizações com comprovada experiência. Como prioridade, elegeu ações conjugadas para estancar o desmatamento na Amazônia, ao mesmo tempo que promove o desenvolvimento local. Hoje, o Fundo tem 79 milhões de reais e gerencia uma carteira de 19 projetos, entre eles o de Municípios Verdes, que expande o modelo de gestão para áreas críticas do território brasileiro.
Um ponto importante para a definição dos campos de atuação de cada empresa, instituto ou fundação é não esquecer que sua ação deve estar vinculada aos objetivos dos negócios da corporação-mãe. O recado é do economista Ladislau Dowbor, professor da PUC de São Paulo e um dos articuladores do Núcleo de Estudo do Futuro. "Bancos devem sempre se lembrar de que seu papel é financiar a sociedade e buscar fazer isso em parâmetros justos, e empresas precisam ser eficientes e agir de forma a otimizar seus benefícios sociais e minimizar seus impactos ambientais." Para ele, somente um casamento real de intenções e ações permitirá à empresa influir nas mudanças da economia e da sociedade. Algo bem mais profundo do que a simples estratégia de marketing social.
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Mas ao contrário das estrangeiras, as corporações nacionais preferem investir em iniciativas próprias,internas
Cerca de 60% das ONGs têm orçamento inferior a 41 milhão de reais por ano
"Precisamos demais organizações civis independentes", defende Beto Verissimo, do Imazon

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