19 de junho de 2011

Choque de produtividade na área social é desafio para o novo Brasil


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Livro discute como aprofundar os serviços sem ampliar os gastos
Que o país mudou de patamar é inegável. O desafio agora é gastar melhor, sem aumentar as despesas sociais. Mas como? A opção é dar um choque de produtividade na área social, defendem o economista Edmar Bacha e o sociólogo Simon Schwartzman. A convite deles, 18 especialistas aceitaram o desafio de discutir experiências nas áreas de saúde, previdência social, políticas de renda, educação básica e violência urbana. As ideias estão em "Brasil: a nova agenda social". O livro é uma compilação de debates realizados na Casa das Garças, centro de estudos dirigido por Bacha, e no Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), no qual Schwartzman é pesquisador.
Liana Melo liana.melo@oglobo.com.br
Como surgiu a ideia de organizar este livro?
SIMON SCHWARTZMAN: Eu procurei o Bacha e a Casa das Garças para propor este trabalho. Nossa preocupação era iniciar uma discussão sobre a melhoria da qualidade das políticas sociais no país. É que, se, por um lado, predomina a ideia de que o país está avançando; por outro, constatamos que não está indo tão bem assim.
Mas o senhor concorda que o país vem avançando, tanto socialmente quanto economicamente?
SCHWARTZMAN: Sim, só que a discussão sobre a temática social tende a ser muito simplista e pobre. Ela se restringe a dar mais dinheiro ou menos dinheiro.
Como é o caso do trabalho infantil, que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) já demonstrou preocupação quanto ao não cumprimento das metas de erradicação?
SCHWARTZMAN: O trabalho infantil é um problema residual no Brasil. Os grandes problemas sociais do país não estão restritos à pobreza extrema, mas a pessoas que vivem nas cidades, que não têm emprego, que não têm condições de atendimento médico e de saúde. Logo, as políticas sociais devem focar numa população bem mais ampla. E aí está o problema, porque o governo parece pensar exclusivamente na pobreza extrema.
O livro conseguiu incluir todas as variáveis desta nova agenda social?
EDMAR BACHA: Infelizmente não. Gostaríamos de ter incorporado outros assuntos relevantes, como a questão do saneamento básico. Mas não deu. A principal característica deste livro é que estamos apresentando diferentes experiências nacionais e internacionais.
Poderiam dar exemplos de algumas experiências inovadoras?
BACHA: No caso da violência urbana, por exemplo, o artigo assinado por Sérgio Guimarães Ferreira mostra o que foi feito em Nova York, Bogotá e Boston. O caso de São Paulo é emblemático. É uma cidade que tinha um grau de violência comparável com o do Rio de Janeiro e conseguiu se transformar em uma das metrópoles menos violentas do país. Até que ponto o aumento do encarceramento ajudou a reduzir a violência urbana em São Paulo é uma das discussões contempladas no livro. Leandro Piquet Carneiro defende a tese de que foi o aumento do encarceramento que ajudou a reduzir a violência na cidade. Já Guimarães acredita que a medida mais importante não foi o aumento quantitativo do encarceramento, mas o longo período em que os criminosos mais perigosos ficam presos.
Alguns dizem que o Brasil tem um dos melhores sistemas públicos de saúde do mundo. Os senhores concordam? Como aperfeiçoá-lo?
SCHWARTZMAN: Quando nós conversamos com o pessoal da área de saúde, todos concordam que o Brasil tem o melhor sistema de saúde do mundo, só que, infelizmente, não funciona.
E por que não funciona?
BACHA: Como a Constituição garante saúde de qualidade para todos, a medicina acabou virando alvo fácil de processos de judicialização. Até quem tem dinheiro para pagar os remédios mais caros, está recorrendo ao Sistema Único de Saúde (SUS). Basta constituir um bom advogado. Com a judicialização, 25% dos gastos com saúde são para bancar a liberação de remédios. Essa integralidade precisa ser regulamentada, para caracterizar que a prioridade na liberação dos remédios é para garantir um atendimento equitativo. Assim, os juízes passariam a consultar os especialistas para evitar que pessoas que têm dinheiro para contratar um advogado acabem indo ao SUS pegar remédios gratuitamente.
Então a Constituição brasileira deveria ser revista?
BACHA: A Constituição de 1988 promete tudo para todos. O texto é de uma generosidade extrema. Só que o princípio da universalização dos benefícios, que é um princípio meritório, quando confrontado com a realidade social brasileira, torna-se inviável. O que está ocorrendo é que grupos de interesse vêm se aglutinando e acabam fazendo imperar seus interesses contra o interesse comum da sociedade. Acabamos criando um sistema que beneficia as classes média e alta, em detrimento das classes mais necessitadas. O mesmo vem ocorrendo na educação: o país gasta com o estudante universitário muito mais do que gasta com os estudantes do ensino básico.
SCHWARTZMAN: Eu diria que a Constituição deveria ser revista. A ideia de dar benefícios ilimitados, que é, em tese, uma ideia generosa, é irrealista. Numa realidade de restrição de recursos, é preciso ter uma política social com prioridades. Logo, isso implica mexer na legislação.
Mas as políticas sociais no Brasil são avançadas ou retrógradas?
BACHA: No papel, nossas políticas sociais são as mais generosas que existem no mundo, o problema são as distorções que essa generosidade acaba propiciando. Se juntarmos a generosidade da Constituição com o poder dos grupos de pressão específicos, acaba-se criando uma situação na qual os privilegiados são os principais beneficiados, porque são mais articulados para defender seus direitos. Ou seja, criou-se uma situação esdrúxula. Só em pensões, o Brasil gasta 3,5% do PIB, contra uma média internacional de 1% do PIB. Não existe nenhum outro país do mundo que gaste tanto com pensões. Isto sem falar nas distorções: um senhor de 70 anos casa com uma moça de 20, morre logo depois, e esta jovem senhora passa a ganhar pensão pelo resto da vida. A exemplo de outros países, o Brasil deveria estabelecer critérios similares aos adotados na União Europeia.
Quanto se gasta no país com pensões e aposentadorias?
BACHA: Se somarmos pensões e aposentadorias, o país já gasta 11% do PIB. O padrão internacional gira em torno de 4,5% do PIB.

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