4 de julho de 2011

A Educação no Chile

enviado por Gregory Elacqua


Domingo, Maio 01, 2011



O exemplo do vizinho

MALU GASPAR
REVISTA VEJA

País que mais avançou no ensino na última década, o Chile é um caso
emblemático de como uma política duradoura, a salvo de trocas de poder,
é decisiva - uma lição para o Brasil

Trajando uniformes impecáveis, 350 alunos da escola pública Ciudad de
Frankfort, em Santiago, capital do Chile, perfilam-se diante da diretora
no fim do recreio para entoar o hino nacional. Seguem para a sala de
aula com notável entusiasmo. Não faz muito tempo. ali se amontoavam
carteiras quebradas, os telhados caíam aos pedaços e imperavam tanto a
indisciplina quanto o baixo nível acadêmico. Até a violência das gangues
que dominam as imediações se fazia sentir nos corredores, por onde uma
professora chegou a circular sob escolta policial depois de ser ameaçada
de morte por um aluno. Desde 2007 nas mãos da diretora Haydee Inostroza,
uma matemática de 52 anos com mestrado e MBA em gestão escolar, o
colégio passou por uma transformação radical - não sem traumas. O quadro
de professores foi alvo de uma faxina por meio da qual 70% saíram. e a
escola passou a ser regida por ambiciosas metas e prêmios atrelados ao
desempenho da equipe. No Chile, dividem-se as instituições de ensino em
ruins, emergentes e boas. Palco de avanços que espantam pela velocidade.
a Ciudad de Frankfort foi recém-alçada ao patamar mediano. Diz a
diretora, dando o tom de uma obsessão que se espraia pelo país: "Nosso
objetivo é estar entre os melhores nos próximos dez anos".

Na última década, ninguém avançou tanto em sala de aula quanto os
chilenos. Eles se destacam na comparação com estudantes de 65
nacionalidades. inclusive os brasileiros. segundo revela um recente
levantamento conduzido pela Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). Tamanho ímpeto distancia o Chile da
rabeira do ranking e do Brasil (reja o quadro na página 132 ) - um
conjunto de dados que suscita pergunta inevitável: temos o que
depreender do exemplo que se avizinha? Ainda que persistam alguns
obstáculos que tornam o desafio brasileiro mais complexo - a começar
pelo fato de o Chile contar com menos de um décimo da população do
Brasil e reunir menos escolas que todo o estado de São Paulo -. a
resposta é afirmativa, tais são a simplicidade dos princípios em que se
ampara o modelo chileno e as características que unem os dois países.
"Ao contrário de China e Coreia do Sul que empreenderam mudanças
radicais em ditaduras. Brasil e Chile são democracias e precisam de um
grau mínimo de consenso para ir em frente", observa Ilona Becskeházy, da
Fundação Lemann, uma estudiosa do caso chileno.

O mérito do Chile foi aplicar com disciplina e persistência iniciativas
de eficácia já testadas. com sucesso, em países desenvolvidos. Elas só
funcionaram porque permaneceram de pé ao longo de duas décadas
ininterruptas a salvo de trocas de poder, ideologias e ingerências
políticas que costumam provocar retrocessos na área. No início dos anos
1990. governantes de diversos matizes ideológicos selaram uma espécie de
pacto nacional, alçando a educação ao topo da agenda política, numa
época em que o país acabara de sepultar a ditadura do general Augusto
Pinochet. Com o ensino decadente e as escolas à míngua, procurava-se
recuperar a excelência de um sistema que já fora modelo para os
vizinhos. Para se ter uma ideia, entre as décadas de 20 e 50, o
prestígio do sistema de ensino ali era tal que os técnicos chilenos
rodavam vários países da América Latina treinando quadros ligados à
educação. Nesse tempo, celebrizaram-se os grandes mestres (ou
"maestros"). como os proeminentes poetas Gabriela Mistral e Pablo
Neruda, ambos ganhadores de prêmios Nobel de Literatura e educadores de
conduta exemplar. Essa deferência aos estudos é algo que começa a se
vislumbrar só agora no Brasil - um fato que ajuda a entender o atraso de
cerca de uma década dos brasileiros em relação aos chilenos.
O motor das mudanças chilenas se alicerça em uma premissa tão básica
quanto eficaz: a meritocracia. Tal ideia é levada no Chile às últimas
consequências - a ponto de gente como Maria Dolores Ormazabal, 57 anos
de vida e 28 no ofício de professora, ganhar 30% mais que seus pares por
se destacar no trabalho. Depois de mais de uma década de negociações com
os sindicatos, todos os docentes chilenos passaram a ser submetidos a
avaliações periódicas, que podem até sentenciar a demissão dos menos
eficientes. "Antes, a escola era pautada por relações pessoais; hoje, e
a competência que determina o destino dos profissionais", resume Maria
Dolores, que faz breve balanço da própria trajetória: "Tudo indicava que
estes anos próximos à aposentadoria seriam de marasmo, mas se tornaram
os melhores de minha carreira" Os diretores também passam por criteriosa
peneira. Um pré-requisito para que sejam contratados é a apresentação de
um plano de gestão para a escola que pleiteiam comandar, tal qual numa
empresa. Os mandatos, de cinco anos, só são renovados mediante bom
desempenho, o que os deixa em permanente estado de vigilância. "Durmo
com planilhas e relatórios debaixo do meu travesseiro", sintetiza
Celinda Galindo, diretora de uma escola em Maipú, na região
metropolitana de Santiago.
Outro traço marcante da reforma chilena é o pragmatismo com que se faz
uso do dinheiro público. O Chile elevou o quinhão destinado à educação -
de 2,5% para 6,4% do PIB desde 1990, enquanto o Brasil estacionou em 5%
-, mas só libera certas verbas em troca de resultados concretos,
mensuráveis. Um deles é elementar: o comparecimento dos alunos à sala de
aula. O segundo é que a escola siga em trajetória ascendente, segundo
indicadores objetivos, ano após ano. Os recursos têm sido canalizados
para o essencial. As escolas mantidas com orçamento oficial - algo na
casa de 95% das escolas do país contam hoje com turno de oito horas. É
uma das características que aproximam o Chile dos países mais ricos e
bem-sucedidos na educação.

Num contexto de estabilidade econômica e política e com a perspectiva de
ombrear-se, até 2020, com os indicadores socioeconômicos das nações mais
ricas, o Chile tem na educação um ingrediente crucial em seu modelo de
desenvolvimento. De duas décadas para cá, o contingente de
universitários que se preparam para entrar no mercado subiu
espantosamente: o número dobrou. Eles contribuem para que a exportação
de serviços que demandam alta qualifi-cação, concentrados na área de
tecnologia da informação (TI), já produza cifras semelhantes às da
tradicional indústria de vinhos. E nesse cenário que começa a surgir um
gênero específico de investidor estrangeiro, à caça dos cérebros
chilenos. "Entre os sete centros de pesquisa que o Yahoo! possui no
mundo, um está aqui, graças à grande oferta de talentos" explica o
diretor Mauricio Marín. Tal centro está instalado na Universidade do
Chile, a número 1 do país, próximo ao laboratório de outros gigantes do
mundo digital, como a americana Cisco. O bem-sucedido casamento selado
ali entre meio acadêmico e mercado tem redundado em mais inovação - e
patentes (veja o quadro na página 132).

Na 44ª colocação de uma lista de 65 países, o Chile tem. evidentemente,
um longo caminho a percorrer em direção ao topo do ranking da
excelência. O abrangente levantamento da OCDE, no entanto, dá várias
indicações de que o rumo para chegar lá está acertado. Um claro sinal
disso é que a diferença entre os alunos mais pobres e os mais ricos está
se reduzindo no Chile - caracteristica comum a todos os países de
elevado padrão acadêmico. Tais avanços se traduzem em uma colecão de
boas histórias, como a que conta o estudante Ignacio Gonzalez. de 14
anos. As lembranças mais vivas que traz do período escolar são de quando
ele e os colegas escalavam um muro no fundo do pátio, para escapar da
aula. Hoje. o rapaz diz: "Pela primeira vez na vida.. ir à escola passou
a ser um prazer".

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