25 de agosto de 2011 Educação e Ciências | Valor Econômico | BR Humberto Saccomandi Você quer saber o que está por trás da crise nos países do sul da Europa? Deixe de lado por um momento os dados de déficit e dívida públicos. Eles não contam toda a história e talvez nem mesmo a parte mais relevante - possivelmente são mais um sintoma que a causa dessa crise. Em vez disso, veja, por exemplo, a classificação desses países nos rankings internacionais de educação. Eles pintam um quadro sombrio, mais próximo da percepção dos mercados. A dívida da Itália não é muito maior hoje do que era dez anos atrás. Segundo o Eurostat, órgão de estatísticas da União Europeia, a dívida pública italiana fechou 2010 em 119% do PIB. É alta, mas já atingiu 113,7% em 1999, quando ninguém questionava a capacidade de pagamento do país. E é inferior à do Japão, que não está na mira dos mercados. A dívida pública da Espanha em 2010 ficou em 60,1% do PIB, bem abaixo da média de 85% dos 17 países que compõem a zona do euro. Então, por que a Espanha tem uma crise da dívida e a Bélgica, que deve quase 100% do PIB, não tem? Sul da Europa perdeu competitividade por não fazer lição de casa Será que é por causa do elevado déficit público? Também não. O déficit italiano ficou em 4,6% do PIB em 2010, abaixo da média de 6% da zona do euro. O governo italiano prevê reduzir o déficit este ano a 4% do PIB, muito abaixo dos 9% dos EUA. A Espanha teve realmente um déficit elevado em 2010, 9,2%, um dos maiores da Europa. Mas é natural que o déficit cresça numa recessão, e o governo espanhol vem se esforçando para reduzi-lo para 6% este ano. O país foi ainda o mais virtuoso fiscalmente antes da crise, tendo acumulado três anos seguidos de superávit. Por que, então, os mercados duvidam desses países? Porque, por trás do problema conjuntural da dívida e do déficit, está um problema mais grave, estrutural, que diz respeito à capacidade desses países de competir, de manter as suas economia crescendo. E, obviamente, sem crescimento, fica bem mais difícil reduzir o déficit e quase impossível reduzir a dívida. Como podemos verificar essa capacidade de crescimento? Um dos indicadores úteis é a qualidade da mão de obra de um país. Essa qualidade vai se traduzir em inovação, em redução de custos de produção e em melhora na competitividade? Os cinco países mais afetados pela crise financeira na Europa - Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália (conhecidos pelo acrônimo Piigs, em inglês) - ocupam as piores posições entre os países ricos nos rankings de aprendizado de ciências e matemática do Pisa, o programa da OCDE que avalia estudantes do ensino médio de dezenas de países do mundo. O ranking de matemática do Pisa (considerando-se apenas países) é liderado por Cingapura, que obteve 562 pontos. O país europeu mais bem classificado é a Finlândia, com 541 pontos. Irlanda, Portugal, Itália, Espanha e Grécia (nessa ordem) ocupam as cinco piores colocações entre os países desenvolvidos. A Grécia somou apenas 466 pontos. O ranking de ciências é liderado pela Finlândia, com 554 pontos. A Irlanda não se sai tão mal, mas os demais Piigs novamente ocupam as piores colocações entre os países ricos. Isso não é coincidência. Esses dois rankings são liderados por países asiáticos e do norte da Europa, além de Canadá, Nova Zelândia e Austrália. É dessas regiões (e dos EUA, que têm as melhores universidades do mundo) que virão as principais inovações tecnológicas nas próximas décadas. Esses são os países que conseguirão ser ao mesmo tempo ricos (isto é, caros) e competitivos nos setores de maior valor agregado. Outra medida da capacidade de inovação é o número de patentes solicitadas. Ponderado em relação ao número de habitantes, adivinhe quais são os cinco últimos colocados entre os países da Europa Ocidental em 2010? Sim, são eles, os Piigs. A solicitação de patentes é uma medida relacionada ao gasto de um país com pesquisa e desenvolvimento. Bem, a essa altura não será difícil adivinhar quais são os cinco países da Europa Ocidental que menos investem em P&D. São sempre os mesmos, segundo os dados mais recentes da OCDE, de 2007. Essa falta de competitividade já pode ser aferida na balança de pagamentos desses países, que é a medida mais ampla das relações comerciais e financeiras com o mundo. Os países de ponta da Europa tiveram superávit em 2010. A Alemanha acumulou monstruosos EUR 141 bilhões. Bélgica, Dinamarca, Holanda, Suécia, Áustria, Finlândia também tiveram saldo positivo. Na zona do euro, Itália e Espanha tiveram os maiores déficits nominais na balança de pagamentos (EUR50,9 bilhões e EUR 48,4 bilhões). Como proporção do PIB, Grécia e Portugal tiveram o desempenho pior. Esses países são familiares? Dito de modo mais direto, a Grécia não conseguirá se manter entre os países ricos exportando azeitonas e azeite. Portugal não conseguirá manter seu elevado padrão de vida atual (comparado ao resto do mundo) exportando cortiça, vinho e têxteis. Espanha, Irlanda e Itália, em graus diferentes e com peculiaridades locais, têm problema similar. Em entrevista ao Valor, em junho, o premiê da Suécia, Fredrik Reinfeldt, culpou os países do sul da Europa pela crise que estão vivendo. "Eles não fizeram o dever de casa", afirmou. Ele não se referia apenas a manter as finanças públicas em ordem, mas principalmente à tarefa de preparar esses países para a feroz competição global, por meio de educação de qualidade, investimentos em pesquisa e inovação e reformas com o objetivo de melhorar o ambiente para os negócios. Infelizmente para os Piigs, essas transformações não se conseguem de um ano para o outro. Os mercados sabem disso e perceberam que esses países entraram numa espiral de perda de competitividade e relativo empobrecimento. Cortar o déficit pode parecer simpático aos mercados, mas agravará os problemas estruturais, já que parte da redução de gastos será obtida justamente por cortes em educação e pesquisa. Por que esses problemas de competitividade se tornaram mais evidentes agora? Por causa da globalização, que expôs a Europa a uma competição cada vez mais dura com o mundo emergente, e por causa do euro, que impede os países-membros de ganhar competitividade por meio da desvalorização da moeda. Nos últimos três anos, os governos compraram tempo, mantendo déficits e acumulando dívida. Agora o mercado está separando quem fez a lição de casa de quem não fez. Humberto Saccomandi é editor de Internacional. Escreve mensalmente às quintas-feiras |
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