Vejo a consternação em torno da morte de Steve Jobs e tento senti-la, compartilhá-la, ser como os outros, mas não consigo. Claro que lamento seu sofrimento, como o de qualquer pessoa que enfrente uma doença grave com dignidade, entre tantos casos, inclusive próximos de mim, que presenciei. Não sou um alienado. E é com respeito ao sofrimento alheio que dou os meus pêsames a esta gigantesca comunidade universal que chora sua partida como a de um Gandhi, ou mesmo de um Cristo.
Fiz minha parte. Comprei produtos idealizados por ele. Tenho iPod (o clássico, antigão, pesado, ainda com a rodinha para girar as listagens, a rodinha que hoje já começa a virar >ita
Sempre admirei o design clean, o jeitão minimal, dos computadores maiores da linha Mac, embora não tenha jamais me entendido muito com eles, em parte por culpa do Bill Gates, mas também porque demoraram muito para ter teclados configurados decentemente e assistência técnica razoável. Um dia, quem sabe, eu volte a eles.
Mas não consigo, por mais que me esforce, sofrer a perda de Steve Jobs como se fosse a de um parente, de um ídolo, de um Lennon, de um profeta, de um gênio. O que é um gênio, afinal? Vejo escrito nos jornais que "entre os gênios da tecnologia" Steve Jobs se destacou por isso e aquilo. Quantos "gênios da tecnologia" existem? Quantos gênios, ponto, existem? No meu tempo, e não sou tão velho, gênios nasciam um por século. Por década ainda vá lá. Mas um gênio por ano, por mês, por semana? Vários gênios convivendo na contemporaneidade? Não tem algo errado aí?
Sim, vivemos uma revolução, que depende das pessoas que criam soluções (como foi o caso de Jobs), mas que independe, ao mesmo tempo, delas: essas figuras eleitas próceres da criação são mais os meios orgânicos da corrente do que seus idealizadores. A revolução é coletiva, vem das bases, das necessidades humanas que fazem mover a sociedade, para o bem e o mal. As soluções que Jobs criou seriam implementadas de uma forma ou de outra, por ele ou por alguém diferente, mais cedo, mais tarde, sem diferença fundamental numa visão "fora" do foco e do contexto no qual já nos inserimos.
Jobs não "inventou o futuro" coisa nenhuma. O futuro teria vez sem ele. A perda de Jobs é a perda de um pensador, um formulador brilhante. É a perda de um exemplo de determinação, de um visionário, de um exemplo de como pensar o consumo pondo-se no lugar de quem consome e tendo em conta suas aspirações, influenciando seu comportamento e acelerando os ganhos em escala das novas tecnologias no que toca à dinâmica social.
Mas, fundamentalmente, o que fez Steve Jobs, que me tocaria mais fundo, que me faria chorar a sua perda? Foi um empresário. Um homem que potencializou um business. Que recorreu aos mesmos mecanismos de concorrência, alguns sórdidos, aos quais outros monstros da indústria tecnológica recorreram: bloqueou acessos, fez acordos de exclusividade com operadoras, brecou o download de aplicativos que confrontassem seus interesses. Criou, com a linha de iPhones, um frisson de consumismo galopante que tem muitos paralelos com o que Bill Gates implementou com seu Windows, fazendo dos usuários reféns das próximas versões em cascata.
No caso de Jobs, haveria um agravante: seus súditos não apenas necessitam da próxima versão, mas veem nela um sentido maior, estético, sobrenatural. Fazem filas de semanas para serem os primeiros a obter o seu retângulo mágico, como se ali estivesse a chave de algum conhecimento que fosse além da própria informação que circula na rede, ou dos dados armazenados ali, ou dos softwares baixados.
É como se cada um daqueles retângulos fosse uma hóstia de silício (ou material que o valha), um pedaço do corpo de Jobs, antes ainda vivo, agora transfigurado em espírito. Entre meus amigos e amigas, vejo o medo do que vem por aí, como se essa substância divina fosse escassear com a falta de Jobs entre nós, embora eu tenha lido que ele já deixou tudo preparado para eternizar sua filosofia, esta filosofia que tenho tanta dificuldade de apreender como algo tão nobre e altissonante quanto dizem.
Mas creio que agora, ao contrário, ele (eu deveria escrever em maiúscula?) se converterá num deus-marketing ainda mais forte. Por seus circuitos correrá, agora, o ectoplasma de seu poder, a energia de seu gênio. Espero só que isto não influencie, decisivamente, o preço.
A morte de Jobs me fez pensar num contemporâneo seu, o finlandês Linus Torvalds, o criador do Linux: ninguém fala dos valores que poderiam ter sido implementados a partir de sua criação, de caráter bem mais ético e bem menos comercial. Estaríamos num mundo melhor, mais barato e mais plural se as ideias de Linux também tivessem vingado.
Estes artigos que tentam alertar os demais mortais para os limites do "endeusamento" de um idolo sao, eles tambem, produtos daquilo que eles querem criticar. Tambem sao oportunistas. Aproveitam a comocao do momento para publicar suas ideias supostamente originais. Nao sao. O que ha de mal em reconhecer, durante alguns dias, o brilhantismo de um Jobs? Daqui a pouco, ninguem mais fala dele com a mesma frequencia e emocao. Nao ha tantos genios e inventores brilhantes como Bloch sugere. Jobs tem recebido as homenagens que alguem do porte dele recebe em uma sociedade midiatizada. Ponto.
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