No trajeto desde a velha pobreza, a nova classe média brasileira cresce 15 pontos mais no campo |
As análises macroeconômicas são agregadas, na própria definição do campo de estudo da disciplina fundada por Keynes em meio à Grande Depressão dos anos 1930. Isto é, olha-se para o conjunto de pessoas numa dada sociedade, não importando a respectiva região de moradia, de estrato econômico, de composição de fontes de renda ou de outros atributos individuais. Tudo se passa como se tratássemos de um agente representativo hermafrodita, de meia-idade, classe média e possivelmente de Minas Gerais, que é uma boa média nacional.
Em várias situações a ficção macroeconômica se mostra adequada para não nos perdemos nos detalhes, mas em outras o Diabo mora nos detalhes omitidos. A renda cresceu mais nas pobres áreas rurais do que nas cidades pequenas, médias ou grandes. Discutimos aqui o trajeto entre a velha pobreza e a nova classe média do campo, seus avanços e percalços, baseado em projeto que fizemos para o Instituto Inter-Americano para Cooperação da Agricultura (Iica).
De 2003 a 2009, houve forte descolamento do crescimento da renda da Pnad rural e o PIB per capita. No âmbito da Pnad rural vis-à-vis o PIB, a diferença dobra para 25,4 pontos percentuais. No PIB da agropecuária, a diferença é mais expressiva, de 36 pontos percentuais. Isso parece menos associado ao crescimento do agronegócio e mais à expansão de transferências públicas no campo (aposentadoria rural, BPC, Bolsa Família etc.).
Em 2009, o índice de desigualdade Gini era de 0,489 na área rural, 10,3% inferior ao do conjunto do país. A queda do índice Gini de 2003 a 2009 foi de 8,3%, ante 6,5% na totalidade do país.
No ganho acumulado de renda por décimos da população rural entre 2003 e 2009, apenas nos 20% mais pobres o rural perde (por pouco) do resto do país, dominando nos demais segmentos. Os maiores crescimentos relativos foram observados no meio da distribuição, com crescimento acumulado de 61,1%.
Como consequência, a nova classe média atingia 20,6% da população rural em 2003 e concentra 35,4% em 2009 (segundo nossas projeções, chegará à metade da população em 2014). O crescimento acumulado de 71,8%, desde 2003 a 2009, equivale a 3,7 milhões de brasileiros do campo passando a integrar a classe C (9,1 milhões de pessoas em 2009). A proporção de pessoas nesse grupo na área rural equivalia a 55% daquela verificada para a totalidade no país em 2003, chegando a 70% em 2009.
Usamos controles para que possamos comparar populações com características similares (tais como sexo, escolaridade etc.) de forma a isolar o papel do binômio campo-cidade. É importante deixar claro que a queda acumulada e absoluta de pobreza foi semelhante comparando os seis anos entre 2003 e 2009 e os 11 anos compreendidos entre 1992 e 2003, sendo a chance de pobreza 63% mais baixa em 2009 vis-à-vis a 1992.
A queda da chance relativa da pobreza no campo vis-à-vis as metrópoles foi maior no primeiro período (47%, que inclui o período de crise metropolitana) do que no segundo período, quando atingiu 3%. O período depois de 1992, quando os benefícios da então nova Constituição começaram a ser distribuídos na área rural, foi mais pró-campo, enquanto o período depois de 2003 beneficiou mais os pobres em geral, rurais e urbanos.
Alguns autores definem classe média como aqueles com um plano bem definido de ascensão social. Usamos índices globais do Gallup World Poll que cobrem mais de 132 países. Recordista mundial de felicidade futura de 2006 em relação a 2011, superando a Dinamarca, líder mundial de felicidade presente e sexta no ranking de felicidade futura.
Na área rural, a felicidade futura do Brasil para 2011 era 8,6, ante 8,53 dos dinamarqueses do campo. O Brasil rural é o terceiro colocado no ranking liderado pela Colômbia. E o pódio lanterninha é formado pelo africano Zimbábue e, curiosamente, seguido pelo Paraguai e pelo Equador. Ou seja, países de renda média da América do Sul ocupam os extremos do ranking mundial de felicidade futura rural.
MARCELO NERI, 48, é economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da EPGE, na Fundação Getulio Vargas.
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