21 de novembro de 2011

Urbanismo pacificador



EDITORIAIS, Folha de São Paulo

Para integrar favelas às cidades, é preciso que urbanização, saneamento básico e prestação de serviços sejam levados a sério




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Não é apenas o poderio armado do tráfico, cujo domínio territorial vai aos poucos sendo vencido no Rio de Janeiro, que se interpõe entre os moradores das favelas e a presença do Estado.
Obstáculos urbanísticos e arquitetônicos -como a estreiteza e a precariedade das ruas, que não podem ser trafegadas por ônibus, caminhões de lixo, ambulâncias ou carros de polícia- continuarão a impedir a oferta de serviços públicos se não forem removidos.
A Rocinha, ocupada pelas forças de segurança fluminenses há uma semana, é, também quanto a isso, um caso exemplar. As condições de suas vielas, muitas com não mais do que um metro de largura, impedem que casas recebam iluminação e circulação de ar adequadas. A incidência de tuberculose na favela, com 300 casos por 100 mil habitantes, é mais de sete vezes superior à média nacional.
O problema é nacional. Em São Paulo, pesquisadores relacionam a insegurança nos bairros de periferia ao isolamento provocado por uma estrutura viária que se constitui, em geral, de uma única avenida à qual se conectam pequenas ruas sem ligação entre si.
Não faltam projetos para reorganizar os fluxos de pessoas e veículos nesses bairros, aproximando-os do restante da cidade. O que falta é iniciativa das autoridades, mesmo quando as propostas de intervenção se mostram simples e relativamente baratas.
No caso da Rocinha, há um projeto de plano diretor, escolhido por concurso público promovido pelo Estado do Rio, em 2005. Ele prevê o alargamento e a conexão de
ruas já existentes e a construção de planos inclinados para facilitar o deslocamento de pedestres.
Prevalece entretanto a velha mentalidade do investimento em obra vistosa, supostamente capaz de gerar dividendos políticos.
Apesar da oposição de arquitetos e urbanistas conceituados, o governo fluminense, com apoio da presidente Dilma Rousseff, anuncia como prioritária a construção de um teleférico, nos moldes do que já foi instalado no Complexo do Alemão.
O projeto parece atender, sobretudo, aos interesses políticos e pecuniários de governantes e de empreiteiras contratadas para realizá-lo. Especialistas afirmam que o equipamento pouco contribuirá para melhorar o policiamento da favela, o transporte de lixo ou o acesso, em emergências, de médicos e bombeiros ao local.
Antes de erguer teleféricos com o selo propagandístico do PAC, os escassos recursos do Estado deveriam ser empregados em obras que resultassem na melhoria da saúde e da qualidade de vida da população desses bairros, que se vê condenada a conviver com áreas de risco, esgoto a céu aberto, sujeira e educação precária.
Se a ideia é modificar a realidade das favelas, integrando-as à vida das cidades, é preciso que a urbanização, o saneamento e a prestação de serviços sejam levados a sério, e não transformados em plataforma para a demagogia.

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