3 de dezembro de 2011

A educação no Brasil: De zero a dez


03 de dezembro de 2011 Unesco | Revista Carta Capital 

EDUCAÇÃO | O Brasil continua a fracassar, apesar dos claros avanços nas últimas duas décadas. Mas ainda é possível erguer um sistema público universal e de qualidade
POR CYNARA MENEZES
EMBORA OS avanços sejam inegáveis nas últimas duas décadas, a educação brasileira continua a exibir indicadores pavorosos. Um levantamento do Unicef divulgado na quarta-feira 30 revela um dos graves problemas: um quinto dos jovens entre15 e17 anos está fora da escola. Entre quem tem de 6 a 14 anos, o porcentual é de apenas 3%.
Os maiores problemas estão no setor público, ainda que o ensino privado muitas vezes não passe de uma miragem: paga-se caro por uma educação medíocre, abaixo da média da maioria das nações, mesmo aquelas de renda semelhante à do Brasil. Quase quatro décadas de abandono do ensino público criaram nos cidadãos uma ojeriza ao sistema.
Uma pesquisa feita neste ano pelo instituto DataPopular, especializado nos hábitos de consumo das classes C, D e E, revela que 89% da chamada "nova classe média" considera a educação a melhor estratégia para a ascensão social. Para 66%, a prioridade é a educação dos filhos. Para 57% deles, a escola pública tem piorado em termos de qualidade.
Os números oficiais do Ministério da Educação confirmam a rejeição crescente ao ensino público captada na pesquisa. Nos últimos três anos, a rede pública perdeu 2,6 milhões de matrículas, enquanto a privada ganhou l,2 milhão. De 2007 a 2010, os estabelecimentos particulares de ensino cresceram 18% e o sistema público encolheu 6% no mesmo período, do ensino fundamental ao ensino médio.
A sensação, para a maior parte das famílias, é de que seria impossível recuperar as escolas financiadas pelo Estado e instituir, a exemplo da maioria esmagadora dos outros países, um sistema público abrangente, predominante e de qualidade como já existiu antes da ditadura. Na São Paulo dos anos 1940, por exemplo, o ensino privado era a alternativa de quem, por qualquer motivo, não conseguia uma vaga em uma escola estatal, então consideradas de melhor qualidade. Preferem pagar o mais alto imposto cobrado no País (colocar um filho em um estabelecimento considerado de bom nível em uma cidade como São Paulo não sai por menos de 1,5 mil reais por mês).
Em troca, acham justa a perpetuação de outra desigualdade: geralmente, são os alunos da rede privada que abocanham as melhores vagas nas universidades gratuitas. Os que passam pelo ensino público, se e quando chegam lá, veem-se obrigados a frequentar faculdades pagas e em boa medida de qualidade duvidosa, para dizer o mínimo. Embora divirjam sobre modelos e fontes de financiamento, especialistas consultados por CartaCapital acreditam ser ainda possível mudar completamente a estrutura do ensino básico e consideram que o preconceito em relação à escola pública não reflete a realidade completa dos fatos.
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A classe C também não vê o ensino público com bons olhos. Em três anos, a rede estatal perdeu 2,6 milhões de matrículas
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Se é verdade que os alunos da rede privada obtêm um aprendizado 66,7% em média superior aos estudantes das públicas, também é certo ser imprudente generalizar. Existem muitas escolas públicas com desempenho melhor que as particulares, a depender do bairro, município ou estado da Federação. Não à toa, o preconceito em relação à rede pública é mais visível nas regiões metropolitanas do que nas cidades menores, onde é comum o filho do prefeito conviver com o filho do faxineiro na mesma escola.
Até por isso, onde há maior rejeição ao ensino público é justamente onde ele tem as piores notas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que desde 2007 distribui notas de 0 a10 às escolas do País: nas periferias das grandes cidades e em rincões do Norte e Nordeste. Ainda assim, o dado é relativo. Enquanto Alagoas e Maranhão são considerados um desastre, com péssimos indicadores, há dois estados nordestinos hoje em condições de exportar modelos para outros.
O Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), do Ceará, considerado a melhor experiência do Brasil em termos de alfabetização, começou a ser replicado na Bahia, que no último Ideb teve 396 de seus 417 municípios com média abaixo da nacional. E o programa de educação integral para jovens de Pernambuco foi copiado por São Paulo. Em agosto, o secretário de Educação paulista, Herman Voorwald, acompanhado de uma comitiva de empresários, foi conhecer pessoalmente a experiência pernambucana.
Também é necessário distinguir o ensino fundamental, da la à 8a série, do ensino médio, como se vê pelos dados do Unicef. A discrepância é maior entre as avaliações da escola pública em relação à particular no ensino médio: os alunos da rede privada que fizer amo Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) no ano passado tiveram médias 19% maiores que aqueles da rede pública nas provas objetivas, mas a distância diminuiu de 2009 para 2010. Ainda assim, nas públicas há uma elite com desempenho próximo ao das particulares.
Para se ter uma ideia de como as experiências no setor público variam, São Paulo fraqueja no ensino médio, mas foi o estado de melhor desempenho no último Ideb, divulgado em julho passado: 95% das 645 cidades paulistas tiveram notas maiores que 4,6, a média do País, com destaque para o município de Cajuru, que registrou o maior índice, com nota 8,6, comparável aos países desenvolvidos. A melhor escola pública brasileira de 1 a 4 série fica em Cajuru, com 23 mil habitantes e localizada a 305 quilômetros da capital: a Aparecida Elias Draibe. Já Minas Gerais, que teve o maior número de cidades acima da média, possui também a pior escola pública: a Jovem Protagonista, de Belo Horizonte.
"O que as pessoas não levam em consideração é que às vezes uma escola particular precária é pior do que uma escola pública. Nas grandes cidades, acabou virando um símbolo de status colocar os filhos na escola privada", pondera Maria Alice Setubal, presidente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), entidade da sociedade civil dedicada à educação no País desde 1987.
Maria Alice, responsável pelo projeto educacional de Marina Silva em 2010, recusa-se a definir a educação pública brasileira como um desastre: "Há escolas boas e ruins, o sistema público não é ruim como um todo, ou seja, a média ainda é baixa, mas existem escolas boas. O que não temos incorporado é a ideia de que todos têm o direito a uma educação de qualidade, pobres e ricos. Com isso, a desigualdade ainda é enorme". Segundo ela, falta vontade política de priorizar a educação. "Infelizmente, em nosso país, a percepção de que educação é algo importante é recente."
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Das oito primeiras colocadas no Ideb, sete são escolas federais e uma estadual
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Para o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que construiu sua carreira política associada ao tema, há uma razão para a piora do ensino estatal."A escola pública era boa enquanto era para os poucos filhos da elite. Quando a classe rural migrou para as grandes cidades, a elite abandonou a escola pública e o governo então passou a transferir mais recursos às universidades, também ocupadas pela elite."Buarque não crê, porém, que o sucateamento do sistema gerido pelo Estado tenha sido uma opção deliberada da ditadura em favor dos empresários do setor: "Acho que a questão é mais social do que política, os militares não eram tão organizados assim".
O senador acaba de lançar um novo livro no qual defende a federalização total do sistema público até 2030. Segundo a proposta, o repasse do comando à União daria-se ao ritmo de250 cidades por ano, a partir dos municípios com os melhores resultados educacionais ao longo da história. "Das 300 melhores escolas do País de 1 a 4 série, a maioria é federal. Depois é que vêm as particulares. O salário é melhor, as instituições são melhores", argumenta o senador, para quem o preconceito com a escola pública existe pelo simples fato de ela "ainda ser ruim" de um modo geral.
O pedetista conta a história da empregada de seu irmão, no Recife, que pediu aumento antes da hora. "Ele perguntou: 'Para quê?' E ela respondeu: 'Porque a diretora disse que meu filho é muito bom para a escola pública'. No dia que a escola pública for de fato boa, esse preconceito pode até durar mais algum tempo, mas logo acaba.
De fato, das oito primeiras escolas no ranking do Ideb, apenas uma não é federal: a estadual Oscar Batista, no município de Cambuci(RJ), terceira colocada. O Colégio Pedro II, tradicional na capital fluminense, ocupou a segunda posição no ranking. Entre os dez primeiros, seis são escolas militares: de Santa Maria (RS), Salvador (BA), Campo Grande (MS), Fortaleza (CE) e Curitiba (PR) e a do Corpo de Bombeiros do Ceará (também em Fortaleza), nesta ordem. A escola de aplicação Professor Chaves, situada em Nazaré da Mata, no interior de Pernambuco, ficou em 10°1ugar.
Buarque, porém, parece falar sozinho a favor da federalização do ensino. Os demais especialistas preferem apostar em uma maior interação entre as esferas federal, estadual e municipal. O sucesso do programa cearense de alfabetização, por exemplo, só foi conseguido graças à interlocução entre o estado e as prefeituras dos municípios, dos mais diferentes partidos. Um aspecto considerado fundamental para que a escola pública melhore é que os bons programas não sejam abandonados quando mudam os governos.
Outra unanimidade é a necessidade de melhora no salário dos professores e sua formação continuada, para ajustá-los, às questões contemporâneas. Apesar de o piso nacional dos professores ter sido fixado em 1.527 reais, 16 estados não o cumprem, sob a alegação de falta de recursos. Ao mesmo tempo, não conseguem provar ao ministério a falta de dinheiro para pagá-los, que lhes permitiria receber uma complementação federal. O ideal seria que o professor recebesse um salário que lhe proporcionasse trabalhar em uma só escola as 40 horas semanais, comum terço do horário dedicado à preparação das aulas e à própria formação.
O treinamento continuado dos professores, outro item importante, é prejudicado pela não liberação do docente para os cursos oferecidos. Na escola pública ideal não existe o professor apelidado de "fichinha" por andar com uma ficha a tiracolo com todas as informações que julgava imprescindíveis à sua aula e no primeiro dia já chegava com o planejamento para o ano inteiro. "Hoje, um bom professor é aquele que, antes de planejar o ano letivo, primeiro conhece seus alunos", afirma Pilar Lacerda, secretária de Educação Básica do Ministério da Educação. "Muitos dos erros que ainda ocorrem são resultado desse planejamento às escuras."
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O governo promete aumentar o gasto anual de perto de 5% do PIB para 7% ou mais
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Um estudo divulgado em setembro pela Unesco sobre o perfil do docente no País mostra que houve uma série de avanços nos últimos anos nas políticas públicas para a formação continuada dos professores. Algumas das críticas dizem respeito à falta de clareza na interação entre as esferas federal, estadual e municipal. Elogia-se, porém, a movimentação, em estados e municípios, para a criação de um plano de carreira para o professor, de extrema importância para valorizar socialmente a profissão e torná-la mais atrativa. Uma pesquisa recente da revista Forbes aponta o professor como uma das dez profissões mais felizes nos Estados Unidos. Não se pode dizer o mesmo dos docentes brasileiros.
O ministro da Educação, Fernando Haddad, promete ampliar os gastos em educação pública para entre 7% e 10% do PIB no ano que vem. A educação integral também estaria garantida em 60 mil escolas até 2014. É uma meta ambiciosa, talvez até demais. Os investimentos atuais são de cerca de 5% do PIB. Ao mesmo tempo, o Brasil tem um gasto com o ensino privado na média dos números mundiais. Em2009, o porcentual foi de 1,3%. O índice foi semelhante ao da Rússia, maior do que o da Alemanha (0,7%) e metade daquele dos EUA (2,6%). Alcançar a meta de Haddad já seria difícil se o País mantivesse o crescimento acima de 5% dos últimos anos, imagine com a perspectiva de expansão reduzida para a casa dos 3% por conta do aprofundamento da crise financeira internacional.
A maioria das histórias edificantes do sistema público tem como personagem central um diretor empenhado. No Distrito Federal, destaca-se, por exemplo, o Centro de Ensino Fundamental de Arapoanga, um dos bairros mais violentos da capital do País, porta de entrada para o tráfico de crack.
Nos últimos dez anos, o diretor Jordenes Ferreira da Silva conseguiu transformar a escola em oásis em um entorno de pobreza e desolação. O segredo? Em primeiro lugar, aproximar a comunidade da escola - outra condição fundamental para que a educação pública dê certo. Os moradores em mutirão reformaram o prédio, causando nos estudantes a sensação de que era preciso cuidar do lugar que seus pais consertaram. Para elevar a autoestima dos alunos, Silva mandou instalar espelhos nos corredores. "O adolescente vive em busca de uma imagem. Ao se ver no espelho, não critica o outro", teoriza o educador.
Convencido do próprio slogan que "o bairro pode ser cinza, mas a escola tem de brilhar", o diretor conseguiu de uma empresa, com apoio da Embaixada do Japão, uma lousa inteligente, e do MEC, 30 computadores para criar sua sala especial. A rede Wi-Fi é aberta a toda a comunidade, inclusive durante os fins de semana. Os professores ganham acima do piso: 3,9 mil reais. Silva criou ainda um evento literário, o Café com Letras. Uma vez por mês, a biblioteca móvel vem à escola emprestar livros. "Quem poderia imaginar que numa comunidade onde as pessoas andam armadas se emprestariam livros?", pergunta o diretor, orgulhoso.
Nas paredes, pôsteres com os melhores estudantes de cada turma são exibidos a cada semestre. Nas salas, silêncio e atenção. Nos corredores, quatro ex-alunos passam apenas para cumprimentar os professores. Um pretende ser engenheiro, o outro, advogado. "Ainda teremos um governador que estudou nesta escola. E ele será justo e bom, porque conhecerá as dificuldades", profetiza Silva.
A boa escola pública emociona e planta na cabeça a dúvida: se a classe média voltasse a usar o sistema público, não poderia ajudar a melhorá-lo?"Sim", defende Pilar Lacerda. "Está provado que quem tem maior escolaridade interfere mais na escola do filho do que quem não tem. Além disso, pode parecer utópico, mas a escola pública deveria ser um espaço de convivência entre os diferentes. Infelizmente, no Brasil, virou espaço reservado aos pobres.
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A escola ideal
Para que a educação pública no Brasil melhore é preciso:
Aumentar os gastos com educação para entre 7% e 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Atualmente, é menor que 5%. O governo federal prometeu, a ampliação para 2012
Mudar currículo, metodologia e equipamentos. Especialistas falam da importância da informática em sala de aula e aplaudem a utilização dos tablets, mas dizem que não adiantam nada se o currículo e o método de ensino defasados não forem atualizados
Criar um plano de carreira e dar formação continuada para o professor. Os salários devem ser competitivos para atrair bons profissionais, valorizá-los e motivá-los. Além disso, é preciso investir na atualização constante do professor
Os diretores, peça fundamental na mudança, também seriam concursados e não nomeados por indicação política. Devem estar mais envolvidos pedagogicamente com a escola do que administrativamente, com a burocracia, como é hoje
Mesmo quem não é a favor da federalização do ensino defende que haja uma articulação maior entre as esferas federal estadual e municipal para que os programas não sejam descontinuados quando muda o governante
Horário integral As escolas do País (tanto públicas quanto privadas) passariam a funcionar durante pelo menos seis horas por dia, das 8 às14h ou das 9 às15h
Escola com portas abertas à comunidade, com atividades que possibilitem o funcionamento inclusive nos finais de semana, aproximando a família da escola
Veja também (agrupamento):

Um comentário:

  1. Vou tentar me deter apenas neste parágrafo:
    1- quando abordamos a temática educação sempre entendemos como "investimento"...
    2 - a área tecnológica é importante, no entanto entendemos que incluir disciplinas tipo política, exercício da cidadania para que possam colaborar com a quebra de paradigmas nas escolar seria salutar;
    3 - será que conseguiremos extrair da comunidade educativa uma hierarquia de valores? Onde o SER humano é mais que a concorrência, a competição, passando por cima de tudo para atingir as metas medíocres que se alastram entre os jovens?
    Atenciosamente, Marta Aragão (martaragao@gmail.com)

    "Para que a educação pública no Brasil melhore é preciso:
    Aumentar os gastos com educação para entre 7% e 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Atualmente, é menor que 5%. O governo federal prometeu, a ampliação para 2012. Mudar currículo, metodologia e equipamentos. Especialistas falam da importância da informática em sala de aula e aplaudem a utilização dos tablets, mas dizem que não adiantam nada se o currículo e o método de ensino defasados não forem atualizados.

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