4 de dezembro de 2011

Lisa Randall: "Ser invisível não significa não existir"


04 de dezembro de 2011
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Em seu novo livro, a física americana fala da existência de dimensões que não vemos, dos limites da física e de sua esperança no futuro da ciência
Ela é bela e brilhante. a inteligência de Lisa Randall se destaca já no início de sua entrevista a ÉPOCA. A física teórica da Universidade Harvard não aguarda o final da pergunta de nenhuma pergunta para adivinhar seu conteúdo. Com voz seca e língua afiada, interrompeu várias vezes a conversa ao telefone. Ela fala rápido, com uma lógica intimidadora por trás de cada resposta. A facilidade com que elabora ideias complexas esconde uma nova-iorquina de 49 anos incapaz de decorar o telefone da própria casa (durante a entrevista, enviou um e-mail ao marido para saber o número). Lisa é uma nerd típica da série de TV The Big Bang theory. Questionada se participaria um dia da série de TV, revelou que já tinha feito uma ponta.

ÉPOCA Se a senhora fosse convidada, aceitaria participar de um episódio da comédia de TV a cabo The Big Bang theory?
Lisa Randall Eu participei da Big Bang theory.
ÉPOCA Mesmo? Como assim? Assisti a todos os episódios das quatro temporadas e nunca a vi?
Randall É porque não tenho nenhuma fala, e meu nome não consta nos créditos. Foi em 2010, na terceira temporada, no episódio em que (o personagem) Leonard é convidado a visitar o Grande Colisor de Hadróns (LHC), o acelerador de partículas na Suíça. Apareço logo no início do episódio, na cena do refeitório. Estou sentada ao fundo, almoçando. Meu rosto aparece várias vezes em segundo plano, atrás dos personagens Leonard e Raj.
ÉPOCA Um estudo mostra que o sucesso de The Big Bang theory, que desmitifica a figura do cientista sério e sisudo, mostrando os pesquisadores como nerds inteligentes e engraçados, começa a atrair mais jovens americanos para as carreiras científicas.
Randall O aumento do número de candidatos a carreiras científicas nos Estados Unidos é um fato novo e importante, que inverte uma tendência de queda de mais de 30 anos. A perda de interesse dos jovens pelas ciências exatas e pela engenharia é um fenômeno iniciado nos anos 1980. Desde então, quantos jovens brilhantes não devem ter preferido dedicar sua inteligência ao mercado financeiro? Com a recessão, ficou bem mais difícil se tornar milionário em Wall Street. É ótimo saber que os jovens americanos voltam a se interessar pela ciência. Na China e na Coreia do Sul, o número de pesquisadores multiplicou várias vezes nestas três décadas. Seria por acaso que a Ásia se tornou a locomotiva econômica do mundo? Espero que os jovens brasileiros estejam se espelhando no exemplo asiático, e não nos americanos das últimas gerações.
ÉPOCA Um objetivo de seu livro Knocking on heavens door(Batendo às portas do paraíso, inédito no Brasil) é esclarecer aos leigos como funciona o método científico. Como é seu trabalho?
Randall Sou uma física teórica. Estudo as partículas subatômicas, os tijolos básicos da matéria. Procuro elaborar teorias que expliquem como essas partículas se comportam em condições extremas, que só existem nos buracos negros ou existiram no Big Bang, a explosão que criou o Universo há 13,7 bilhões de anos. Na minha visão, o Universo não se restringe às quatro dimensões (as três dimensões espaciais e o tempo). O Universo existe num espaço com múltiplas dimensões. Se a maioria delas é invisível a nossos olhos, não quer dizer que não existam. É como os vírus. Não os vemos, mas sabemos que existem. Para saber se as ideias dos físicos teóricos estão corretas, os físicos experimentais imaginam experiências para testá-las, provando-as ou descartando-as. Minhas teorias são testadas no acelerador de partículas LHC, a mais complexa máquina projetada pelo homem. O LHC fica num túnel com 27 quilômetros de circunferência. Em seu interior, as partículas são aceleradas até atingir velocidades próximas à da luz (300 mil km/s). Quando isso acontece, elas batem de frente e explodem. Os fragmentos da explosão podem revelar propriedades desconhecidas do Universo, como novas partículas e novas forças fundamentais. O objetivo é responder a nossas maiores dúvidas. Qual é a natureza do espaço e do tempo? Como as dimensões invisíveis se desdobram e até onde elas se estendem?
A descoberta do universo acelerado é um grande feito do século XX. a força escura revela que a natureza é mais complexa do que imaginávamos " Lisa Randall
ÉPOCA A última partícula prevista pelos físicos e nunca detectada é o bóson de Higgs. Um objetivo do LHC é achá-lo. O LHC opera há dois anos e ainda nada. Há quem diga que Higgs não existe...
Randall O bóson de Higgs seria o responsável por fazer com que a matéria tenha massa. Sem ele, ou algo semelhante, a matéria como a conhecemos não poderia existir. Mas ela existe e tem massa. Temos de achar uma explicação para isso.
ÉPOCA O físico Lawrence Krauss, da Universidade do Arizona, torce para não acharem o Higgs. Ele diz que os físicos serão obrigados a repensar suas teorias. A física será mais divertida.
Randall Se Lawrence quer imaginar como seria no caso de Higgs não existir, ele tem toda a liberdade para fazer isso. A razão para a matéria ter massa não é uma questão misteriosa para a qual não temos pistas. Já imaginamos as razões pelas quais o bóson de Higgs possa não existir. O Modelo Padrão é um conjunto de teorias que explica quais são as partículas que compõem a matéria e como elas interagem. O Modelo Padrão prevê alternativas ao bóson de Higgs. Ele é apenas uma possibilidade. Não é a única. Ainda assim, acredito que o LHC achará alguma coisa.
ÉPOCA O Modelo Padrão é um castelo teórico que foi finalizado nos anos 1970. Desde então, uma geração de físicos viveu obcecada pela teoria das cordas, que nunca produziu resultados. Os últimos 30 anos foram as décadas perdidas da física?
Randall Não. Talvez tenham sido décadas perdidas para quem estuda a teoria das cordas. Não é o meu caso. Para quem pensa o Universo sob a ótica do Modelo Padrão, as últimas décadas produziram avanços extraordinários. Hoje sabemos que, nos instantes iniciais do Universo, o espaço se expandiu a velocidades maiores que a da luz, um fenômeno chamado universo inflacionário, teoria dos anos 1980 cuja base é o Modelo Padrão. O mesmo modelo explica por que o Universo recém-nascido não poderia ter se expandido de forma uniforme. Se assim fosse, a matéria e a energia semeadas pelo Big Bang jamais poderiam se condensar graças à gravidade para formar estrelas e galáxias. Nos anos 1990, os satélites que registraram as variações de temperatura na radiação de fundo, o eco do Big Bang, provaram que o Universo recém-nascido não era uniforme. Parecia uma colcha de retalhos.
ÉPOCA Em 1998, descobriu-se que o Universo se expande cada vez mais rápido. A descoberta rendeu o Nobel de Física de 2011. O que acelera o Universo é a força escura, que age no sentido oposto à gravidade. A relatividade e o Modelo Padrão não previram tal força. A natureza insiste em nos surpreender?
Randall Não sabemos o que é a força escura, mas conhecemos a taxa de aceleração do Universo. Seu valor é muitíssimo menor do que aquele calculado pelos cosmologistas, quando estes apropriam a força escura como uma variável da teoria da relatividade. Quando a força escura é adicionada à relatividade, o universo que emerge dos cálculos não é o nosso, mas outro que se expande a taxas bilhões de vezes maiores. É um universo onde a gravidade jamais teria chance de condensar matéria e energia para formar estrelas e planetas. É um universo onde a vida jamais evoluiria. Mais importante do que conhecer qual seria a natureza da força escura é entender por que ela é tão fraca e por que o Universo acelera tão lentamente. De qualquer modo, a descoberta do universo acelerado é um dos grandes feitos científicos do século XX.
ÉPOCA Como entender a descoberta, em setembro passado, de que partículas chamadas neutrinos poderiam viajar mais rápido que a luz, o que seria impossível segundo as teorias de Einstein?
Randall Antes de mais nada, não acredito que o resultado da experiência dos neutrinos esteja correto. Mais cedo ou mais tarde, vão encontrar algum erro na experiência e invalidar o resultado. Se isso não acontecer, e os resultados acabem por se provar válidos, significará que a teoria de Einstein continuará valendo para um amplo espectro de fenômenos e problemas. Mas saberemos da existência de algumas circunstâncias até então desconhecidas nas quais partículas como os neutrinos poderiam se deslocar pelo espaço mais rápido que a luz. Quando uma nova teoria se prova correta, ela simplesmente subjuga a antiga, que se torna uma aproximação. Não quer dizer que somos obrigados a nos desfazer da teoria mais antiga.
ÉPOCA É um bom exemplo para descrever o método científico.
Randall Exato. Os físicos têm um conhecimento sólido sobre como a natureza funciona, ou deveria funcionar. Aí, raramente, aparecem pequenos furos na teoria. Eles revelam a existência de uma realidade mais profunda, que permanecia invisível aos nossos instrumentos. Um exemplo do século XIX foi o cálculo da órbita de Mercúrio. Ao observar o planeta, os astrônomos perceberam uma discrepância na órbita de Mercúrio. Em sua volta ao redor do Sol, Mercúrio insistia em não se comportar conforme os resultados previstos pela lei da gravitação de Newton. A discrepância era mínima, porém não era desprezível. Ninguém conseguia explicá-la. Foi preciso esperar Einstein e sua teoria da relatividade para entender que a discrepância era um sinal de que o Universo era mais complexo que o explicado por Newton. Com a descoberta do universo acelerado é o mesmo. A força escura revela que a natureza é mais complexa do que imaginávamos.
ÉPOCA O fato de uma teoria ser bela sugere que ela seja válida?
Randall Muitos físicos acham que sim. Eu não. A beleza é subjetiva. Se um físico mostrar uma teoria e disser que é bela, você olhará as equações e dirá: Belo, isso?. Na física, beleza tem a ver com ordem e simetria. As obras da arte moderna não têm simetria. Nem por isso deixam de ser belas. Na física, a beleza não é irrelevante, mas o fato de uma teoria ser bela não quer dizer que ela encerre necessariamente a verdade.

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