7 de junho de 2012

Brasilia e a UNESCO

Superintendente do órgão reclama do tom "impertinente" e "impositivo" de relatório que detalhou série de irregularidades em Brasília


HELENA MADER, Correio Brasiliense, 7/7/2012

As duras críticas da Unesco com relação às irregularidades espalhadas por Brasília causaram mal-estar no governo brasileiro. O superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Alfredo Gastal, disse ontem que enviará uma nota à representação brasileira nas Nações Unidas a fim de fazer esclarecimentos a respeito do relatório da organização. Ele classificou o documento como "impertinente" e "impositivo". Como o Correio mostrou na edição de ontem, os técnicos da Unesco em visita a Brasília indicaram problemas como os puxadinhos, as construções residenciais à beira do Lago Paranoá e a expansão sem controle da Vila Planalto.
O relatório será discutido durante a reunião anual do Centro do Patrimônio Mundial da Unesco, que será realizada a partir de 24 de junho, na Rússia. Os representantes poderão acatar ou rejeitar o documento e definirão possíveis sanções, como a retirada do título de patrimônio mundial da humanidade (leia Para saber mais). Apesar do tom rígido das críticas, especialistas não acreditam que isso possa ocorrer. "A Unesco não pode chegar e dizer que não se pode construir em algumas áreas, como fez. Esse relatório teve um tom muito impositivo", reclamou Gastal (leia entrevista).
Além do governo federal, o GDF se defendeu das denúncias feitas pela organização internacional. O relatório da entidade recomendou, por exemplo, que o processo de elaboração do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) seja paralisado até que haja um aprimoramento das formas de consulta à população. Mas o GDF considerou as sugestões "equivocadas" e afirmou que continuará a preparar a nova legislação.
Para a arquiteta Maria Elisa Costa, filha do urbanista Lucio Costa, as críticas da Unesco não levarão à perda do título de patrimônio mundial. "Esse seria o sonho dourado da especulação imobiliária, que quer desmoralizar de vez o tombamento. Mas acho que as críticas do relatório não justificam nada parecido como colocar a inscrição de Brasília na lista do patrimônio em risco", avalia. Ela contou que ainda não leu a íntegra do relatório, mas concordou com algumas das críticas da organização, como o crescimento desordenado da Vila Planalto. "Essa é a maior ameaça à preservação da identidade original do Plano Piloto. A expansão da vila é um problema sério."
A filha de Lucio Costa acredita que as irregularidades do Plano Piloto só poderão ser resolvidas com mais eficiência na gestão. "Para solucionar os problemas, a primeira coisa é não raciocinar em termos emergenciais. É preciso, antes de mais nada, aprender como se administra bem uma cidade. Só uma administração local competente poderá melhorar as coisas em Brasília", conclui.
"Puxão de orelha"
Em março, dois consultores da Unesco passaram quatro dias em Brasília e, com base nessa visita, elaboraram o relatório sobre o estado de preservação da cidade. O espanhol Carlos Sambrício e o argentino Luís Calvo percorreram os principais pontos da área tombada, sobrevoaram o DF e o Entorno de helicóptero e tiveram dezenas de reuniões com representantes do governo e da sociedade. No documento final, eles afirmaram que "Brasília é uma cidade dinâmica, que deve enfrentar os desafios de proteção do seu Plano Piloto". Os consultores destacaram que é preciso manter os espaços internos das superquadras "sem nenhuma modificação" e expressaram ao estado de degradação da W3.
Para o diretor de Projetos do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos, na sigla em inglês), Henrique Osvaldo, o relatório da Unesco representa um "grande puxão de orelha" para o Brasil. O Icomos é uma das entidades consultivas da Unesco. Osvaldo acredita que o debate em torno do documento chamará a atenção. "Não houve evoluções a partir de 2001, quando a cidade recebeu a primeira missão da Unesco. E agora, pelo contrário, apareceram novos problemas", afirma. Para ele, não está descartada a inclusão da cidade na lista do patrimônio em risco.
Três perguntas para
Alfredo Gastal, superintendente do Iphan no DF
Que avaliação o senhor faz do relatório divulgado pela Unesco?
Alguns trechos são extremamente impertinentes. A Unesco não pode chegar e dizer que não se pode construir em algumas áreas. Lucio Costa planejou Brasília para ser uma cidade viva, mas alguns acham que a capital é uma espécie de Versailles do século 21, como se fosse uma cidade morta. Qualquer grande metrópole precisa enfrentar os desafios da modernidade. Sou contra a cidade congelada. Ela é dos homens, e são os seus moradores que devem moldá-la.
O senhor viu algum ponto positivo no documento?
Sim, algumas das críticas são observações importantes. A questão do problema dos transportes públicos que eles citam no relatório é muito urgente. A chave da preservação de Brasília é racionalizar os transportes públicos. As pessoas que moram no Entorno sofrem muito para chegar ao centro da cidade. Discutir isso é garantir a qualidade de vida da população. Também concordo com as observações que fizeram sobre a margem do lago, que está sendo invadida por empreendimentos residenciais. Eles criticaram a expansão da Vila Planalto, e também sou da opinião de que aquilo é quase caso de polícia.
O Iphan vai apresentar alguma explicação à Unesco?
Esse relatório teve um tom muito impositivo. Isso é uma intromissão. Deve haver um respeito com os estados-parte da Unesco. O Iphan vai mandar uma nota para a representação do Brasil nas Nações Unidas, em Nova York. Isso para dizer que houve uma imoderação no relatório elaborado pelos consultores.
Para saber mais
Proteção ao plano original
Brasília entrou na lista do patrimônio mundial da Unesco em 1987 por solicitação do então governador do Distrito Federal, José Aparecido de Oliveira. Os monumentos arquitetônicos projetados por Oscar Niemeyer não foram inscritos na lista da organização. O que é considerado patrimônio mundial da humanidade é o projeto de Lucio Costa e suas escalas. O urbanista planejou quatro delas. A monumental corresponde à função cívico-administrativa e está presente desde a Praça dos Três Poderes até o fim do Eixo Monumental. É a escala que confere a Brasília a marca efetiva de capital federal. A gregária é a de convívio no centro da cidade, com os setores em torno do cruzamento dos eixos Monumental e Rodoviário. Já a residencial é representada pelas superquadras. Elas proporcionaram um novo jeito de viver. A bucólica é a parte de lazer ou de recreação que confere a Brasília a característica de cidade-parque.

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