6 de junho de 2012

Brasilia, Patrimonio Mundial da Humanidade: Relatorio crítico da UNESCO

Unesco reprova o nosso desleixo
 Correio Brasiliense, 6/6/2012

Relatório elaborado por consultores em visita à capital aponta série de agressões ao tombamento. Cidade corre o risco de ser incluída na lista dos patrimônios em perigo durante reunião a ser realizada no fim do mês na RússiaHELENA MADER
Os problemas do Plano Piloto deixaram de ser uma preocupação exclusiva dos moradores de Brasília e ganharam dimensão internacional. A Unescodivulgou ontem o relatório sobre a preservação do projeto original da cidade. O documento, elaborado pelos consultores que visitaram a capital durante missão realizada em março, traz duras críticas à atuação do governo brasileiro e da administração local. E aponta problemas que comprometem o tombamento da capital federal.
A avaliação dos especialistas da Unesco é ampla e indica irregularidades que são velhas conhecidas dos brasilienses, como os puxadinhos e a expansão ilegal da Vila Planalto. Mas o relatório alerta até mesmo para o fenômeno do aumento exagerado dos preços de imóveis e garante: "Existe uma pressão para tornar privados espaços previstos para serem públicos".
O documento será debatido no fim de junho, durante a reunião anual do Centro do Patrimônio Mundial. O encontro ocorrerá em São Petersburgo, na Rússia. Com base nele, os participantes discutirão possíveis sanções, como a inclusão de Brasília na lista do patrimônio em risco ou até mesmo o cancelamento do título, concedido em 1987. Especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que as chances de a cidade sair do rol daUnesco é ínfima, já que a essência do projeto do Plano Piloto, elaborado por Lucio Costa, foi preservada até agora. Mas eles não descartam a colocação da capital federal na relação do patrimônio em perigo, como forma de alerta para a gravidade da situação.
Abandono
Essa não foi a primeira vez que Brasília recebeu uma missão da Unesco. Em 2001, dois especialistas estrangeiros visitaram o DF e, há mais de uma década, o relatório indicava uma série de problemas no Plano Piloto. Algumas das irregularidades detectadas naquela época estão novamente no relatório deste ano. O documento critica a lentidão em resolver essas pendências. Os consultores recomendam que "o Comitê do Patrimônio Mundial exprima sua preocupação quanto aos progressos limitados realizados no cumprimento das recomendações da missão de 2001, visto que houve um agravamento das condições indicadas anteriormente".
Uma das principais críticas da organização internacional é com relação ao abandono das áreas comerciais do Plano Piloto, especialmente da Asa Sul. As invasões de áreas públicas nos fundos das lojas, mais conhecidas como puxadinhos, impressionaram os participantes da missão da Unesco. "A situação das entrequadras residenciais está degradada em razão da expansão desmedida. Um controle mais rígido é indispensável para impedir a perda de outros espaços verdes e a construção irregular de estruturas desordenadas e precárias", afirma o relatório. Para os especialistas, é preciso acabar com a privatização das áreas públicas, pois " isso levará a um fechamento dos espaços abertos e terá um impacto sobre um dos atributos essenciais da cidade".
Caos no trânsito
A crescente frota no DF e o trânsito cada vez mais caótico também entraram na pauta de discussões. Eles identificaram a necessidade de desenvolver um plano diretor de transportes urbanos para tratar das necessidades atuais e buscar soluções a longo prazo. Com relação à preservação dos principais marcos da arquitetura de Brasília, o relatório avalia que "a maioria dos monumentos está bem conservada, assim como o espaço verde entre esses prédios". Mas a missão identificou algumas atividades e estruturas informais entre esses monumentos, o que na opinião da Unesco deve ser melhor controlado.
As obras para a Copa do Mundo de 2014 também foram alvo de questionamentos. O Comitê de Patrimônio Mundial expressou preocupação com a possibilidade de o evento acirrar a especulação imobiliária na cidade. O relatório afirma que alguns projetos relacionados à competição, como a construção do veículo leve sobre trilhos (VLT), ainda precisam ser avaliados.
O documento também cita a proposta do governo de autorizar a construção de hotéis na 901 Norte, projeto condenado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Para a Unesco, "existem pressões por mudanças de destinação, que geram ocupações inapropriadas e uma perda de espaços públicos", diz o relatório. "A missão estima que a escala bucólica deve ser preservada com mais atenção", acrescenta o texto do documento.
Análise da notícia
Em nome do futuro
GUILHERME GOULART



O relatório da última missão da Unesco em Brasília constrange a capital tombada como patrimônio mundial da humanidade. A maioria das observações deixa em evidência que, uma década depois da primeira visita dos técnicos do órgão internacional, pouco ou nada se fez para preservar o título que tanto orgulha os brasilienses. Ou pior: puxadinhos, problemas no sistema de transporte público, desrespeito à orla do Lago Paranoá e decadência da Avenida W3 são, por exemplo, absurdos que colocam em risco as características que justamente permitiram a inclusão da cidade na lista da Unesco.
Um dos pontos da conclusão dos técnicos, no entanto, chama ainda mais a atenção para o rol de falhas cometidas principalmente no Plano Piloto. O olhar dos técnicos identificou uma "falta de interação e cooperação" entre o Iphan e o GDF. Ora, se nem sequer os órgãos responsáveis pela conservação e pela preservação do patrimônio se entendem, como ser otimista ao pensar no futuro de Brasília? Passou da hora de as autoridades se mobilizarem em nome da experiência que tornou a capital um exemplo para o mundo.

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