17 de junho de 2012

‘Desconfiança entre países dificulta a negociação’, afirma Jeffrey Sachs


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RIO — A despeito do impasse na negociação do documento final da Rio+20, o economista Jeffrey Sachs, diretor do Earth Institute da Universidade de Columbia, em Nova York, e conselheiro do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, ainda vê chance de sucesso no resultado da conferência. Na sua avaliação, os países de renda média, incluindo o Brics e outros emergentes, devem fazer parte do financiamento das ações para sustentabilidade dos países pobres.
Qual é a importância dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?
JEFFREY SACHS: Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) podem ser o resultado mais importante da Rio+20, já que não haverá grandes acordos. A Rio 92 produziu três excelentes acordos, mas sem implementação correta. No momento, a política global não permite mais acordos formais. Já os ODSs, como os Objetivos do Milênio, podem ser muito poderosos e, na minha visão, até mais do que os tratados, porque os políticos não terão muito sucesso em alcançar desenvolvimento sustentável agora.
Ainda há impasses na negociação do documento final. É possível alcançar um compromisso com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?
SACHS: É muito difícil conseguir um acordo detalhado ou específico sobre ODSs agora. O que a maioria dos países fala é de um compromisso de se estabelecer os ODSs, dizer que esses objetivos darão o arcabouço para o desenvolvimento no pós-2015. Teremos processos políticos e sociais para atingir a sociedade civil e talvez estabelecer os objetivos até setembro de 2013 em sessão na ONU de revisão final dos Objetivos do Milênio. Isso é o que gostaríamos de ver. A Rio+20 pode fazer uma contribuição histórica ao estabelecer firmemente um espaço no acordo para o estabelecimento dos ODSs.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse que a Rio+20 é muito importante para falhar, mas o G-77 abandonou as negociações. Até que ponto podemos ter sucesso?
SACHS: É possível (ter sucesso), mas de maneira nenhuma é certo porque realmente há elevados níveis de desconfiança entre os países. Os ricos não fizeram seu trabalho nos últimos $anos, não lideraram os acordos assinados. Os Estados Unidos foram talvez o maior desapontamento de todos. Ao mesmo tempo, a China se tornou uma superpotência econômica e fez algumas coisas. Mas ainda assume a posição de que não pode liderar, que isso deve caber aos ricos. Isso é compreensível, mas ao mesmo tempo é necessário mudar porque a China é tão grande e importante que realmente precisa liderar, senão não resolveremos o problema. Os Estados Unidos, por sua vez, ficaram agitados com a ascensão da China e isso levou à paralisia. Agora o resto do mundo paga as consequências. Para se ter uma ideia, o presidente (Barack) Obama nem vem à conferência. Pode haver uma surpresa (e ele aparecer) e seria uma boa notícia. Mas se não houver, é reflexo de quão difícil (a negociação) se tornou.
Outros emergentes devem contribuir com recursos?
SACHS: Todos os países devem entender que os sistemas tecnológicos do mundo precisam mudar seu curso nos próximos 40 anos para salvar o planeta. Todo o mundo deve seguir em nova direção. E os países pobres precisam de muita ajuda com recursos. Os países ricos e até certo ponto os de renda média devem ajudar a pagar por essas ações para a sustentabilidade nos países pobres, apesar de a maior responsabilidade caber aos mais ricos. Há tanto poder econômico no Brics e em países de renda média em geral que não podemos mais nos dividir. Não há mais tempo nem espaço para que apenas um pequeno grupo de países ajude. A ideia é que os países paguem um valor de acordo com a emissão de carbono. Os ricos pagariam uma parcela maior, mas os países de renda média também participariam. Até um valor modesto de US$ 4 por tonelada de CO2 permite gerar US$ 100 bilhões por ano. Chegamos a um ponto em que as mudanças em curso são muito sérias e estão piorando rapi$. As pessoas não têm conhecimento de quão rápido o mundo está mudando. O que parece administrável hoje pode não ser. Vinte anos depois da Rio 92 não houve essencialmente nenhuma ação. Isso não será acertado provavelmente desta vez, porque os EUA vão se opor. Mas precisamos discutir para que saibamos quão simples e prática é essa alternativa.
O senhor estima um custo de 2% a 3% do PIB global para uma economia inteiramente sustentável. Não é elevado?
SACHS: O custo de lidar com esses desafios não é tão grande quanto as pessoas imaginam. Claro que 2% do PIB global é muito, estamos falando de pouco mais de US$ 1 trilhão por ano, mas é para solucionar os problemas de todo o mundo. Seremos irresponsáveis se não fizermos esse investimento porque o tempo é curto e estamos nos aproximando de algumas fronteiras perigosas.
Qual é a influência da crise nos EUA e na Europa?
SACHS: A crise realmente enfraqueceu a habilidade e o desejo por desenvolvimento sustentável. E certamente reduz a liderança desses países e a disposição de investir. A questão é que o desenvolvimento sustentável tem uma agenda de planejamento de longo prazo, algo como 40 anos. Não se pode parar por uma crise de curto prazo.
Qual deve ser a estratégia na reta final?
SACHS: Todos os lados devem ser realistas. Precisamos de um resultado que ponha o mundo em nova direção. Os ODSs podem ser o novo arcabouço para esforço global e cooperação. Os países ricos não podem abandonar seu compromisso financeiro, mas os de renda média também precisam dar alguma ajuda. Temos de respeitar o fato de que há países muito pobres que precisam de ajuda e poderosos países de renda média que podem ajudá-los. Não se trata de separar o G-77, mas de avaliar quais são as responsabilidades, quem pode suportá-las e garantir que elas sejam divididas. Na minha visão, isso significa que todos os países devem se encaminhar para o desenvolvimento sustentável. Olhando os próximos 50 anos, estamos rapidamente nos aproximando de grandes danos para o planeta. Para evitar isso, precisamos de um nível de esforço além do que se fala. É uma questão de aritmética ecológica.

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