Confira a entrevista com Daniel Shechtman, Prêmio Nobel de Química de 2011, publicada no jornal O Globo de hoje (27).
O Globo: Hoje (ontem), outro laureado com o Nobel, Kurt Wüthrich, começa a trabalhar na Universidade Federal do Rio de Janeiro como pesquisador visitante pelo programa "Ciência sem Fronteiras". O senhor também consideraria vir ao Brasil fazer pesquisas e orientar estudantes?
Dan Shechtman: Não a curto prazo, simplesmente porque não tenho tempo. Mas conheço o programa e, do ponto de vista do Brasil, é uma excelente ideia e uma grande jogada por várias razões. A principal é que não existe uma ciência brasileira, e sim mundial. E se comunicar com o mundo é muito importante. A ciência progride por meio das descobertas, mas também da comunicação. Escrever e publicar artigos científicos é um dos aspectos desta comunicação, mas falar com as pessoas, visitar seus laboratórios, colaborar com outros cientistas pelo mundo em programas conjuntos também são extremamente importantes. A diferença entre Kurt e eu é que ele recebeu o Nobel há alguns anos, enquanto eu sou o atual laureado, então minha agenda ainda está muito lotada. Assim, embora considere o "Ciência sem Fronteiras" um programa maravilhoso do qual adoraria participar, não me vejo fazendo isso nos próximos dois anos. Mas no futuro certamente aceitaria com prazer fazer parte dele.
E algum cientista ou estudante brasileiro procurou o senhor interessado em ir fazer pesquisas no Technion?
Shechtman: Não tive chance de conversar com muitos estudantes brasileiros, mas o Technion está aberto a eles. Tive uma reunião com o ministro da Ciência (Marco Antonio Raupp) e outras autoridades brasileiras e me disseram que o intercâmbio com Israel no programa "Ciência sem Fronteiras" está em avaliação. Então ainda não temos uma colaboração oficial, mas me contaram que a papelada está correndo e quando estiver pronta poderemos começar um intercâmbio. Nós do Technion receberíamos com prazer os estudantes e cientistas brasileiros.
E como o senhor vê o estágio atual da ciência no Brasil?
Shechtman: Ainda estou aprendendo sobre a ciência feita no Brasil. Encontrei alguns cientistas e autoridades importantes e vou visitar alguns laboratórios, mas não acho que possa ter uma opinião abalizada sem saber mais. Só peço para o governo brasileiro continuar a investir em ciência de forma contínua e crescente. Se o Brasil quer ter ciência de ponta, tem que ter equipamentos de ponta e uma educação de qualidade. Tudo isso requer dinheiro, mas é um investimento no futuro do País e a melhor forma de gastá-lo.
Quando em 1982 o senhor se deparou com os quasicristais e anunciou a descoberta, enfrentou muitas críticas e ataques, alguns até pessoais, como o de Linus Pauling (americano duas vezes agraciado com o Nobel), que disse que não existiam quasicristais, apenas "quase-cientistas". Com o desenvolvimento deste campo de estudos, seu Nobel e a recente descoberta da ocorrência natural de quasicristais em um meteorito que caiu na Rússia, o senhor se sente vingado?
Shechtman: No começo realmente fiquei muito sozinho. Houve muitas críticas e o clima não era bom. Mas nem tudo eram críticas. John Cahn (químico americano que assinou com Shechtman o artigo que descreveu os quasicristais em 1984) me encorajou. Ele disse para mim: "Dan, este material está te dizendo alguma coisa e desafio você a descobrir o quê". Já Ilan Blech (colega de Shechtman no Technion, também coautor do artigo) foi o primeiro a colaborar comigo, propondo um modelo físico para explicar como esse material se comportava. Por fim, tive ajuda de Denis Gratias (cientista francês e quarto e último coautor do artigo). Então, não estava mais sozinho quando Pauling me atacou. Além disso, durante todo este período eu sabia que estava certo, pois tinha os dados e resultados experimentais, enquanto os que me criticavam eram todos teóricos. Os experimentalistas repetiram minha experiência e imediatamente provaram minha descoberta. O problema então eram os teóricos, como acontece em muitos campos da ciência. Hoje, olhando para trás, definiria aquele como um período interessante da minha vida. E embora o Nobel seja o maior prêmio que um cientista possa obter, não foi o único que ganhei. Já havia recebido outros reconhecimentos antes e nunca tive nenhum sentimento de vingança.
Seu caso então não seria a prova de dois ditados populares entre os cientistas, os que dizem que quando um velho e respeitado cientista diz que algo é possível ele quase sempre está certo, mas quando diz que é impossível ele muito provavelmente está errado. E que o sucesso é 10% inspiração e 90% transpiração?
Shechtman: Acredito que um bom cientista deve sempre se questionar e ser humilde. Ele deve ouvir novas ideias e examiná-las de forma objetiva. Na maior parte dos casos, essas novas ideias são realmente ruins e errôneas, mas em alguns poucos elas são reais e podem provocar uma mudança de paradigma, como no meu caso. O cientista deve confiar em si mesmo, e aqui tenho uma mensagem para os jovens: seja especialista em algo. Ache alguma coisa que você goste, torne-se um especialista nela e tente sempre ser o melhor no seu campo. Se você fizer isso, eu prometo, seu futuro será brilhante. E isso vale em qualquer campo, seja para um cientista ou para um pianista.
E suas pesquisas? Como o senhor está se dedicando a elas após o Nobel?
Shechtman: Minhas pesquisas estão sofrendo, mas por uma boa causa. O que mais faço hoje é promover a ciência e a educação pelo mundo. Viajo com a missão de levar a mensagem da importância do conhecimento e da inovação tecnológica como as únicas maneiras de trazer a paz para o mundo. Os países devem ser capazes de alimentar sua população e dar a ela uma boa qualidade de vida. São estes países que vão desenvolver inovações tecnológicas e não depender apenas de seus recursos naturais, e aqui está outro alerta para o Brasil. Sou como um missionário da ciência, mas voltarei com prazer a me dedicar a meu laboratório quando o momento for certo.
(O Globo)
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