4 de julho de 2012

Viver na rua não é viver em liberdade



KLEBER LUIZ ZANCHIM E PAULO DÓRON REHDER DE ARAUJO
Folha de S/Paulo,4/7/2012
Albergues não são perfeitos, mas dão o morador de rua o mínimo de disciplina, o banho, recordando regras elementares sobre o convívio em sociedade
Eu sinto em mim o borbulhar do gênio,
Vejo além um futuro radiante:
Avante! -brada-me o talento n'alma
E o eco ao longe me repete -avante!-
O futuro... o futuro... no seu seio...
Entre louros e bênçãos dorme a glória!
Após -um nome do universo n'alma,
Um nome escrito no panteon da história
A estrofe de "Mocidade e Morte", de Castro Alves, é nosso agradecimento a Mauricio Antonio Ribeiro Lopes por ter mantido aceso o debate sobre a questão dos moradores de rua do centro de São Paulo ("Ao próximo, o largo", de 28/06).
Considerada a expectativa de vida do brasileiro, também o doutor Maurício não passa de um jovem senhor de cinquenta anos. E o vigor de suas palavras revela energia jovial para lutar pela solução de problemas complexos como este.
Por cinco décadas, é provável que ele tenha acordado todos os dias e se levantado da cama para viver em favor de si mesmo, de alguém ou de uma causa. O amanhã aparecia luminoso diante de seus olhos, incentivando-o a moldar seu presente e seu futuro. Essa é uma das grandes diferenças entre ele e os abandonados das vias públicas, inclusive os do largo de São Francisco.
Para eles, o horizonte é estreito. O amanhã, sombrio. Falta-lhes exatamente o estímulo para construir sua própria dignidade como cidadãos: a expectativa de um dia melhor.
Nesse cenário, temos de discordar: a rua não é "liberdade total", como escreveu o doutor Maurício.
Primeiro, porque nela há regras, sendo uma a de que ninguém pode se apropriar do espaço público, por qualquer que seja a forma.
Segundo, porque o morador de rua está aprisionado no seu anonimato e na falta de esperança.
Ao contrário de Ribeiro Lopes ou de nós, esse indivíduo não consegue projetar o porvir, pois as carências são tantas que lhe importa apenas o agora. A insanidade mental e as drogas são válvulas de escape para suportar o não, o nada, o nunca.
Se os albergues não são perfeitos, são ao menos uma porta de entrada no sistema de assistência social.
Eles expõem o indivíduo ao mínimo de disciplina, que é o banho, recordando-o de regras elementares sobre o convívio em sociedade.
Disciplina, sim, é liberdade, como lembrou um músico famoso da época em que o doutor Maurício era um jovem doutor.
Podemos cobrar melhorias nas iniciativas da Prefeitura, mas não podemos negar que elas são parte importante do que temos disponível para enfrentar o problema. Para se ter ideia, não fossem as tendas de atendimento instaladas no centro, mais de duas toneladas de fezes estariam nas ruas, exigindo ainda mais água para limpar a sujeira.
Temos debatido com os órgãos públicos um espaço de capacitação desses desamparados para o trabalho, em parte financiado pela iniciativa privada. Mapeamos dezenas de vagas que poderiam absorvê-los em funções de baixa complexidade, restaurando paulatinamente seu valor como pessoas produtivas e donas do curso da sua história.
Para tanto, precisamos induzi-los a sair da jaula moral e psicológica da rua, o que depende da desarticulação de tudo o que acaba por acorrentá-los aos vícios e ao ócio.
Maurício sabe há mais tempo que nós que a Faculdade de Direito é a "velha e sempre nova academia". O sincretismo entre o antigo e o moderno sempre marcaram a trajetória das arcadas, uma escola de vida.
Acreditamos que nossa mocidade possa ser compensada pela novel senioridade do douto promotor. Indicamos acima o nosso projeto. Que o doutor Maurício exponha à sociedade paulistana qual é o dele. Saudações franciscanas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário