Folha de S.Paulo, 22/10/2012 SÃO PAULO - Diz a imprensa que uma onda liberal varre o Uruguai. O país acaba de aprovar uma lei que libera o aborto e deve, em breve, legalizar a maconha e reconhecer o casamento gay. O sentido geral das mudanças é inegavelmente progressista, mas eu receio que duas das três peças legislativas em consideração contenham problemas sérios. A sensação é que elas já nascem meio envelhecidas. Comecemos pelo aborto. Pelo que foi aprovado, a mulher pode abortar livremente até a 12ª semana de gravidez. Mas o Diabo, como se sabe, mora nos detalhes. Antes de submeter-se ao procedimento, ela precisará passar por uma equipe multidisciplinar que a orientará sobre riscos e oferecerá alternativas. Como se não bastasse, terá ainda de aguardar um período de cinco dias "para reflexão". São expedientes como esse que os antiabortistas dos EUA tentam introduzir nas legislações estaduais, a fim de conferir peso moral extra à intervenção. Só que não faz muito sentido. Se a lei considera que, até os três meses, o embrião não faz jus a proteções legais, então não há por que impor tortura psicológica às mulheres. O caso da maconha é ainda pior. Pelo projeto, consumidores da droga precisarão registrar-se num órgão público e terão direito a uma quantidade máxima de 40 cigarros por mês. A ideia é que o poder público possa identificar dependentes e, eventualmente, encaminhá-los a tratamento. É uma estupidez. Nenhum usuário quer ter o governo monitorando seus hábitos. Isso significa que os consumidores provavelmente continuarão adquirindo a droga no mercado ilegal -o que não é crime pela lei atual. Aparentemente, só o casamento gay é uma regra sem "pegadinhas". Acho ótimo que nossos vizinhos tenham decidido legalizar a liberdade e os invejo, mas eles bem que poderiam se esforçar mais na hora de negociar a redação das normas. Não é difícil estragar uma boa ideia com um acordo inepto. |
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