8 de dezembro de 2012

Animar os alunos foi o maior desafío do sucesso de escola do Piauí


Fórmula dos docentes da Augustinho Brandão inclui acompanhamento e, se necessário, reprovação

08 de dezembro de 2012 | 18h 13

Davi Lira, de O Estado de S. Paulo, enviado especial a Cocal dos Alves (PI)
Se hoje a população de Cocal dos Alves credita o sucesso da Escola Estadual Augustinho Brandão aos alunos, enaltecendo seus resultados nas provas do Enem, os professores da escola, filhos da mesma terra, exerceram papel fundamental para esse feito. Além de acompanhar de perto o desempenho dos estudantes, tiveram a ousadia de ir na contramão do que dizem muitos especialistas em educação e reprovaram sem dó os alunos com desempenho considerado insuficiente.
A trajetória dos docentes da escola piauiense é tão surpreendente quanto a de seus alunos. Desde a implementação da unidade escolar, em 2003, até o ano passado, eles não tinham sequer graduação completa, explica o professor de matemática Antonio Cardoso do Amaral, apontado como o principal responsável pelos resultados da escola.
“Não foi nada planejado. Começamos a trabalhar sem muita noção de onde queríamos chegar”, diz Amaral, atualmente licenciado das aulas em Cocal – ele faz mestrado na Universidade Federal do Piauí, em Teresina, desde o segundo semestre de 2011.
Mas os docentes sabiam como fazer. “Nossa dificuldade inicial era a de colocar na cabeça dos meninos que, mesmo sendo da brenha (do mato), eles poderiam se destacar nos estudos e ter um futuro diferente”, diz a professora de português, Aurilene Brito, de 30 anos. A opinião é compartilhada pelo professor de química, Giovane Brito, de 29. “Nossa grande batalha foi convencer a primeira turma a acreditar que era possível mudar e que eles poderiam ter um sonho.”
Esse era o grande entrave: lutar contra a realidade de um município sem oportunidades de emprego e de lazer, com índices de analfabetismo próximos a 40%. “Os alunos não esperavam ter nenhum resultado a longo prazo com a educação. Eles só pensavam em ter uma moto, dinheiro e trabalhar no Rio”, diz o coordenador pedagógico da instituição, Darckson Machado.
Mas foi com o acompanhamento presente dos professores, escola aberta também no fim de semana e durante a manhã – período em que não há aulas regulares – que esse panorama começou a mudar.
O foco no aprendizado dos alunos é um dos requisitos considerados fundamentais para qualquer escola, afirma o professor da Faculdade de Educação da USP Ocimar Alavarse. “É tão simples isso, mas a imensa maioria das escolas não consegue fazer o que essa do interior do Piauí faz”, diz Alavarse.
Reprovação
Se parte da fórmula atraiu apoio – a de dar importância de manter um relacionamento pessoal e próximo aos alunos, com assistência, acompanhamento e reforço escolar para todos –, a estratégia de reprovar os alunos que não tinham condição de passar de ano enfrentou resistência da própria população. “Não foi fácil, a gente achava que seria vencido pela reprovação”, admite Amaral.
O objetivo dos professores, segundo ele, passou a ser adotar um dogma, o da “moralidade da aprovação”, para passar mais credibilidade e seriedade de seu trabalho aos alunos.
“Temos aulas em dois turnos. A reprovação se concentra no da tarde e fica em torno de 10%, principalmente no 1.º e no 2.º ano. No da noite, o problema é o da evasão no 3.º ano, quando os alunos saem da escola em busca de emprego na construção civil no Rio de Janeiro”, diz Amaral.
O aluno reprovado é “tratado como os outros”, mas tem acesso à monitoria de outros estudantes de destaque pela manhã.
Mesmo com essas particularidades, os professores preferem repassar o mérito aos alunos e protestar contra a educação pública do País. “Na verdade, não somos bons. A situação da escola pública tanto no Piauí quanto no Brasil é que é uma calamidade, uma farsa”, diz Aurilene.



Escola piauiense supera 32 unidades com alunos mais ricos no Enem

Ranking leva em conta pesquisa do perfil socioeconômico dos colégios do País

08 de dezembro de 2012 | 17h 51

Davi Lira, de O Estado de S. Paulo, enviado especial a Cocal dos Alves (PI)
Especialistas em educação alertam que é prudente, ao se montarem rankings, comparar escolas com realidades próximas. Para isso, um perfil socioeconômico dos alunos das escolas brasileiras foi montado pelos professores da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Maria Teresa Gonzaga Alves e José Francisco Soares, com base em dados de avaliações do MEC de 2001 a 2009.
Essa catalogação mostra que a Escola Augustinho Brandão, de Cocal dos Alves (PI), teve um rendimento nas provas objetivas do Enem 2011 superior a 5.629 (55%) escolas do Brasil que tiveram o resultado divulgado pelo ministério no mês passado.
A escola do interior do Piauí está no topo da colocação quando comparado o desempenhos de outras unidades com o mesmo perfil socioeconômico dos alunos, com renda familiar de até 1 salário mínimo. Sua média nas objetivas ficou em 524 pontos – a média nacional é de 519. Seu resultado é superior a 32 escolas que têm alguns dos alunos mais ricos do País.
Segundo especialistas, é possível afirmar que a escola piauiense pode ser considerada a que teve a melhor performance no ensino médio.



Sucesso de escola do Piauí em vestibular e olimpíadas surpreende

Augustinho Brandão já conquistou mais de 20 medalhas em competição de matemática

08 de dezembro de 2012 | 17h 55

Davi Lira, de O Estado de S. Paulo, enviado especial a Cocal dos Alves (PI)
Com menos de dez anos de existência, a escola Augustinho Brandão já acumula vários prêmios em competições. Nas Olimpíadas de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), por exemplo, conquistou mais de 20 medalhas – o que faz da instituição uma das mais premiadas do Brasil.
'Devemos trabalhar como olheiros que buscam os talentos dos alunos', diz Amaral - Davi Lira/Estadão
Davi Lira/Estadão
'Devemos trabalhar como olheiros que buscam os talentos dos alunos', diz Amaral
“Conhecemos o caso de sucesso de Cocal dos Alves desde 2005. E a origem desse êxito tem muito a ver com as olimpíadas”, afirma César Camacho, diretor-geral do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), que organiza o evento.
“Proporcionalmente, em relação ao número de habitantes, somos a cidade que mais medalhas conquistou na Obmep”, diz o coordenador pedagógico da escola, Darckson Machado.
Foi com a preparação para as olimpíadas, posterior sistematização de estudos, atenção especial aos alunos e trabalho focado na resolução de dúvidas, que a escola passou a ter uma boa gestão. Mas parte desse desempenho – sempre relacionado ao trabalho do professor de matemática Antônio Cardoso do Amaral – pode ter sido conquistado sob um ambiente de forte pressão e competição entre os alunos, afirma Regina Rocha, que trabalhou como psicóloga na cidade. Ela diz que, em 2010, algumas mães pediram que Regina ajudasse a cuidar dos filhos, que sofriam com excesso de estudo.
Para o estudante Izael de Brito Araújo, de 16 anos, do 1.º ano, a alegação não faz sentido. “O que existe é uma competição saudável. Se um conseguiu, por que eu não posso?”, diz. A escola também é campeã em aprovação nos vestibulares. As taxas de aprovação nunca foram menores que 70%. Em 2010, todos os alunos que prestaram vestibular entraram na UFPI.


Escola no interior do Piauí desbanca 5 mil instituições do País

Alunos de colégio estadual de Cocal dos Alves têm renda familiar de até 1 salário mínimo

08 de dezembro de 2012 | 17h 43
Davi Lira, de O Estado de S. Paulo, enviado especial a Cocal dos Alves (PI)

Hoje ele considera que saiu da lama. Filho de agricultores sem renda fixa, praticamente semianalfabetos e moradores da zona rural de Cocal dos Alves – um dos municípios mais pobres do interior do Piauí, a 260 km de Teresina –, Vitaliano Amaral, de 29 anos, nadou contra a corrente das adversidades. O trabalho árduo na roça e o antigo sonho de ser vigia deu lugar à carreira de pesquisador no mestrado em Matemática da Universidade Federal do Piauí.
Mas essa guinada não teria ocorrido se ele não tivesse concluído os estudos na Escola Estadual Augustinho Brandão. Única do município, é considerada a instituição de maior performance no ensino médio no País – ela coloca alunos com grande defasagem educacional no mesmo patamar daqueles que têm melhores condições de aprendizagem por pertencerem a famílias com condições financeiras e culturais privilegiadas.
Entre as escolas que atendem só alunos mais pobres, com renda familiar de até 1 salário mínimo, a Augustinho Brandão foi a que teve o melhor desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2011. Sua média, superior à nacional, desbancou mais de 5 mil instituições públicas e privadas. O número representa 55% do total das escolas que tiveram o resultado no exame divulgado pelo Ministério da Educação, em novembro. O desempenho da Augustinho Brandão ultrapassou o de 32 escolas do País que têm os alunos mais ricos (renda familiar de mais de 12 salários mínimos).
No ranking nacional, com 10.076 escolas (com alunos de todos os níveis socioeconômicos), ela fica na posição 4.260. No Estado, é a melhor instituição pública estadual e, considerando as 198 do Piauí, é a 56.ª mais bem classificada.
Para chegar a esses dados, o Estado solicitou à Meritt Informação Educacional o cruzamento das informações do MEC com um estudo feito recentemente pelos pesquisadores Maria Teresa Gonzaga Alves e José Francisco Soares, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Eles traçaram o perfil socioeconômico dos alunos das escolas brasileiras.
“Só a gente acreditava no nosso trabalho”, conta a diretora e supervisora da Augustinho, Kuerly Brito, de 34 anos. “Com a grande aprovação nos vestibulares, temos ex-estudantes que hoje são psicólogos, fisioterapeutas e professores. Temos dois alunos cursando pós-graduação em Teresina e Fortaleza.”
Para Soares, da UFMG, Cocal dos Alves é “um exemplo de que, mesmo sendo forte, o determinismo social pode ser vencido”. “É o efeito da escola – e não da família – que gera esse resultado excepcional. É o oposto do que acontece, por exemplo, numa escola de elite em São Paulo”, diz.
Criada em 2003, a escola ganhou em 2011 uma nova sede, com instalações modernas. A mudança transformou a Augustinho Brandão na construção mais bonita da cidade, frequentada por alunos em todos os turnos.
E se a estrutura ajuda, a gestão contribui ainda mais. Os resultados estão fazendo com que o modelo seja referência. “Estamos desenvolvendo um projeto para que o modelo de gestão seja seguido por unidades de ensino de dez municípios”, diz o secretário estadual de Educação, Átila Freitas Lira.

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