11 de dezembro de 2012

ITA projeta o novo ITA


Em parceria com o ‘primo’ MIT, ITA repensa currículo de seus cursos de Engenharia em meio a programa de expansão de vagas e da estrutura física

10 de dezembro de 2012 | 22h 24, O Estado de S.Paulo
Carlos Lordelo, enviado especial a São José dos Campos

Começa hoje um dos vestibulares mais temidos e disputados do País, o do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Ao longo de quatro dias, os 7.285 candidatos inscritos farão provas de português, redação, inglês, matemática, física e química. Só 120 deles vão ingressar na escola que forma a elite da engenharia nacional – e poderão acompanhar de perto um momento histórico. Em 2013 devem começar as obras de ampliação do ITA e a instalação de um centro de inovação em parceria com o Massachusetts Institute of Technology (MIT) em São José dos Campos, a 90 quilômetros de São Paulo.
O MIT, de onde veio o primeiro reitor do ITA, também ajudará o parceiro brasileiro a repensar o currículo dos cursos de graduação em Engenharia que oferece, nas modalidades Aeroespacial, Aeronáutica, Civil-Aeronáutica, Computação, Eletrônica e Mecânica-Aeronáutica. A ideia é incorporar o modelo de aprendizagem orientada para a solução de problemas, cuja premissa é a de que a apreensão dos conteúdos ocorre de modo mais eficaz quando o aluno lida com situações concretas.
“Nossos alunos têm enorme potencial e sempre procuram novos desafios. Precisamos trabalhar melhor a motivação deles, para que mantenham no ITA o mesmo entusiasmo de quando fizeram o vestibular”, diz o reitor Carlos Américo Pacheco. O centro de inovação será essencial nesse processo, porque terá entre os parceiros empresas como Petrobrás, Embraer e Vale. “O acordo com o MIT prevê uma agenda extensa de pesquisa em colaboração com eles e com grandes companhias.”
A vocação para inovação corre nas veias do ITA. A escola nasceu em 1950 para dar o pontapé inicial à criação da indústria aeronáutica no País. O fruto mais vistoso desse trabalho de formação de mão de obra especializada veio em 1969, com a fundação da Embraer, hoje a terceira maior fabricante de jatos civis do mundo e grande empregadora de ex-iteanos.
“Um ano de faturamento da Embraer equivale quase à soma dos orçamentos do ITA em toda a sua história”, diz o reitor. Para Pacheco, o instituto custa muito barato se comparado ao retorno que dá para a sociedade. O orçamento anual da escola gira em torno de R$ 100 milhões, valor que já inclui os recursos captados externamente. Só nas obras da expansão serão investidos R$ 300 milhões para a construção de salas de aula e dormitórios. O objetivo é duplicar o número de vagas oferecidas no vestibular de 2015.
Quase todos os alunos moram no alojamento instalado no câmpus de 12 quilômetros quadrados do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), em São José. Projetado por Oscar Niemeyer, o complexo do ITA inclui laboratórios, biblioteca e a residência estudantil – conhecida como H8. São três blocos com apartamentos de dois ou três quartos, cada um para duas pessoas, equipados com cama, mesa de estudo, guarda-roupa e prateleira. Os dormitórios têm uma pequena cozinha e um banheiro de uso comum. O “aluguel” custa R$ 50 por mês. A taxa também dá direito a alimentação no refeitório e assistência médico-odontológica.
Para Jéssica Meireles, de 21 anos, conviver com os colegas no H8 é uma das coisas mais legais de estudar no ITA. “Gosto de estar em meio a tanta gente querendo crescer.” Enquanto o Estadão.edu conhecia o alojamento de Jéssica, em uma tarde de novembro, suas cinco roommates mal tiraram os olhos dos livros. “Se tiver uma dúvida de madrugada, posso acordá-las e pedir ajuda.” Em época de provas, quase todo mundo passa noites em claro.
Nos primeiros dois anos de curso os alunos pegam as mesmas disciplinas: cálculo, química e desenho técnico, entre outras. Depois são alocados nas especialidades, de acordo com a pontuação e as opções que fizeram no vestibular. O curso profissional dura três anos.
Segundo o reitor, o debate sobre a renovação dos currículos busca reduzir a “excessiva fragmentação” da formação. “Hoje o mercado exige que o engenheiro trabalhe com sistemas complexos e integrados e que esteja minimamente preparado para aprender outros conteúdos ao longo da vida.” Por isso, cresce no ITA a ideia de criar um núcleo comum de disciplinas que permita ao estudante transitar com mais facilidade entre carreiras. “Para ser um bom engenheiro você precisa mais do que um forte grau de especialização.”
Assédio
O celeiro de talentos do ITA é alvo da cobiça do mercado. A empresa júnior, por exemplo, desenvolve projetos para companhias do porte da Microsoft e da TAM. Segundo o calouro e gerente de projetos Samuel Wolf, de 18, a ITA Júnior faz a ponte entre clientes e consultores – alunos escolhidos pela capacidade técnica, independentemente do estágio da formação. “Montamos treinamentos para que os consultores repassem conhecimento aos colegas. Assim, garantimos a continuidade do negócio.” A experiência como diretor executivo da ITA Júnior incentivou o formando da Mecânica Antônio Felipe Carvalho, de 24, a empreender. Ele lançou, com quatro colegas, a plataforma online Qwi, de conteúdo de matemática do ensino fundamental.
Segundo Antônio, o site está em desenvolvimento desde julho do ano passado e já tem mais de 400 atividades, que cobrem de operações simples até equações do segundo grau, funções e geometria.
A startup recebeu apoio inicial de investidores e agora busca fechar parcerias com escolas. “Como somos muito bons em matemática e sabemos que, em geral, os alunos têm dificuldade na matéria, decidimos ajudá-los”, diz. “É bom ter liberdade para fazer coisas em que realmente acredito.”
O caso da Qwi ainda é exceção no ITA, apesar de a escola reunir algumas das melhores cabeças do País em um momento de empreendedorismo em alta. O estímulo para alunos surfarem a onda das startups vem de fora, graças em parte ao trabalho da empresa júnior de promover cursos e palestras. “Muitos professores criticam a ideia de alunos abrirem empresa. Geralmente são os mais tradicionais, que acham que temos de dedicar nosso tempo resolvendo equações exponenciais”, diz Samuel.
Rotina
Por falar em dedicação, os alunos têm aulas de manhã e, à tarde, participam de atividades laboratoriais. A rotina impede o iteano de estagiar durante o semestre letivo. Resta esperar pelas férias de verão. Entre dezembro e fevereiro alguns estudantes vão para suas casas, enquanto outros, disputados a foice pelas companhias, fazem estágio.
No caso de Samuel Holanda, de 22, ex-presidente do Centro Acadêmico Santos Dumont, a responsabilidade de recepcionar os calouros fez com que adiasse os planos de estagiar. Ele decidiu então trancar o curso após o 4.º ano e partir para um intercâmbio em Budapeste, na Hungria, onde trabalhou no escritório de contabilidade da Nokia. Segundo Samuel, a experiência foi válida, mas serviu para mostrar que ele gosta, mesmo, é de engenharia. Em 2013 o estudante da Civil fará o estágio supervisionado obrigatório para formandos na sede da TAM, em São Paulo.
Empossado em novembro, o novo presidente do CA, Marcus Ganter, de 22, já pensa na programação do próximo trote, em 20 de janeiro. Para ele, o mais importante é transmitir aos bixos os valores do código de conduta do iteano, que prega a “disciplina consciente”. No ITA o aluno não pode nem pensar em colar ou assinar a lista de presença pelo colega, por exemplo. “São práticas que ferem nossos princípios éticos”, diz Marcus, estudante da Mecânica e aspirante a político. “Quero me envolver em projetos que deem retorno para o País, em retribuição à oportunidade de estudar no ITA.”
Imbuídos da cultura da retribuição, outro valor difundido entre iteanos, um grupo de alunos montou em 1997 um cursinho pré-vestibular gratuito para jovens carentes de São José. O CasdVest abre 520 vagas por ano e, na última rodada de processos seletivos, teve 180 aprovados em universidades públicas. O cursinho é gerido quase exclusivamente por estudantes do ITA, que dão aulas e cuidam da parte administrativa.
Aluno da Eletrônica, Toni Borgatto, de 23, trabalha voluntariamente no RH do CasdVest. Ele frequentou o cursinho por dois anos, logo após concluir o ensino médio na rede pública. Chegou a passar para a USP de São Carlos, mas o contato com os professores – agora colegas – do ITA o motivou a buscar uma vaga na escola. Toni precisou fazer mais dois anos de cursinho, no Poliedro, para ser aprovado.
“O curso no ITA é bem puxado, mas a galera ajuda muito”, diz Toni, cuja mãe é faxineira no hospital municipal. Ele entrou no instituto para ser militar. Assim, quando chegar ao 3.º ano, ganhará um salário na faixa de R$ 4,5 mil. “Se Deus quiser eu consigo me formar e ajudar minha família. Ainda tenho muita prova pela frente.”
Se vale um conselho, eis o que diz Mayara Condé, de 23, que ganhou a mais alta menção honrosa entre os formandos de 2011 por ter concluído o curso de Civil com média geral 9,5. “Prestava bastante atenção às aulas e organizava minha agenda para entregar tarefas e projetos bem feitos.” Simples assim. / COLABOROU CRISTIANE NASCIMENTO, ESPECIAL PARA O ESTADO

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