3 de dezembro de 2012

O destino da internet em jogo no tabuleiro político de Dubai


RIO — O futuro dos 2,3 bilhões de internautas no mundo, bem como dos 6 bilhões de usuários de celulares, pode estar em jogo a partir desta segunda-feira, quando começa em Dubai uma das maiores brigas de cachorro grande do planeta: a Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais (WCIT 12, na sigla em inglês), em Dubai. Mais de 1.500 delegados de 193 países e 700 entidades do setor privado e do meio acadêmico, além de observadores da sociedade civil, vão discutir a revisão das chamadas ITRs (regulamentações internacionais de telecom, na sigla em inglês) da ONU, sob o âmbito da União Internacional de Telecomunicações (UIT).
A última revisão do tema foi feita em 1988, em conferência na Austrália. Entre os temas, encontram-se questões de infraestrutura, interconexão, roaming de ligações internacionais e serviços. Mas o que está preocupando a comunidade internacional ligada à internet é a possibilidade de o equilíbrio delicado da neutralidade da rede e da governança do ciberespaço ser quebrado ao longo da discussão, com os países ganhando mais poder sobre a vida on-line.
— A mesma pressão que se vê no Congresso nessa questão da neutralidade ocorre em nível mundial — afirma o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do Marco Civil da Internet, cujo texto está emperrado na Câmara dos Deputados após debates envolvendo o tema. — Não por acaso, o Parlamento Europeu propôs na semana passada uma resolução instando seus países-membros a rejeitar quaisquer mudanças nas ITRs que prejudicassem a internet.
Um mundo pré-internet
Segundo Demi Getschko, presidente do Núcleo de Informação e Comunicação (NIC.br) do Comitê Gestor da Internet no Brasil, e um dos pais da internet no país, a UIT “jura de pés juntos” que nada na conferência em Dubai afetará a governança na internet, mas pode não ser bem assim.
— As ITRs consistem em acordos de compensação financeira entre provedores e operadoras de telecom mediante o tráfego internacional de dados. As empresas deveriam resolver isso entre elas, mas já há propostas dizendo que deveria haver um determinado equilíbrio no pagamento de países emissores e receptores pelo tráfego, o que me parece um tanto esquisito — diz Getschko. — Também temo (e espero que isso não aconteça) que a definição de telecomunicações passe a incluir a camada de conteúdo, a internet, o que extrapolaria a ideia de infraestrutura que sempre prevaleceu no conceito.
De acordo com o especialista, o mundo da UIT é o anterior à internet, em que os países assinavam acordos no âmbito da telefonia. Já o mundo on-line seria mais democrático, funcionaria mais “de baixo para cima”, em fóruns como o Internet Governance Forum (IGF) e a Internet Engineering Task Force (IETF).
A posição de que a UIT e a ONU não seriam os fóruns ideais para resolver o futuro da internet é compartilhada por empresas do mundo conectado, como a Google, e entidades de defesa da internet como Fight for the Future e Access, que lançaram campanhas nesse sentido, lembrando que as decisões em Dubai seriam tomadas a portas fechadas e não espelhariam os direitos dos internautas. A UIT respondeu ao Google dizendo que todo o processo de preparação do evento foi transparente e que seu objetivo é “continuar habilitando a internet, como fez desde o nascimento da rede”.
Alguns especialistas acreditam que o evento pode não trazer grandes mudanças, já que seria necessário unanimidade para mudar qualquer regra. É o que pondera Joana Varon, pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV.
— Nas delegações, o foco são os governos e a indústria, mas a sociedade civil está sub-representada. No entanto, não acho que o evento “acabará” com a internet como a conhecemos, até por pressões dos EUA e de gigantes como a própria Google.
Neutralidade da internet deverá ser discutida na conferência
A neutralidade da rede, que prevê tráfego igualitário de pacotes de dados na internet, é outro ponto que deverá ser abordado na WCIT 12. É defendida por empresas de internet e pela sociedade civil. Já para as operadoras, a ausência da neutralidade representa a chance de novos serviços.
— Se há um usuário que baixa vídeos e outro que só manda e-mails, por que não oferecer acesso mais barato do segundo do que do primeiro? É preciso que haja serviços diferenciados — defende Eduardo Levy, presidente do Sinditelebrasil, órgão que representa as operadoras. — A UIT acredita que, como a internet roda em cima da infraestrutura de telecomunicações, ela merece ser discutida também.

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