Inspiradas em ‘Diário de classe’, páginas no Facebook denunciam problemas em escolas
RIO - Uma foto mostra infiltrações deteriorando o teto de uma sala na Escola Estadual de São Paulo, na capital paulistana. Em outra imagem, um professor da Escola Estadual Maria Honorina Santiago, em Santa Rita, na Paraíba, aparece escrevendo de joelhos num quadro negro que se soltou da parede. E, no Rio Grande do Sul, a quadra esportiva da Escola Estadual de Ensino Médio Villa Lobos, em São Leopoldo, é retratada com piso e alambrado bastante danificados. Essas fotos, e muitas outras vindas de diversas partes do Brasil, estão todas no Facebook. Foram publicadas em perfis criados por estudantes que se inspiraram na página “Diário de Classe”, da estudante Isadora Faber, de Florianópolis.
A história dessa catarinense de 13 anos ganhou projeção nacional. Em julho, ela criou a página na rede social para expor os problemas da Escola Municipal Maria Tomázia Coelho, onde estuda. Orelhão quebrado, fios elétricos desencapados, falta de professores... Tudo foi parar na internet. Em pouco tempo, sua iniciativa foi ganhando admiradores. Hoje, “Diário de Classe” já tem mais de 500 mil “curtidas” no Facebook, e gerou mobilização. Isadora administra um fórum com 99 alunos de diferentes escolas brasileiras, e acha que já foram criadas mais de cem páginas inspiradas na sua inciativa. Juntas, elas formam um mapa de deficiências nas condições de ensino do Brasil.
Com três meses de existência e atualizações diárias, a página dedicada a relatar dificuldades na Escola Estadual de São Paulo, tradicional instituição pública na capital paulista, já coleciona algumas conquistas, segundo seus responsáveis.
— Depois das denúncias, a escola tapou um buraco que tinha no pátio e tirou ferros retorcidos que poderiam machucar as pessoas. Também fizemos com que colocassem portas em algumas salas, arrumassem ventiladores e o banheiro, que estava em uma situação horrorosa, com canos quebrados, vaso sanitário fora do lugar e uma poça gigante de água misturada com urina no chão — conta o aluno Guilherme Patricio, de 14 anos, que cuida da página com ajuda de dois amigos.
Já o “Diário de Classe de Itamaraju” se propõe a mostrar problemas de todas as escolas da cidade no Sul da Bahia. Junto com uma amiga, o estudante Emerson Mendes, de 17 anos, do Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães, percorre os endereços onde verifica as falhas e conversa com os responsáveis pelas unidades. Já fotografou salas de aula em situação precária, falta de extintores de incêndio e outras deficiências. Numa imagem, eles mostram o banheiro deplorável do Colégio Reitor Edgar Santos e ironizam: “Você usaria?”. Quando conseguem a resolução, o problema ganha um “antes e depois”.
— Cerca de 70% das denúncias apresentadas foram solucionadas até agora. Enfrentamos imensas dificuldades, mas, quando lutamos e vemos as melhorias acontecendo, é muito gratificante — orgulha-se Emerson.
O espaço no Facebook criado para expor problemas da Escola Tenente Rêgo Barros, em Belém, tem fotos de uma fiação elétrica totalmente exposta. Já na página “Caos na Educação”, seguida por dez mil pessoas e administrada por um professor, são publicadas denúncias vindas de diferentes estados. Em alguns casos, os autores das páginas preferem não se identificar. É o caso do responsável pelo diário virtual sobre a Escola Estadual de Ensino Médio Professor Pedro Augusto Porto Caminha, em João Pessoa (PB).
— Pouca coisa já foi resolvida. Os banheiros já ganharam portas, mas continuam sujos. A pia é ruim e não há espelho. Além da falta de professores, não há um lugar agradável onde os alunos possam descansar nos intervalos, por exemplo — critica o estudante anônimo.
No Sul do país, o jovem William Amaral, de 17 anos, segue com um perfil feito para a Escola Estadual de Ensino Médio Villa Lobos, em São Leopoldo (RS). Aluno do 2º ano do ensino médio, ele mostra situações como instalações elétricas precárias e piso deteriorado, e pede posicionamentos da direção. Nem mesmo a planilha de gastos da escola fica de fora das cobranças do garoto. Segundo ele, a meta é “abrir os olhos” dos colegas acerca do que há de errado e incentivá-los a buscar seus direitos:
— Junto com todos que participam da página, já foi possível conseguir melhorias, não só estruturais como comportamentais. Muitos já não depredam mais a escola e professores não faltam com tanta frequência. Além disso, trincos, portas e janelas foram trocados, assim como lâmpadas e ventiladores consertados.
Isadora se surpreende com repercussão
A jovem Isadora se diz surpresa com a dimensão alcançada pela sua iniciativa:
— Quando criei o “Diário de Classe”, até esperava que as pessoas curtissem a página, mas não imaginava que teria essa proporção. Acho que essas comunidades são muito importantes porque, conforme os problemas são apresentados, os responsáveis pela educação sentem vergonha e buscam melhorias.
Dar conta desse tipo de conteúdo não é fácil. A própria Isadora chegou a sofrer duras ameaças. No caso mais grave, a avó dela foi atingida no rosto por uma pedra atirada na casa da família. Além disso, ela diz que já foi ameaçada dentro da própria escola, e certa vez foi intimada a prestar depoimento em uma delegacia, acusada de calúnia e difamação por uma professora. Mesmo assim, não pensa em parar:
— Mesmo quando deixar a escola, quero percorrer colégios para mostrar os problemas enfrentados pelos alunos.
Especialistas elogiam iniciativas
Para o economista Gustavo Ioschpe, especializado em economia da educação, a atitude desses jovens tem grande relevância ao trazer à tona informações pouco conhecidas. Como ele compara, a educação pública brasileira ainda é uma caixa preta, em que todos sabem quanto dinheiro entra, mas não há clareza sobre a aplicação dessa verba:
— A única maneira de descobrirmos a realidade dessas escolas é por meio desses alunos. E isso vai ter um impacto tremendo, já que a sociedade ainda tem uma visão muito opaca e equivocada sobre o que acontece no interior desses locais.
A diretora-executiva da ONG Todos pela Educação, Priscila Cruz, também elogia a mobilização. Para ela, tratam-se de jovens que estão conscientes de como a educação de qualidade é um direito, o que já é um bom sinal de mudança. Agora, cabe aos estudantes não ficarem restritos ao campo das denúncias:
— É preciso participar das soluções, discutindo qual o papel de cada um na busca de uma escola melhor.
Priscila destaca que esse movimento criado pelos estudantes na internet ainda não entrou em pauta nos órgãos maiores. Entretanto, ela espera que, conforme essas iniciativas ganhem corpo, os gestores públicos comecem a voltar seus olhares para o que está sendo divulgado.
— Trata-se de informação preciosa, vinda diretamente da fonte — conclui a educadora.
O GLOBO procurou as secretarias de Educação dos estados citados nesta reportagem. Somente as de São Paulo e Rio Grande do Sul responderam. Segundo nota enviada, a secretária-adjunta da Educação do Rio Grande do Sul, Maria Eulália Nascimento, diz acreditar que “não é possível virar as costas para essas páginas, que podem ser importantes na hora de acompanhar e fiscalizar o que está acontecendo dentro das escolas”. Entretanto, segundo ela, é preciso ter cuidado e levar em consideração quais são os reais interesses por trás do conteúdo. Ela acha que seria difícil acompanhar essas comunidades e não soube informar se isso vem sendo feito.
Também por nota, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo reconheceu o direito de expressão dos alunos, mas enfatizou que as reclamações devem ser encaminhadas primeiramente aos canais competentes, como a direção da escola ou a diretoria regional de ensino. O órgão informou que a Escola Estadual de São Paulo tem recebido melhorias, e que está prevista uma reforma geral, com investimento de R$ 4,6 milhões. A previsão é começar as obras no primeiro trimestre de 2013, após licitação.
A história dessa catarinense de 13 anos ganhou projeção nacional. Em julho, ela criou a página na rede social para expor os problemas da Escola Municipal Maria Tomázia Coelho, onde estuda. Orelhão quebrado, fios elétricos desencapados, falta de professores... Tudo foi parar na internet. Em pouco tempo, sua iniciativa foi ganhando admiradores. Hoje, “Diário de Classe” já tem mais de 500 mil “curtidas” no Facebook, e gerou mobilização. Isadora administra um fórum com 99 alunos de diferentes escolas brasileiras, e acha que já foram criadas mais de cem páginas inspiradas na sua inciativa. Juntas, elas formam um mapa de deficiências nas condições de ensino do Brasil.
Com três meses de existência e atualizações diárias, a página dedicada a relatar dificuldades na Escola Estadual de São Paulo, tradicional instituição pública na capital paulista, já coleciona algumas conquistas, segundo seus responsáveis.
— Depois das denúncias, a escola tapou um buraco que tinha no pátio e tirou ferros retorcidos que poderiam machucar as pessoas. Também fizemos com que colocassem portas em algumas salas, arrumassem ventiladores e o banheiro, que estava em uma situação horrorosa, com canos quebrados, vaso sanitário fora do lugar e uma poça gigante de água misturada com urina no chão — conta o aluno Guilherme Patricio, de 14 anos, que cuida da página com ajuda de dois amigos.
Já o “Diário de Classe de Itamaraju” se propõe a mostrar problemas de todas as escolas da cidade no Sul da Bahia. Junto com uma amiga, o estudante Emerson Mendes, de 17 anos, do Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães, percorre os endereços onde verifica as falhas e conversa com os responsáveis pelas unidades. Já fotografou salas de aula em situação precária, falta de extintores de incêndio e outras deficiências. Numa imagem, eles mostram o banheiro deplorável do Colégio Reitor Edgar Santos e ironizam: “Você usaria?”. Quando conseguem a resolução, o problema ganha um “antes e depois”.
— Cerca de 70% das denúncias apresentadas foram solucionadas até agora. Enfrentamos imensas dificuldades, mas, quando lutamos e vemos as melhorias acontecendo, é muito gratificante — orgulha-se Emerson.
O espaço no Facebook criado para expor problemas da Escola Tenente Rêgo Barros, em Belém, tem fotos de uma fiação elétrica totalmente exposta. Já na página “Caos na Educação”, seguida por dez mil pessoas e administrada por um professor, são publicadas denúncias vindas de diferentes estados. Em alguns casos, os autores das páginas preferem não se identificar. É o caso do responsável pelo diário virtual sobre a Escola Estadual de Ensino Médio Professor Pedro Augusto Porto Caminha, em João Pessoa (PB).
— Pouca coisa já foi resolvida. Os banheiros já ganharam portas, mas continuam sujos. A pia é ruim e não há espelho. Além da falta de professores, não há um lugar agradável onde os alunos possam descansar nos intervalos, por exemplo — critica o estudante anônimo.
No Sul do país, o jovem William Amaral, de 17 anos, segue com um perfil feito para a Escola Estadual de Ensino Médio Villa Lobos, em São Leopoldo (RS). Aluno do 2º ano do ensino médio, ele mostra situações como instalações elétricas precárias e piso deteriorado, e pede posicionamentos da direção. Nem mesmo a planilha de gastos da escola fica de fora das cobranças do garoto. Segundo ele, a meta é “abrir os olhos” dos colegas acerca do que há de errado e incentivá-los a buscar seus direitos:
— Junto com todos que participam da página, já foi possível conseguir melhorias, não só estruturais como comportamentais. Muitos já não depredam mais a escola e professores não faltam com tanta frequência. Além disso, trincos, portas e janelas foram trocados, assim como lâmpadas e ventiladores consertados.
Isadora se surpreende com repercussão
A jovem Isadora se diz surpresa com a dimensão alcançada pela sua iniciativa:
— Quando criei o “Diário de Classe”, até esperava que as pessoas curtissem a página, mas não imaginava que teria essa proporção. Acho que essas comunidades são muito importantes porque, conforme os problemas são apresentados, os responsáveis pela educação sentem vergonha e buscam melhorias.
Dar conta desse tipo de conteúdo não é fácil. A própria Isadora chegou a sofrer duras ameaças. No caso mais grave, a avó dela foi atingida no rosto por uma pedra atirada na casa da família. Além disso, ela diz que já foi ameaçada dentro da própria escola, e certa vez foi intimada a prestar depoimento em uma delegacia, acusada de calúnia e difamação por uma professora. Mesmo assim, não pensa em parar:
— Mesmo quando deixar a escola, quero percorrer colégios para mostrar os problemas enfrentados pelos alunos.
Especialistas elogiam iniciativas
Para o economista Gustavo Ioschpe, especializado em economia da educação, a atitude desses jovens tem grande relevância ao trazer à tona informações pouco conhecidas. Como ele compara, a educação pública brasileira ainda é uma caixa preta, em que todos sabem quanto dinheiro entra, mas não há clareza sobre a aplicação dessa verba:
— A única maneira de descobrirmos a realidade dessas escolas é por meio desses alunos. E isso vai ter um impacto tremendo, já que a sociedade ainda tem uma visão muito opaca e equivocada sobre o que acontece no interior desses locais.
A diretora-executiva da ONG Todos pela Educação, Priscila Cruz, também elogia a mobilização. Para ela, tratam-se de jovens que estão conscientes de como a educação de qualidade é um direito, o que já é um bom sinal de mudança. Agora, cabe aos estudantes não ficarem restritos ao campo das denúncias:
— É preciso participar das soluções, discutindo qual o papel de cada um na busca de uma escola melhor.
Priscila destaca que esse movimento criado pelos estudantes na internet ainda não entrou em pauta nos órgãos maiores. Entretanto, ela espera que, conforme essas iniciativas ganhem corpo, os gestores públicos comecem a voltar seus olhares para o que está sendo divulgado.
— Trata-se de informação preciosa, vinda diretamente da fonte — conclui a educadora.
O GLOBO procurou as secretarias de Educação dos estados citados nesta reportagem. Somente as de São Paulo e Rio Grande do Sul responderam. Segundo nota enviada, a secretária-adjunta da Educação do Rio Grande do Sul, Maria Eulália Nascimento, diz acreditar que “não é possível virar as costas para essas páginas, que podem ser importantes na hora de acompanhar e fiscalizar o que está acontecendo dentro das escolas”. Entretanto, segundo ela, é preciso ter cuidado e levar em consideração quais são os reais interesses por trás do conteúdo. Ela acha que seria difícil acompanhar essas comunidades e não soube informar se isso vem sendo feito.
Também por nota, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo reconheceu o direito de expressão dos alunos, mas enfatizou que as reclamações devem ser encaminhadas primeiramente aos canais competentes, como a direção da escola ou a diretoria regional de ensino. O órgão informou que a Escola Estadual de São Paulo tem recebido melhorias, e que está prevista uma reforma geral, com investimento de R$ 4,6 milhões. A previsão é começar as obras no primeiro trimestre de 2013, após licitação.
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