5 de janeiro de 2013

Por um ensino digno de nota ,Maria Alice Setubal





O salto de qualidade de que a escola brasileira precisa depende da aplicação de mais dinheiro


O salto de qualidade de que a escola brasileira precisa depende da aplicação de mais dinheiro


Para combater a crise do ensino médio, tecnologia e novas práticas pedagógicas


Para combater a crise do ensino médio, tecnologia e novas práticas pedagógicas
O Brasil vive o desafio de formar alunos críticos, conectados a novas tecnologias e capazes de selecionar conhecimentosCarta Capital, 4/1/2013

Educação tem sido tema de debates e estudos não apenas no Brasil, mas nos mais diferentes países, dada a complexidade da sociedade contemporânea I e seus desafios em escala global. Nesse contexto, a questão que se coloca é: como a educação pode responder aos desafios do século XXI? E, no caso específico do Brasil, como desenhar uma política educacional que tenha como eixos estruturantes a equidade e a sustentabilidade?
Sob uma perspectiva macro, as pesquisas e estudos tanto em nível nacional como internacional têm apontado a necessidade de uma educação ao longo da vida, pautada pelos direitos e a partir de uma visão sistêmica, ou seja, numa articulação das dimensões social, cultural, econômica e ambiental que contemple os planos local, nacional e global.
Do ponto de vista do aluno, o que se busca é formar um estudante reflexivo, crítico, com autonomia na aprendizagem, conectado às novas tecnologias e capaz de buscar e selecionar conhecimentos, ao mesmo tempo que é pautado por uma cidadania ética e responsável. Horizontalizar as relações de aprendizagem de forma participativa, implementar a construção colaborativa do conhecimento e individualizar a aprendizagem de modo a contemplar os diferentes interesses, níveis de aprendizagem e formas de aprender são aspectos que fazem parte do debate atual das políticas educacionais. Valores como respeito, sustentabilidade, participação, diversidade e paz também são fundamentais para integrar a educação aos desafios contemporâneos.
Tendo esse cenário mais amplo como pano de fundo de nossa discussão, destacarei os programas da gestão Dilma Rousseff que mais contribuem para a viabilização de uma educação de qualidade, com equidade, e elencarei pontos de atenção em que ainda é preciso avançar. Um primeiro aspecto a observar é que este governo é marcado pela continuidade das ações da gestão Lula na educação, por se tratar de uma área que exige investimentos de médio e longo prazo.
Direitos de aprendizagem
Atualmente, o Ministério da Educação (MEC) discute os chamados direitos de aprendizagem - antes denominados expectativas de aprendizagem. A ideia é que o documento defina exatamente o que se espera de todos os alunos: que tenham aprendido ao concluírem uma determinada série ou nível de ensino. A concretização dessa política poderá trazer um consenso sobre os conteúdos realmente importantes a serem ministrados em todo o País, sem excluir a possibilidade de complementação de acordo com as diferentes realidades em que as escolas se inserem.
Nesse sentido, a definição das expectativas ou direitos de aprendizagem constitui-se como política urgente e necessária para que o Estado assegure a toda criança, sem exceção, o direito de aprender.
Segundo o MEC, ainda em 2012 deveriam ser divulgados os direitos de aprendizagem relacionados aos três primeiros anos do Ensino Fundamental, que correspondem ao ciclo de alfabetização. O documento se alinha a um conjunto maior de ações - o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), lançado em novembro de 2012 pela presidenta Dilma.
O pacto tem como objetivo garantir a alfabetização em Língua Portuguesa e Matemática até o 3 o ano do Ensino Fundamental de todas as crianças. O índice de crianças não alfabetizadas, segundo dados do Censo 2010, revela as profundas desigualdades sociais existentes no País. Enquanto, no Paraná, 4,9% das crianças não estão alfabetizadas aos 8 anos, no Pará, esse índice atinge quase um terço das crianças (32%). A média nacional é de 15,2%.
As ações com foco na redução da pobreza continuam como prioridade na gestão Dilma. Em maio de 2012 foi lançado o Programa Brasil Carinhoso, com o objetivo de superar a miséria em todas as famílias com crianças de O a 6 anos, além de ampliar o acesso à creche, pré- -escola e saúde. Com o Proinfância no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o governo federal quer alcançar a construção de 6 mil escolas de educação infantil. São iniciativas que certamente terão efeitos positivos sobre o aprendizado, pois já está cientificamente comprovada a importância do desenvolvimento integral na Primeira Infância e seu impacto sobre o desempenho escolar posterior da criança.
Qualificação.
Os cursos técnicos precisam de 24 bilhões de reais nos próximos dois anos
Mais recursos para a educação
A conclusão da votação do Plano Nacional de Educação (PNE), cujo texto aprovado fixa a aplicação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na educação até 2020, é o meu ponto de partida para iniciar essa análise. Para a viabilização desse patamar, a presidenta Dilma Rousseff e o ministro da Educação, Aloízio Mercadante, defenderam que 100% dos royalties advindos dos novos contratos da exploração do petróleo fossem destinados à educação. Diante da não aprovação pela Câmara dos Deputados, a expectativa agora dos que lutam por uma educação pública de qualidade é que a presidenta Dilma vete o trecho do texto que determina, de forma genérica, a aplicação do dinheiro em áreas consideradas prioritárias. O salto de qualidade, que a educação brasileira precisa, deve estar apoiado em um conjunto de programas e ações, o que passa, sim, pela injeção de mais recursos na área.
Como o MEC não faz a gestão direta da Educação Básica, a criação de um Sistema Nacional de Educação, proposta que integra o PNE e que tem como objetivo efetivar o regime de colaboração entre as instâncias federal, estadual e municipal, contribuirá para tornar o melhor possível o uso desses recursos.
A Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino, criada pelo MEC em 2011, está buscando viabilizar arranjos educacionais entre os municípios, a fim de que eles se articulem para programar políticas de formação de professores, compras, material didático etc. Esse pode ser um primeiro passo na organização desse Sistema Nacional, evitando a sobreposição de programas e o desperdício de recursos em razão da falta de comunicação e interação entre as políticas.
Valorização do magistério
O piso do magistério é uma importante conquista na luta por uma educação de qualidade. Sua atualização em 2012, para 1.451 reais, é tema de debate do MEC com estados e municípios que não o cumprem.
Em relação aos professores da Educação Básica, é importante destacar os diversos programas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) voltados tanto para formação inicial, como o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) e o Programa de Consolidação das Licenciaturas (Prodocência), quanto para a formação continuada, como o Novos Talentos, Residência Docente e Olimpíadas Científicas. Faz-se necessário, no entanto, a publicização de avaliações desses programas, a maioria deles sob a responsabilidade das universidades públicas, para que haja maior transparência na aplicação dos recursos e no acompanhamento dos seus resultados.
Vale, ainda, a menção à distribuição de tablets para os professores, que, sem dúvida, pode ser uma medida importante na atualização desses profissionais e na diversificação das estratégias de ensino. Entretanto, a tecnologia isolada não mudará as condições e a qualidade das aulas. A iniciativa deve ser acompanhada de um grande esforço de capacitação dos educadores.
Educação integral
O governo federal também vem investindo na expansão da educação integral por meio do Programa Mais Educação. O programa oferece apoio técnico e financeiro às redes que aderem à sua proposta. Ao mesmo tempo que atua como estratégia para a redução das desigualdades, priorizando as escolas situadas em territórios socialmente vulneráveis, o Mais Educação está conectado a uma visão educacional sistêmica ao promover, em conjunto com o ensino regular, a realização de atividades nas áreas de cultura, esportes e meio ambiente, dentre outras, considerando todo o território e não só a escola como espaço educativo. Seu desenho é bastante interessante, pois contempla a diversidade cultural brasileira e possibilita a valorização dos saberes presentes na comunidade.
O programa pretendia atingir 30 mil escolas até o fim de 2012 com 4,5 milhões de alunos atendidos. A meta é chegar a 60 mil escolas até 2014. No entanto, os recursos do MEC vão direto para as unidades escolares, o que prejudica uma maior integração em nível de cada rede de ensino, gerando fragmentação e dispersão das ações.
Ensino Médio
Na introdução de mudanças para assegurar uma formação que prepare os estudantes para enfrentar os desafios da sociedade contemporânea, o Brasil tem caminhado em descompasso com a velocidade exigida pelas transformações advindas das novas tecnologias e da globalização.
Conexão, uma nova divisão de disciplinas poderia despertar o interesse pelo conhecimento
Um avanço importante foi dado com a revisão das diretrizes curriculares do Ensino Médio, a serem implementadas a partir de 2013. Em consonância com uma visão mais sistêmica de sociedade, as novas diretrizes procuram romper a fragmentação dos conteúdos, propondo a divisão das matérias por quatro áreas do conhecimento: Linguagens, Matemáticas, Ciências da Natureza e Ciências Humanas.
Como os estados têm autonomia para gerir suas redes, uma iniciativa do MEC, que visa induzir a reestruturação curricular desse nível de ensino, é o Ensino Médio Inovador, concedendo apoio técnico e financeiro às secretarias estaduais que aderem à proposta. Em 2012, o programa foi implantado em 24 estados, mais o Distrito Federal, beneficiando 1,7 milhão de alunos.
Fazer frente à chamada "crise do Ensino Médio", visível nos elevados índices de evasão e abandono escolar nessa etapa, passa, no entanto, por uma reforma mais profunda, que deve englobar outros elementos além do currículo: revisão das práticas pedagógicas, uso das novas tecnologias na escola, diversificação dos modelos de Ensino Médio, adequação às expectativas e projetos de vida dos jovens, entre outros.
O ensino técnico apresenta-se como um dos poucos caminhos alternativos aos que não pretendem ingressar no ensino superior e o MEC vem apostando na sua expansão e fortalecimento por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec), criado em 2011, cuja previsão de investimentos é de 24 bilhões de reais até 2014.
Com a implementação desses programas e ampliação do ProUni, a presidenta Dilma busca responder às demandas do mercado de trabalho por uma melhor qualificação de nossa mão de obra.
Uma ressalva a ser feita é que, embora a implementação dessas políticas tenha muitos méritos, a melhora da qualidade da nossa mão de obra só se efetivará, de fato, com a melhora da Educação Básica como um todo. As experiências dos países desenvolvidos que alcançam os melhores resultados nas avaliações internacionais demonstram que não há milagres.
Qualidade com equidade
Considerando que as políticas do MEC buscam criar as condições para que o País possa dar um salto de qualidade e equidade na educação, o êxito desses esforços dependerá de alguns pontos, como: 1) O aumento de recursos, com o objetivo de expandir programas aqui mencionados, especialmente os voltados para as populações mais vulneráveis, que exigem políticas e acompanhamentos quase personalizados. 2) A articulação das diferentes instâncias federativas e das diferentes políticas. 3) Avaliações dos programas para o monitoramento dos resultados e a realização de eventuais ajustes no rumo das políticas. 4) Formulação e implantação de políticas educacionais específicas para regiões e territórios que apresentam profundas desigualdades sociais, econômicas e culturais, a fim de promover equidade na oferta de oportunidades educativas. 5) Finalmente, uma posição clara da presidenta Dilma, colocando a educação como prioridade e integrada a um modelo de desenvolvimento sustentável do País, mobilizando gestores estaduais e municipais para a causa da educação.
Doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, preside os Conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária e da Fundação Tide Setúbal e integra o Conselho do Instituto Democracia e Sustentabilidade

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