5 de abril de 2013

MOISÉS NAÍM: EUA desperdiçaram catástrofe



A recuperação começou, a crise econômica terminou, mas o impasse reina em Washington

A boa notícia é que a economia americana está se recuperando. A má é que os esforços heroicos -e eficazes- de Obama para evitar a catástrofe que ele herdou não trataram das razões estruturais que deixam a situação fiscal dos EUA fraca.
A precariedade fiscal do país tem três razões: índice de poupança dos mais baixos do mundo, política de saúde das mais caras e com pior razão custo-benefício do mundo e alta desigualdade de renda.
Em 2011, as economias nacionais líquidas dos EUA representaram 0,7% do PIB. Para enxergar essa cifra em perspectiva, vale lembrar que a cifra equivalente foi de 6,1% na Alemanha, 6,6% no Japão e espantosos 40,6% na China.
O sistema tributário americano não apenas gera menos receita como tende a taxar a renda, e não o consumo. Um sistema melhor também limitaria as transferências grandes que hoje ocorrem dos jovens para os idosos relativamente ricos, que são grandes gastadores. E isso deveria começar pela saúde.
As famílias americanas gastam muito e poupam pouco. O governo é ainda pior. O custo enorme e rapidamente crescente da saúde é uma das principais razões. Os EUA gastam 18% de seu PIB com a saúde, porcentagem 80% superior à média da OCDE. Mas a saúde dos EUA ainda exclui muitas pessoas e é ineficiente. A expectativa de vida, a mortalidade infantil e outros indicadores são substancialmente piores que os de outros países ricos.
O alto custo da saúde nos EUA pode ser atribuído principalmente aos preços altos, e não à utilização maior do sistema por uma sociedade em processo de envelhecimento.
As disparidades são apenas mais uma manifestação do abismo rapidamente crescente de renda e riqueza. Os EUA têm a maior desigualdade econômica dos países avançados, quase tão grande quanto as de México, Turquia ou Chile, países pobres afetados há muito tempo por altos níveis de desigualdade.
A distribuição da renda nos EUA é tão desigual que modificações pequenas no topo resultarão em aumento substancial aos mais pobres.
Se reformas dos impostos e gastos sociais levassem os EUA à metade da média da OCDE ou a um quarto do nível da Suécia, milhões de americanos sairiam da pobreza. Se os impostos cobrados do 1% mais rico subissem 4% e o dinheiro fosse transferido para os 10% mais pobres, a renda destes subiria 50%.
Essas reformas não precisam ser promovidas da noite para o dia. Se fossem implementadas em sete anos, os efeitos do crescimento que tendem a beneficiar escalões mais altos de renda quase certamente contrabalançariam facilmente os efeitos da elevação dos impostos e da redução dos benefícios.
Isso não vai acontecer. A recuperação começou, a crise terminou, o obstrucionismo e o impasse reinam em Washington e a vontade de lançar reformas ousadas desapareceu. Uma crise foi desperdiçada.

Folha de S.Paulo, 5/4/2013

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