3 de abril de 2013

ONU aprova controle a comércio de armas


Texto considerado histórico manda países evitarem que elas sejam usadas, por exemplo, em crimes contra humanidade
Acordo valerá quando 50 países o tiverem ratificado; Brasil vota a favor; Coreia do Norte, Irã e Síria são contra
JOANA CUNHADE NOVA YORK, Folha de S.Paulo, 3/4/2013

Após quase dez anos de negociações, o primeiro tratado internacional para regular o comércio de armas foi aprovado ontem pela Assembleia-Geral da ONU, em Nova York.
Com 154 votos a favor, 3 contrários e 23 abstenções, o acordo tem o objetivo de controlar um mercado estimado em US$ 70 bilhões anuais, que abrange de navios e tanques a armas pequenas.
Armas não convencionais (nucleares, químicas e biológicas) não estão cobertas pelo novo acordo.
Pelo documento, os países terão de impedir que armas exportadas violem embargos, cheguem ao mercado ilegal ou sejam usadas em terrorismo, genocídio ou crimes contra a humanidade.
O texto foi classificado de histórico, apesar de fragilidades: a principal, o fato de não haver penalidade a quem não cumprir o acertado. Além disso, grande parte do comércio internacional de armas é feito por via informal, como contrabando.
Os signatários precisam ratificar o tratado, que entrará em vigor quando isso tiver sido feito por 50 países.
Votaram contra Estados envolvidos em controvérsias globais ligadas ao tema: Coreia do Norte, Irã e Síria já haviam bloqueado decisão consensual na semana passada.
A Rússia, que ficou entre os que se abstiveram, é um dos maiores exportadores mundiais do setor e tem seu fornecimento à Síria questionado pelas potências ocidentais.
Outro peso-pesado da indústria bélica, a China também se absteve, assim como Índia, Egito, Venezuela e Cuba. Apesar do voto favorável do Brasil, o país considerou que restaram lacunas.
A embaixadora brasileira na ONU, Maria Luiza Viotti, afirmou em seu discurso que o país participou do "processo de negociação do tratado desde seus primeiros momentos". Disse, porém, que a inclusão de alguns elementos teria contribuído para um resultado mais significativo.
Segundo o Brasil, o documento poderia ter sido mais preciso com relação à logística do comércio de munições, que recebeu tratamento menos severo. Uma pessoa próxima aos negociadores disse à Folha que essa medida não teve apoio de alguns dos grandes produtores como EUA e Rússia.
CERTIFICADOS
Outro ponto defendido pelo Brasil era o de que fossem exigidos certificados dos governos sobre quem seriam os usuários finais dos produtos bélicos. Mas a medida foi considerada de difícil implementação por alguns de seus pares na ONU.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores, tratou-se de uma negociação que envolveu muitos países, o que tornou complexa a inclusão de todos os aspectos.
Para o presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Peter Maurer, apesar da maioria, o consenso teria sido importante para fortalecer o combate à violência.
Já a Anistia Internacional, que classificou de "cínicas" as votações de Irã, Coreia do Norte e Síria, afirmou que, a despeito das posições contrárias, a grande maioria das nações demonstrou apoio a um tratado histórico.


Para o Brasil, maior impacto deve ser quanto à transparência
DE SÃO PAULOO maior impacto do Tratado de Comércio de Armas no Brasil deve ser a transparência na venda de armamentos, segundo especialistas.
Para Daniel Mack, coordenador internacional do Instituto Sou da Paz, o tratado é um "ganho estratosférico" para um setor que convive com uma lacuna de regulamentação internacional.
"Exportações hoje são quase secretas. Agora, os critérios para venda de armas estão bem definidos", disse.
O Brasil é um dos maiores exportadores de armas leves (revólveres e pistolas), segundo o Small Arms Survey, o principal estudo a respeito do assunto, realizado pelo Instituto de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento em Genebra.
Álvaro Gullo, do departamento de sociologia da USP, diz que, com o tratado, empresas do setor terão de se questionar "para quem e como vamos vender".
"Todos os conflitos na África são resultado de armas vendidas em troca de recursos naturais do continente, como diamantes", afirmou.
No ano passado, a Folha revelou, através da Lei de Acesso à Informação, depois de dois pedidos negados pelo Ministério da Defesa, que o Brasil vendeu ao Zimbábue nos anos de 2001 e 2002 uma bomba proibida pela comunidade internacional.
O país era acusado de ajudar o vizinho Congo, que enfrentava uma guerra civil.
Também no ano passado, em um comunicado enviado à ONU, o Brasil se mostrou contrário à transparência no setor de armas.
Para Gullo, outro problema a ser enfrentado no Brasil é o comércio ilegal. "Sem um controle efetivo das fronteiras, não há como controlar o tráfico de armas".
Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato de Lima vê avanços no tratado e também defende maior transparência na indústria nacional.
"Por mais que seja um mercado estratégico, sem dúvida o mecanismo de controle transnacional faz com que tenhamos mais clareza sobre o mercado de armas leves no Brasil."
Estima-se que o faturamento da Taurus, maior empresa do ramo de armamentos do País, tenha ficado em torno de R$ 700 milhões em 2012. Exportações seriam responsáveis por 60% desse total. (EDUARDO VASCONCELOS)
    ANÁLISE
    Fuzis são as reais armas de destruição em massa
    RICARDO BONALUME NETODE SÃO PAULO"Armas de destruição em massa" costumam ser uma das grandes preocupações mundiais, sejam elas nucleares, biológicas ou químicas.
    Fizeram parte do pretexto americano para invadir o Iraque em 2003 -comprovadamente errado. O risco de que possam cair na mão de terroristas explica a ênfase ocidental na "guerra ao terror".
    Mas as verdadeiras armas de destruição em massa são bem mais simples e convencionais: fuzis, granadas, minas explosivas.
    E praticamente todo o planeta com uma base industrial relativamente simples consegue produzi-las.
    São estatísticas que não mentem. Desde a Segunda Guerra Mundial, terminada em 1945, apenas duas bombas atômicas foram usadas em "combate", contra o Japão, no final do conflito.
    Armas biológicas só foram usadas em poucos atentados terroristas. Poucos países usaram, e com escasso sucesso, armas químicas. Mas milhões morreram mortos por fuzis, granadas e minas.
    Ironicamente, armas nucleares tenderam a promover a paz. Países rivais assim armados, com era o caso da antiga União Soviética e dos Estados Unidos, ou da Índia e do Paquistão, não entraram em guerra.
    Um tratado anterior regulou a produção de minas terrestres, que deveriam estar totalmente banidas. Mas vários países continuam com seus solos mais recheados com elas do que com culturas agrícolas.
    PREÇO DE BANANA
    Armas ditas convencionais cobrem um largo espectro em preço e em tecnologia. Um fuzil automático é vendido a preço de banana em um país africano. Um tanque ou um míssil antiaéreo custam bem mais. Mesmo assim, é difícil fiscalizar sua venda no mercado internacional.
    Já um caça de última geração é bem mais caro, assim como uma fragata ou um destróier. São vendas fáceis de detectar e em geral legítimas.
    Guerras convencionais entre países soberanos são cada vez mais raras -a guerra das Malvinas em 1982 entre Reino Unido e Argentina foi considerada uma aberração.
    Guerras civis e de guerrilha são outra história. Fuzis de assalto como o russo AK-47, o americano M-16 ou o belga FAL mataram milhões de pessoas, a enorme maioria no Terceiro Mundo.
    E continuam matando. Os fuzis ainda estão espalhados pelo planeta. Foram produzidos e vendidos aos milhões e não têm prazo de validade. Munição não falta e mesmo com o novo tratado não deverá faltar. Existe muita, e existem muitos fornecedores. É mais um tratado para ser recebido com ceticismo.

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