26 de maio de 2013
Brasil: Como colocamos as crianças na escola
DESEMPENHO | Alunos do 9º ano de uma escola pública. Apenas 65% concluem o ensino fundamental na idade certa
O avanço do acesso
Com 92% delas matriculadas, entre 4 e 17 anos, o país está perto de universalizar o ensino básico. Ainda falta melhorar a qualidade para todos
Camila Guimarães
Lara Caroline Ezequiel, a jovem de 19 anos que aparece na foto ao lado, representará o Brasil na próxima reunião do G20, o grupo de países que dominam a cena econômica mundial, na Rússia. Estudante universitária, ela foi selecionada com outras representantes de cada país para participar de uma rodada de debates sobre o papel das mulheres no desenvolvimento social e econômico. Além de sua fluência em inglês e espanhol, ela conseguiu a vaga por seu engajamento em causas sociais, como educação e preservação do meio ambiente. No final do encontro, previsto para junho, as jovens elaborarão um documento com as principais ideias discutidas, para entregar aos líderes do G20. "Fui criada só pela minha mãe, então sei o sacrifício que é trabalhar fora, cuidar da família e da casa ao mesmo tempo", diz.
Lara é filha única da empregada doméstica Raimunda Selma Ezequiel, de 43 anos. Mãe e filha vivem juntas em Sobral, interior do Ceará, onde Lara estudou o ensino fundamental em escolas públicas. Agora ela cursa o 2º ano de história na Universidade Estadual da Caraú. Exceto pelos estágios remunerados que fez nos últimos seis meses, nunca trabalhou. "Não quero que nada interfira nos meus estudos", afirma. Raimunda teve uma experiência bem diferente. Logo cedo, já trocara os cadernos pelo trabalho. Precisava ajudar seus pais, moradores da zona rural, a sustentar os 12 filhos, numa época em que acesso à escola ainda era privilégio de crianças bem-nascidas, da cidade. Aos 11 anos, Raimunda já era empregada doméstica. Hoje, sustenta a casa e a filha com o salário de R$ 612. "Sei que a Lara terá oportunidades que não tive graças à educação que ela tem", diz Raimunda.
Suas convicções a respeito da educação ajudaram. Mas o que garantiu o direito de Lara a frequentar o ensino básico foram as mudanças que aconteceram nos últimos 15 anos nas políticas públicas de educação do país. A maior conquista, de 1998 até agora, foi fazer valer o direito constitucional de toda criança estudar. Naquele ano, quando Raimunda começou a procurar vaga na educação infantil para sua filha de 4 anos, 87,5% das crianças do Brasil estavam na escola. No Nordeste, essa taxa era de 25%. Hoje, 98,2% das crianças brasileiras estão matriculadas no ensino fundamental, e 81,7% na educação infantil.
A expansão do acesso ao ensino começou na década de 1960, quando o governo passou a dar mais importância à expansão da rede pública. O caminho foi lento. No início da década de 1980, quando Raimunda teve algumas aulas de alfabetização numa classe multisseriada na zona rural, o número médio de anos de estudo de quem tinha mais de 10 anos não passava de 3,9. Foi só nos anos 1990 que a universalização começou a ser consolidada.
A Constituição de 1988 estabeleceu o direito à educação e a obrigação do Estado e das famílias de colocar suas crianças na escola. Também definiu que os Estados e municípios eram os responsáveis pelo ensino básico, deveriam investir parte de suas receitas na educação. Não deu certo num primeiro momento. Além da falta de fiscalização, as desigualdades regionais aumentaram. Cidades e Estados mais pobres tinham menos fôlego para investir, e suas redes sofriam mais com falta de material, professores e infraestrutura. Só dez anos depois, em 1998, quando entrou em vigor o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (Fundef), o investimento começou a ser feito de maneira sistemática. O Fundef passou a vincular 60% dos recursos à educação ao número de alunos matriculados. Quanto mais alunos os Estados e os municípios matriculassem, mais recursos receberiam do governo federal. "O Fundef deu condições materiais para a ampliação do atendimento escolar", afirma Daniel Cara, presidente do movimento Ação Educativa.
Como consequência disso, entre 1998 e 2002 aconteceu a maior onda de inclusão escolar da história. Raimunda conseguiu matricular sua filha na escola no início desse período, numa classe de alfabetização - uma espécie de subsérie do 1º ano do ensino fundamental, uma categoria informal introduzida principalmente em escolas do Nordeste. Era uma forma de suprir a falta de vagas da pré-escola e ensinar o bê-á-bá, para que os alunos não chegassem sem nenhuma base ao 1º ano. (Hoje, as classes de alfabetização estão praticamente extintas.) Nos anos seguintes, entre 2000 e 2004, quando Lara cursou os primeiros anos do ensino fundamental, a universalização da 1º até a 8º série foi praticamente concluída. Em 2002, o atendimento era de 97,2%. Em 2004, de 98%.
Sem problemas de vagas no ensino fundamental, o governo passou a concentrar esforços em outras duas questões. A primeira foi a universalização da pré-escola (4 e 5 anos) e do ensino médio (15 a 17 anos). Até 2007, o ensino fundamental era formado por oito séries. Passou para nove anos obrigatórios (dos 6 aos 17 anos), incluindo o ensino médio. Surgiu o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), substituto do Fundef. O mecanismo de distribuição dos recursos continuou basicamente o mesmo, mas as creches, a pré-escola e o ensino médio passaram a ser contemplados. Estender o atendimento escolar nas duas pontas do ensino básico é desafiador. Até 2016, os municípios estão obrigados a incluir 1 milhão de crianças de 4 e 5 anos, hoje fora da escola. O ensino médio, de responsabilidade dos Estados, precisa abrigar novos 2 milhões de jovens até 2017.
A segunda questão é a melhora na qualidade da educação básica, oferecida para as crianças e os jovens que entraram na escola. Nesse ponto, ainda há muito a fazer. Uma série de medidas foi tomada para isso a partir de 1998. Entre elas, o estabelecimento de metas, para que a educação pública chegue ao nível de desempenho de países desenvolvidos até 2021. Para monitorar esse desempenho, desde 2005 é aplicada a Prova Brasil, que avalia alunos do 5º e 9º ano do fundamental, em português e matemática. As notas da prova, censitária, compõem o índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o principal termômetro da qualidade.
Lara fez a primeira Prova Brasil em 2005, quando estava na 5 a série. Sua escola ficou com Ideb 3,7, abaixo do municipal, de 4. Nas avaliações seguintes, a nota melhorou e bateu as metas estipuladas. Em 2009, já chegara à meta do Brasil de 2021, de 6. O Brasil, que em 2005 tirou 3,6, chegou a 4,7 em 2011 (para as primeiras séries do ensino público fundamental).
Apesar do avanço do Ideb, a melhora da qualidade do ensino caminha lentamente. Não houve até agora um movimento rigoroso para usar corretamente os resultados das avaliações padronizadas. "As avaliações servem para apontar fraquezas", diz Maria Helena Guimarães, educadora e ex-secretária de Educação de São Paulo. "Ainda não sabemos como agir para mudar os resultados." O baixo desempenho dos alunos pode ser observado em todas as etapas da educação básica, mas sobretudo no ensino médio. Apenas 10% dos alunos que concluem sabem matemática. E 29%, português.
Melhorar a qualidade da educação é o maior desafio do país. Apesar dos avanços, é preciso diminuir as taxas de distorção idade-série (alunos que não sabem o que deveriam saber naquela etapa do ensino) e fazer com que a qualidade chegue a todos, independentemente da situação socioeconômica. O esforço a fazer é imenso. "Vale a pena", diz Raimunda. "A única coisa que carregamos para sempre é a educação." Um bom conselho para o país inteiro.
Há 15 anos, Camila Guimarães era repórter da Nova Escola e respondia às cartas que os professores mandavam para a revista
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