9 de outubro de 2013

HÉLIO SCHWARTSMAN Cálculo ideológico


SÃO PAULO - Disputas partidárias levaram ao "shutdown" do governo dos EUA. Que a ideologia perturba a visão sempre soubemos. Nos casos mais gritantes, pessoas boas, que genuinamente se importam com seus semelhantes, aplaudiram atos de barbárie como a coletivização das terras na antiga URSS e a Revolução Cultural, na China. Tudo em nome de um ideal maior.
De uns tempos para cá, cientistas vêm se interessando pelo fenômeno e começam a mostrar a real dimensão da cegueira ideológica.
Num trabalho publicado em setembro, Dan Kahan, de Yale, revela que nossas preferências políticas afetam até a habilidade de resolver problemas matemáticos, que deveria ser o esteio da racionalidade. O experimento que bolou para provar isso é genial. Primeiro, ele mediu a capacidade de lidar com números e as inclinações ideológicas dos 1.111 voluntários. Em seguida, dividiu-os em grupos que foram apresentados a diferentes versões de um mesmo problema matemático que envolvia o cálculo de proporções. Não era uma questão muito fácil, já que 59% das pessoas não conseguiram resolvê-la.
O interessante é que, entre os que eram bons em matemática e tinham condições de acertar, os resultados mudavam dependendo da forma como o problema era apresentado. Se ele era descrito de modo ideologicamente neutro, como o cálculo da eficácia de um creme para a pele, os numericamente competentes não tinham dificuldade de resolvê-lo. Mas, quando a mesmíssima questão surgia travestida de conta sobre a eficácia do controle de armas para combater o crime, as preferências políticas falavam mais alto. Na verdade, os que eram melhores em matemática puxavam mais a resposta para o seu lado do que os menos hábeis.
Se há uma boa imagem para descrever nossos cérebros, ela é menos a do cientista interessado em obter a verdade do que a do advogado doido para vencer a discussão.
helio@uol.com.br
Folha de S.Paulo, 9/10/2013

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