3 de outubro de 2013

No Nordeste, domicílios com moto já equivalem aos com máquina de lavar

RETRATOS DO PAÍS

Há mais veículos de duas rodas do que carros nessa região e no Norte do país, segundo a Pnad
Alta oferta de crédito, baixo desemprego e transporte público precário facilitam adesão a motocicletas
FERNANDA MENADE SÃO PAULO Folha de S.Paulo,3/10/2013

Barato e rápido, ainda que perigoso, o transporte sobre duas rodas conquistou brasileiros das regiões Norte e Nordeste, onde há mais residências com motos do que com carros, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2012.
De acordo com o estudo, uma em cada quatro residências dessas áreas contam com motos. No Sudeste, essa proporção é de um para quase sete domicílios.
Para se ter ideia da penetração desses veículos de duas rodas, no Nordeste há tantos lares com motos na garagem quanto com máquinas de lavar roupa no banheiro ou na área de serviço.
Segundo o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), entre julho de 2012 e julho de 2013, o número de motocicletas cresceu 12% tanto no Norte como no Nordeste. No Sudeste, esse aumento foi de 5%.
DECISÃO LÓGICA
Esse boom é produto da equação entre baixo desemprego, políticas de transferências de renda, boa oferta de crédito e transporte público de baixa qualidade.
"As políticas de inclusão por meio do consumo, em especial numa região de transporte público inexistente ou de baixa qualidade, facilitou o aumento do número de motos", afirma Luiz Artur Cané, presidente do Movimento Brasileiro de Motociclistas.
No Ceará, por exemplo, que concentra 1 milhão de motos, maior frota do Norte e do Nordeste, um trabalhador que utilize apenas duas conduções diárias tem gasto mensal de cerca de R$ 100.
Não é difícil imaginar a troca desse investimento por parcelas do mesmo valor para a aquisição de um modelo simples de moto que permita transporte individual ágil.
"Além de agricultores e vaqueiros, mulheres no interior cearense estão adquirindo e conduzindo motos", diz Igor Ponte, superintendente do Detran (Departamento Estadual de Trânsito) cearense.
No Estado, 80 dos 184 municípios possuem mais motos do que automóveis.
"Num ambiente em que o carro é caro para a maioria da população e o transporte público é precário, um veículo rápido e econômico se torna uma alternativa lógica e atraente", diz Eduardo Alcântara Vasconcellos, engenheiro, sociólogo e diretor do Instituto Movimento.
"Isso torna Norte e Nordeste os principais mercados para a indústria de motos."
Para ele, o incentivo do governo federal a essa alternativa de locomoção se deu de forma "irresponsável".
"As pessoas não são alertadas sobre perigos e vulnerabilidade do motociclista. É hipocrisia dizer que a moto vai libertar os pobres", diz. "Só se for para mandá-los mais cedo para o céu."
MORTES
Acidentes envolvendo motos provocaram 4.041 mortes no Nordeste brasileiro (7 por 100 mil habitantes) em 2011, segundo Datasus.
O número representa um crescimento de 398% em relação ao ano de 2000. No mesmo período, as mortes no trânsito em geral aumentaram 130% na região (67% em todo o país).
Na região Norte, acidentes sobre duas rodas provocaram 6 mortes por 100 mil habitantes --no Sudeste, foram 4 por 100 mil habitantes.
"O número de motocicletas nessas regiões deve continuar crescendo", diz Cané. "Esperamos que esse aumento gere políticas públicas de educação para o trânsito, de treinamento para a habilitação e de fiscalização."

Em PE, até gado é tocado de motocicleta
DANIEL CARVALHOENVIADO ESPECIAL A ARAÇOIABA (PE)
O cenário no interior de Pernambuco em que predominavam jumentos cedeu lugar a motocicletas.
Se, em 2009, 13,4% dos domicílios pernambucanos (345 mil) tinham motos, em 2012 o índice saltou para 19,5% (545 mil), segundo a Pnad.
Esse avanço é acompanhado pelo crescimento de acidentes com motos.
No ano passado, 71% das vítimas de acidentes com transportes terrestres no Estado estavam em motos (30.276 pacientes), diz a Secretaria da Saúde.
Nos cinco primeiros meses deste ano, já foram 11.324 vítimas de acidentes com motos --77% do total.
A imprudência no uso das motos predomina na região metropolitana e no interior de Pernambuco. Não é difícil observar até quatro pessoas --muitas delas crianças-- amontoadas sobre uma moto.
Capacete e fiscalização são quase inexistentes.
O desempregado José Manoel Zezo, 51, pilota uma "cinquentinha", moto de 50 cilindradas de baixo custo. O veículo não precisa ser emplacado, o que deixa os condutores à vontade para infringir regras de trânsito.
Zezo está com o farol da moto queimado, não usa capacete, dirige de sandálias e não tem habilitação. "Perigoso é, né?", diz.
A mudança de hábitos dos pernambucanos é perceptível por todo o Estado. Em Santa Cruz do Capibaribe, no agreste, o gado agora é tocado de moto.
Em Araçoiaba, município mais pobre do Grande Recife, já há mais motos que carros: 813 ante 741.
Só na avenida principal, extensão da PE-041, são cinco pontos de mototáxi, principal transporte coletivo local. Há pontos com mais de 20 condutores.
Cristiano Andrade, 33, atua como mototaxista há três meses. "É mais rápido para se locomover e para trabalhar", diz.

Em cidade chinesa, motos só podem circular a até 20 km/h
FABIANO MAISONNAVEDE SÃO PAULOBastante populares nos países emergentes asiáticos, as motos são um problema em várias cidades da região.
Na China, as regras são cada vez mais restritivas. Em Pequim, a legislação determina que apenas as que tiveram placas A podem circular no seu centro expandido. Como o governo dificilmente emite novos números, resta o mercado paralelo, a um preço bem salgado: atualmente, cerca de R$ 7.300.
Outra restrição da capital chinesa é com relação a motos de outras cidades, que só podem circular até cerca de dez quilômetros do centro.
Mas o grande problema dos centros urbanos é a popularização das "e-bikes".
Em Shenzhen, próspera metrópole 15 milhões no sul do país, o governo local adotou várias medidas restritivas contra as motos e bicicletas elétricas, como a limitação da velocidade para 20 km/h.
Um dos argumentos é o número de acidentes: só nos três primeiros meses deste ano, a cidade registrou 1.115 acidentes com os veículos elétricos de duas rodas (apelidados de "assassinos silenciosos"), resultando em 46 mortes. A frota está estimada em 500 mil.
Um dos principais empecilhos para o aumento das restrições é que, como ocorre no Brasil com as motos comuns, as elétricas são uma alternativa barata de transporte.
Shenzhen chegou a banir o uso em 2011, mas teve de voltar atrás devido à impopularidade da medida.
Em junho, na vizinha Guangzhou, centenas de moradores cercaram um pátio da polícia após a apreensão de motos elétricas irregulares. Os veículos foram devolvidos.

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