1/4/2014 | |
Especialistas se dividem ao analisar e opinar sobre o projeto que convoca plebiscito
Tornar a educação básica uma responsabilidade do governo federal. Esta é a proposta do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) que apresentou um projeto de decreto legislativo para convocar plebiscito a respeito da federalização da educação básica. As opiniões estão divididas entre os especialistas. Enquanto uns a classificam como inovadora, outros afirmam que a intenção é boa, mas é inviável de realizar.
Para justificar o projeto, o senador Cristovam usou os resultados do Pisa 2012 e dos rankings da consultoria britânica Times Higher Education, que revelaram a situação precária da educação no Brasil, seja no nível básico ou no ensino superior. Ele também apontou a falta de recursos de estados e municípios como argumento para a federalização e consequente melhoria na qualidade do ensino.
Para a professora Lisete Arelaro, diretora da Faculdade de Educação da USP (FEUSP) a proposta do senador Cristovam é uma simplificação da questão sobre a qualidade da educação. "Não há nenhuma experiência histórica que mostre que numa república como a nossa, um país continente, com cerca de 200 mil escolas, a federalização vai melhorar a educação básica no País. Ao contrário, nós temos na educação básica, diferentemente de outras políticas sociais, uma história de atuação primeiro estadual e depois municipal, com a Constituição de 1988. Federalizar significa nós passarmos a ter no Brasil um programa único e há esta ilusão de que quando eu centralizo, vou garantir um padrão de qualidade, essa relação não existe", afirma.
A diversidade do País aponta para um trabalho moldado para as características de cada região. De acordo com a professora Lisete, admitir a complexidade brasileira significa exatamente a possibilidade de currículos regionais que atendam os interesses dos diferentes grupos sociais. "O conteúdo e a forma de trabalho na região norte não tem nada a ver com a região sudeste ou com a centro oeste. Nós temos 4 milhões de alunos matriculados na educação básica, evidentemente que nesse País continente seria uma maluquice imaginarmos que o governo federal poderia arcar com essa organização", opina a diretora da FEUSP.
A professora se mostra preocupada com a possível associação do projeto de federalização com uma melhoria salarial dos professores. "Eu acho a proposta capciosa, porque quando você fala em federalização para um professor que está num município pobre o que ele pensa imediatamente é que ele poderia ganhar como ganham os professores, por exemplo, do Distrito Federal, que é o lugar onde melhor se paga ao professor no Brasil. É lógico, que essa é uma questão (melhoria salarial dos professores) que todos nós queremos que aconteça, mas eu não acredito realmente que essa seria a melhor forma", alerta Lisete Arelaro.
Já para o professor Isaac Roitman, da Universidade de Brasília (UnB), coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro da UnB , a proposta é inovadora e pode representar o início de uma grande revolução na educação brasileira, principalmente pela possibilidade de criação de uma carreira nacional de professores que seriam selecionados pela sua formação e competência para atuarem no ensino básico. "Com condições de trabalho adequadas, um salário digno e com o merecido reconhecimento da sociedade, creio que poderíamos atrair os melhores egressos do ensino médio para o Magistério. Creio que ainda possa existir um bom senso no legislativo brasileiro para aprovar essa proposta", aposta ele.
Melhor formação dos professores - De acordo com Roitman, a federalização da educação básica poderia ser a resposta ao que ele define com uma tragédia. "Nos últimos anos a escola tem se transformado em uma fábrica de analfabetos plenos e, sobretudo em analfabetos funcionais. O modelo vigente no Brasil onde o ensino superior público é de responsabilidade da União, o do ensino médio de responsabilidade do estado e o fundamental de responsabilidade do município é um dos responsáveis por esse quadro que ameaça o futuro do País", opina.
Para Luís Carlos Menezes, professor sênior do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) o projeto de federalização é inviável. "Não vejo como, por exemplo, os conselhos estaduais de educação se articulariam, porque eles têm certa autonomia nessa decisão, por isso acho bastante difícil. A ideia do Cristovam de criar um padrão nacional, certamente de carreira, remuneração etc, implicaria desde cedo em um sistema nacional de educação efetivo, que nós não temos. Então, há um mérito na intenção, e há uma inviabilidade na realização", definiu Menezes. Ainda de acordo com ele, "isso seria uma grande revolução, mas não acho que se faça revolução por decreto, nem por estabelecimento de leis".
Na análise do professor da USP, criar um padrão nacional na formação dos professores é um mérito da proposta de federalização. "Os problemas da educação brasileira passam sim pela formação de professores, e nesse sentido deve haver uma articulação melhor entre educação de base e educação superior", argumenta.
Plebiscito - O texto do parlamentar, que já foi aprovado pela mesa diretora do Senado, propõe que nas eleições de 2014, além de escolher os cargos do executivo e legislativo, os brasileiros teriam que responder à seguinte pergunta: "a educação básica pública e gratuita deve passar a ser da responsabilidade do governo federal?".
Para Isaac Roitman a ideia do plebiscito é pertinente e certamente mostrará que esse caminho tem o apoio da grande maioria da população brasileira. "O plebiscito seria um irmão das manifestações de rua onde o povo poderá manifestar a sua opinião. Espero que ele ocorra. Meu voto será sim para a proposta. O governo federal pode e deve conduzir essa tarefa que certamente vai beneficiar as futuras gerações de brasileiros", afirma.
A professora Lisete Arelaro não concorda com essa opção. "Acho realmente que ela é esdrúxula, o plebiscito perguntaria o que? Ninguém pode votar contra ou a favor se não tiver dados e condições. E nós não temos nenhuma das condições nesse momento, porque do ponto de vista concreto, estamos numa república, temos uma constituição que define programas e que são devidamente discutidos", diz.
Ela aposta no atual processo de participação popular que está sendo colocado em prática pelo Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, do Ministério da Educação (MEC), que oferece cursos aos professores no Brasil inteiro com uma metodologia única. "Eu quero defender sim um processo de descentralização, acho que diretrizes curriculares nacionais, um plano nacional de educação (PNE) que nós não conseguimos ter e quando temos não levamos a sério, é muito mais importante do que esta federalização. Acho que ela é no momento inviável e inconveniente", conclui.
De acordo com Luís Carlos Menezes, "as coisas de natureza plebiscitária precisam ter uma nitidez de intenção, caso contrário você sequer alcança o votante". Para o professor da USP, esse é um processo difícil. "Educação de base é educação infantil, fundamental, ensino médio. Isso significa mais de uma dúzia de anos de educação com muitas pessoas contratadas, diferentes regimes. Isso é mais difícil, bem mais difícil do que, por exemplo, mudar de presidencialismo para parlamentarismo", analisa.
Menezes afirma que enxerga pontos positivos na proposta do senador. "Eu compreendo a boa motivação do Cristovam, que considero um homem com grande preocupação com a educação, mas acho que a proposta, com ou sem plebiscito, não é viável. Eu gostaria que fosse, pois a educação de base precisa de uma chacoalhada, mas lamentavelmente eu não acho que haja uma realidade maior na efetivação dessa proposta", resume.
(Edna Ferreira)
Este texto foi publicado na página 4 do Jornal da Ciência disponível em
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