Apesar da melhoria do acesso entre gerações, nosso sistema continua contribuindo para a iniquidade quando se analisa a qualidade do ensino
O debate sobre desigualdade voltou à tona com força por causa do lançamento do livro "O capital no século XXI", do professor francês Thomas Piketty. Ele chama a atenção, entre outros pontos, para o aumento da concentração da riqueza mundial na mãos dos 1% mais ricos. No Brasil, pelos critérios tradicionais de mensuração da desigualdade, é fato que ela está em queda desde 2001, e a educação é parte importante para ajudar a entender por que avançamos, mas também por que ainda estamos longe do ideal.
Entre 1981 e 2012, segundo o IBGE, o percentual de brasileiros entre 25 e 34 anos de idade que eram considerados analfabetos funcionais por não terem sequer completado o primeiro ciclo do ensino fundamental caiu de 37% para 8%. No mesmo período, triplicou, de 19% para 58%, a proporção daqueles que concluíram ao menos o ensino médio.
Os avanços são visíveis também na base. No início da década de 80, entre as crianças que viviam em famílias com rendimento inferior a um quarto do salário mínimo da época, 73% continuavam analfabetas aos 8 anos, idade em que já deveriam saber ler e escrever. Em 2012, não apenas bem menos famílias vivem nessa faixa de renda, como a proporção entre os mais pobres das crianças analfabetas aos 8 anos é de 22%. Ainda inaceitável, mas inegavelmente melhor do que há 30 anos.
A melhoria da escolaridade, especialmente entre os mais pobres, levou os pesquisadores Naercio Menezes Filho e Alison de Oliveira, do Insper, a concluírem que até 40% da queda da desigualdade na década passada podem ser explicadas pela educação.
Se o filme em movimento é positivo, o mesmo não pode ser dito do retrato atual da qualidade do ensino. E o problema aqui é agravado porque uma das evidências mais sólidas da avaliação educacional é que o nível de renda e escolaridade das famílias é o principal fator determinante do desempenho escolar. Ou seja, se todos no Brasil estudassem em escolas com nível idêntico de qualidade, ainda assim os filhos de pais de maior renda e instrução teriam, em relação às demais crianças, uma vantagem que nada tem a ver com as condições de ensino dentro de sala de aula.
No melhor dos mundos, essa desvantagem herdada de casa seria atenuada por políticas públicas que garantiriam aos mais pobres acesso às melhores escolas. No Brasil, ocorre o inverso. O poder público investe R$ 367 mensais por aluno no ensino fundamental, que concentra 86% das matrículas. Nos colégios particulares do topo do ranking do Enem, as mensalidades são quase sempre superiores a R$ 2 mil, chegando até a R$ 4 mil. Os jovens que menos precisam do apoio da escola, portanto, estudam justamente naquelas com melhores condições de ensino.
Este quadro até poderia dar às famílias mais ricas uma sensação de conforto por estarem em situação privilegiada, mas o fato é que a desigualdade na qualidade do ensino é prejudicial a todos, ainda mais num mundo em que a a disputa por investimentos e empregos é cada vez mais global.
No Pisa, exame da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que compara o desempenho de jovens de 15 anos em 65 países, ocupamos na média geral a 58ª posição no ranking de matemática. Mas, mesmo se comparássemos as notas somente dos filhos de pais com nível superior em todas as nações, o Brasil seguiria entre os piores, na 56ª posição. Ficaríamos 150 pontos atrás da Coreia do Sul, o que equivale a dizer que nossos jovens, filhos de pais de maior escolaridade, precisariam estudar mais três anos letivos para igualar o desempenho dos coreanos da mesma idade.
Os países no topo da educação mundial, não por acaso, são aqueles com os sistemas mais equitativos. E isso ainda estamos longe de alcançar.
Antônio Gois é colunista de O Globo
(O Globo)
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