Debate foi realizado durante a última Reunião Regional da SBPC
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência organizou, na primeira semana de junho, no Parque Tecnológico de São José dos Campos, a Reunião Regional "Tecnologias para um Brasil Competitivo". Dentro da programação, foi organizada a mesa redonda Educação nas áreas tecnológicas: desafios e propostas, para a qual foram convidados três especialistas, aos quais foi solicitada a apresentação de propostas que poderiam ser discutidas e eventualmente viabilizadas em curto/médio prazo. A coordenação da mesa esteve a cargo da profa. Lisbeth K. Cordani, conselheira da SBPC, que apresentou os pesquisadores:
A seguir, uma síntese de cada apresentação, fornecida por cada um dos convidados, na ordem em que foram apresentadas, todas contendo propostas e/ou desafios a serem discutidos e enfrentados, se quisermos um país com um futuro melhor, tanto para a Educação nas áreas tecnológicas em geral e na Engenharia em particular como para a Educação de um modo geral.
O ensino médio e a educação profissional no Brasil, por Simon Schwartzman
Enquanto que, em todo o mundo, o ensino técnico profissional de nível médio é uma opção para estudantes que não querem ou não têm condições de seguir uma carreira universitária, no Brasil ele só é aceito como uma formação adicional, feita de forma integrada ao ensino regular, concomitante (quando em outra instituição) ou subsequente (quando feita depois). Este formato tem uma nobre intenção, que é garantir a todos uma mesma educação ampla e de qualidade, mas o resultado é desastroso. Hoje, menos de 15% dos estudantes brasileiros de nível médio estão em cursos técnicos, comparado com percentagens muito maiores em outros países; e a maioria é de pessoas mais velhas que estão em cursos "subsequentes", o que significa que muito provavelmente já se esqueceram ou não se beneficiaram do curso médio que foram obrigados a fazer anos atrás. E, como mostram as provas do ENEM e outras avaliações, a grande maioria dos que terminam o ensino médio não tem o mínimo de qualificações necessárias para entrar em um curso superior de qualidade ou entrar no mercado de trabalho bem capacitada.
Um encaminhamento adequado para este problema requer, primeiro, reduzir drasticamente a carga de matérias obrigatórias do ensino médio, permitindo que os estudantes possam fazer opções. Segundo, e ao mesmo tempo, transformar o ENEM, de exame único, em um conjunto de exames separados (de competências em linguagem, matemática, ciências biológicas, ciências físicas e ciências sociais, por exemplo) permitindo que os estudantes optem por uma ou duas. Terceiro, permitir que o ensino técnico seja uma opção alternativa ao ensino médio convencional, e não um mero apêndice, proporcionando um diploma válido de nível médio e acesso ao ensino superior.
A ampliação e fortalecimento do ensino técnico requer atenção especial para que ele não se transforme, simplesmente, em uma educação de segunda classe para pessoas menos favorecidas. Várias ações são necessárias para isto. Primeiro, assegurar que as competências de uso da língua e da matemática continuem a ser desenvolvidas, se possível de forma integrada com o objeto das áreas de formação profissional. Segundo, desenvolver um sistema próprio de certificação de competências profissionais, que tenha validade igual à do ENEM, e terceiro, abrir espaço para que os formados pelos cursos técnicos continuem a estudar se assim o quiserem no nível superior, em cursos tecnológicos ou de outros tipos.
Esta transformação do ensino médio deve estar associada a mudanças importantes também no nível superior. A legislação brasileira já prevê a existência de "cursos tecnológicos" de nível superior de curta duração, como os das FATECs do Centro Paula Souza em São Paulo, mas estes cursos têm pouca demanda, por algumas razões. Primeiro, eles são um beco sem saída, e não permitem que os alunos continuem estudando e se capacitando em cursos universitários plenos se assim o desejarem. Segundo, eles têm baixo prestígio, e têm o mercado de trabalho limitado muitas vezes por barreiras postas pelas corporações profissionais de nível universitário. Terceiro, eles deveriam ser alimentados em boa parte por estudantes oriundos de alunos dos cursos técnicos de nível médio, que, no entanto, não conseguem se desenvolver. A solução hoje adotada pelos países europeus, e já experimentada em parte no Brasil, é o chamado "modelo de Bologna", em que a educação superior inicial é de 3 anos, podendo ser técnico-profissional ou de formação geral e preparação para mestrados profissionais de um ou dois anos ou doutorados e estudos avançados de 3 a 5 anos.
Nos últimos anos, o governo brasileiro tem colocado ênfase no PRONATEC, um programa de alto perfil e grande financiamento administrado pelo Ministério da Educação que oferece financiamento de todo tipo para ensino técnico e profissional, de cursos de curta duração a cursos regulares, no setor público, no sistema S e no setor privado. Um dos programas do PRONATEC é o SISUTEC, dentro do qual o governo federal compra vagas para cursos técnicos de nível médio no setor privado e no sistema S para pessoas que fizeram o ENEM, mas não conseguiram ser admitidos no ensino superior. A nova ênfase no ensino técnico e profissional é bem vinda, mas experiências anteriores indicam que o simples aumento da oferta não promete os resultados esperados, se ele vem desvinculado de um tratamento adequado dos problemas institucionais do ensino técnico indicados anteriormente, e sem uma avaliação adequada da qualidade dos provedores e da demanda do mercado de trabalho.
Desafios: 1) alterar a organização e a prática do ensino médio, permitindo opções e abrindo espaço para a formação profissional desvinculada do currículo médio geral; 2) alterar o ENEM, criando opções para os estudantes, e criando certificações específicas para cursos médios técnicos: 3) reforçar a educação tecnológica de nível superior, permitindo que seja entendida tanto quanto formação terminal quanto como preparação para estudos superiores mais avançados; 4) avançar na implantação do Modelo de Bologna, permitindo que todos os estudantes de nível superior obtenham um primeiro diploma em 3 anos, e continuando a partir daí com o leque de especializações e aprofundamentos.
Desafios da implementação de abordagens ativas de ensino-aprendizagem na educação tecnológica, por Luis Roberto Camargo Ribeiro
A educação na engenharia e em outras áreas tecnológicas encontra-se em uma encruzilhada. Por um lado há um crescente volume de conhecimento científico e tecnológico a ser aprendido pelos alunos e, por outro, uma rápida obsolescência de muito do conhecimento que é ensinado aos alunos durante sua formação. Há também um rol de conhecimentos de outras naturezas, i.e., habilidades e atitudes, necessários à formação do profissional e cidadão. Ademais, temos uma nova geração de estudantes, de idades variadas e com diferentes experiências de vida, acostumados ao uso intensivo de tecnologias de informação e comunicação, portanto pouco afeitos à passividade inerente ao método de transmissão-recepção de conhecimentos comum na sala de aula na engenharia.
A literatura sobre a educação em engenharia e profissionalizante em geral aponta que os programas e currículos deveriam promover entre outros fatores:
Na sala de aula, deveriam ser adotadas metodologias de ensino-aprendizagem ativas, colaborativas e centradas nos alunos e na vida real. O PBL ou Aprendizagem Baseada em Problemas é uma dessas metodologias já que favorece a aquisição de conhecimentos conceituais pelos alunos, em grupos e de forma autônoma, motivados por problemas ou situações reais ou potencialmente reais. O PBL também promove o desenvolvimento de habilidades e atitudes profissionais e cidadãs sem a necessidade de criação de componentes curriculares especialmente para esse fim, evitando-se assim programas mais abarrotados de créditos ou mais longos do que já o são atualmente.
Contudo, a adoção do PBL ou outras metodologias de ensino-aprendizagem ativas, colaborativas e centradas nos alunos e na vida real na formação profissional nas áreas tecnológicas só se dará se soubermos superar alguns obstáculos institucionais, culturais e individuais importantes. Por exemplo, na sala de aula, deve-se enfrentar a inércia possibilitada pela facilidade de preparação e condução da aula expositiva, o efeito paradigma e o fato de os docentes serem "vencedores" neste paradigma, o que os leva a acreditar que todo aluno pode sê-lo, e, principalmente, a falta de formação pedagógica dos docentes. Já no plano institucional, há que se enfrentar o conservadorismo das instituições, sua hibridez organizacional e a vacuidade de suas diretrizes. Ademais, culturalmente, é preciso vencer obstáculos tais como a depreciação do ensino frente à pesquisa, o entendimento de que a prática profissional se resume na mera aplicação de teorias e modelos fixos e acabados e a valorização do "fazer certo" em detrimento do "fazer a coisa certa".
Formação em Engenharia: Panorama atual e perspectivas futuras, por Vanderlí Fava de Oliveira
A partir segunda metade da década de 90 houve no Brasil um grande crescimento da formação em Engenharia, saltando de cerca de 150 Escolas para aproximadamente 650 Escolas na atualidade, nas quais estão em atividade cerca de 3.850 cursos, dos quais 26 são na modalidade semipresencial. Registre-se ainda que até meados dos anos 90, a maioria destes cursos localizava-se em Instituições públicas e na atualidade, mais de 70% são de Instituições Particulares. Em 2012 formaram-se 54.194 engenheiros no país, número considerado insuficiente para atender à demanda existente. Comparativamente a Engenharia cresceu cerca de duas vezes mais do que o conjunto dos demais cursos superiores, em termos de candidatos, vagas, ingressantes e matriculados, e, no entanto, em termos de egressos, essa performance não ocorreu, dada a evasão verificada de cerca de 50% nos cursos de Engenharia. Em síntese, de cada 1.000 candidatos a vagas em cursos de Engenharia, 172 ingressam e apenas 92 concluem o curso. http://www.ufjf.br/observatorioengenharia/publicacoes/.
Nos países nomeados como BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) predominam os cursos de Engenharia localizados em Instituições Particulares, enquanto que nos principais países da OCDE, a maioria dos cursos está em Instituições Públicas, à exceção do Japão. Em termos de número de estudantes matriculados por número de habitantes, o Brasil não está muito distante dos demais países; no entanto, esses números no país foram alcançados recentemente, enquanto que nos países da OCDE eles vêm sendo mantidos há anos. Isso significa que há um passivo que redunda em falta de engenheiros seniores. O Brasil perde ainda para os países da OCDE em termos de titulação, de artigos publicados e verifica-se que é insignificante o número de patentes produzidas.http://documents.worldbank.org/curated/en/2013/04/17844321/international-comparative-study-engineering-education-india
O perfil do engenheiro evolui de "Construtor" ou "Fazedor" na primeira metade do século XX, passando pela visão de "Solucionador de Problemas" e "Aplicador de Tecnologia", verificado na segunda metade do século passado, até o perfil atual que determina um profissional "Projetista de Soluções". No entanto a formação não acompanhou essa evolução. Em síntese, o profissional de Engenharia na atualidade deve atuar na cadeia produtiva participando de todas as etapas e aspectos da transformação de insumos, matérias primas e conhecimento em produtos (bens ou serviços) considerando todos os aspectos relacionados à Sustentabilidade (Ambiente e Responsabilidade Social).
Desafios propostos: Como formar o Engenheiro "Projetista de Soluções"? Como formar por Competência? Como articular Universidade e Empresa? E o grande desafio: mudar pessoas, tanto as que estão em cargos que podem determinar novas diretrizes, quanto os docentes dos cursos de Engenharia para que implementem tais mudanças.
(Lisbeth Cordani / SBPC)
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