Para eles, a norma que veta castigo que cause 'sofrimento físico' é subjetiva
Regra não acrescenta nada à legislação, que já determina punição por lesão e maus-tratos, segundo especialistas
A chamada Lei da Palmada, aprovada anteontem (4/6) no Senado, é subjetiva e não acrescenta nada à legislação vigente, dizem advogados ouvidos pela Folha. Deixa brecha, inclusive, para a própria palmada.
A legislação proíbe "castigo físico" que cause "sofrimento físico" ou "lesão". Apesar do apelido, a palavra "palmada" não consta no texto. Nem outra semelhante.
Cinco advogados ouvidos pela Folha afirmam que a regra deixa brechas para várias interpretações.
O criminalista Carlos Kauffmann diz que, para o caso de castigo físico que cause sofrimento ou lesão, já constam lesão corporal e maus-tratos no Código Penal. "Se der a palmada sem sofrimento físico ou moral e sem lesão corporal, não há problema."
Na tramitação no Congresso, o texto proposto pelo Executivo sofreu uma mudança. A palavra "dor" foi trocada por "sofrimento físico". Com isso, diz Kauffmann, a legislação ficou ainda mais subjetiva.
EFEITO SIMBÓLICO
Alamiro Velludo Netto, criminalista e professor de direito penal na USP, concorda que a norma não proíbe todo tipo de tapinha. "A palmada que tem mais efeito simbólico, de correção, não foi proibida, mas sim aquela que tem o caráter de agressão."
Segundo ele, a lei gera um grande desafio para os juízes, que terão de dar contornos mais precisos ao que deve ser considerado sofrimento físico.
"Em que medida um tapa é significativo? A forma como ele é dado, o contexto, tudo isso deverá ser considerado [na Justiça]. Uma palmada pode não ser considerada sofrimento físico, e o que vai determinar isso serão as decisões [judiciais]", diz o advogado.
O que a lei deve penalizar é a situação em que o responsável pela criança, seja a mãe ou o pai, ultrapasse os limites do razoável, afirma o professor.
O criminalista Fernando Castelo Branco ressalta que agressões devem ser punidas, como prevê a lei. O medo dele é que, por ser ampla, a nova regra abra espaço para interpretações radicais.
"O pai que dá uma palmada no filho que sai correndo para atravessar a rua causou um sofrimento físico na criança?", pergunta ele, que não vê na palmada tratamento degradante.
O professor de direito penal Luiz Flávio Gomes lembra que a norma não prevê punições penais, mas encaminhamento para tratamento. "Se a lei penal que prevê pena não surtir efeito preventivo, uma lei sem prever punição vai surtir menos efeito", diz.
"A violência física, sobretudo doméstica, é cultural. As leis não mudam a realidade", acrescenta Gomes.
DENUNCISMO
Para a advogada Carmen Nery, especialista em administração legal, a lei interfere em assuntos familiares e pode gerar um denuncismo que sobrecarregaria o Judiciário.
"Agora, o juiz vai verificar se tal chinelada fere ou não fere a Lei da Palmada", diz.
"Você acha que um Judiciário como nosso, lotado, sem condição de julgar latrocínios e serial killers, tem de decidir se a palmada foi bem dada e o beliscão foi excessivo?"
HÉLIO SCHWARTSMAN
As palmadas e o amor
SÃO PAULO - Palmadas, beliscões e outras modalidades de safanões pedagógicos provavelmente não passam de uma ilusão cognitiva. Ao aplicá-los, os pais acham que estão educando seus filhos, mas, na prática, a julgar pela ampla literatura a respeito do tema, o efeito fica entre o nulo e o maléfico. Como é impossível chegar a uma conclusão abalizada a partir das poucas ocorrências a que o genitor tem acesso, ele sai achando que as palmadas funcionaram. Pouco importa que o comportamento da criança também seria modificado com reprimendas muito menos extremas.
Não obstante, considero bastante inoportuna a aprovação da Lei da Palmada, que pretende proscrever os castigos corporais do arsenal propedêutico de pais e educadores. Meu problema com essa regra, como já disse, não é com seu conteúdo, mas com a forma. Se há uma ideia que militantes de causas variadas deveriam abandonar com urgência, é a noção de que o direito penal se presta ao aperfeiçoamento da humanidade.
Se o propósito é educar as pessoas e convencê-las a fazer o melhor, o direito penal é a ferramenta errada. Ele atua invariavelmente com mão pesada. Na versão "light", é intrusivo, opressivo e abre flanco para o arbítrio de autoridades. Na pesada, joga pessoas no xilindró, um castigo extremo. Em qualquer caso, deveríamos utilizá-lo só como último recurso, quando tudo o mais se revela inútil.
No caso específico de castigos corporais, faria sentido encarcerar um pai que se revelasse um espancador contumaz. Mas, para isso não é necessária nenhuma lei nova. O Código Penal já traz os remédios adequados.
No mais, como muito bem mostrou Contardo Calligaris em recente coluna, palmadas não são a única nem a principal forma pela qual pais podem deixar sequelas graves na vida de seus filhos. O excesso de amor é um candidato bem mais provável. E este, para o bem e para o mal, não está ao alcance de leis.
Doutor em educação pela Unicamp, ele é favorável à Lei da Palmada, aprovada anteontem (4/6) no Senado, e acredita que ela poderá obrigar os pais a reverem seus conceitos sobre o que é educar.
Folha - Em momento nenhum a palmada serve?
Ruy Cezar do Espírito Santo - Existe uma interpretação equivocada dos pais sobre o comportamento das crianças, que é separar o bem e o mal. Mas isso não existe. Ou a pessoa sabe o que está sendo feito ou ela é ignorante.
A criança, muitas vezes, não sabe o que está fazendo de errado. Como não perdoá-la por isso?
Criança precisa ser educada não com pancada, para que ela ache que fez tudo errado. É preciso muita conversa, troca de ideias. É necessário tirar de dentro dela a razão de uma ação equivocada.
Não há limites para a conversa?
Os pais precisam ouvir seus filhos. Deixá-los pôr para fora tudo aquilo que estão sentindo, estão vivendo e estão se incomodando. A palmada nunca resolve, em nenhum grau.
Mas a paciência se esgota...
Sabendo o que é educar, não existe nenhum grau máximo para o diálogo e nenhuma violência é considerada tolerável.
Tenho dito a diretores de escola para chamarem os pais para mostrar a eles como uma ação de violência pode prejudicar o futuro do filho e para discutir com eles o que é educação.
A postura dos pais deve ser sempre a de conversar.
HÉLIO SCHWARTSMAN
As palmadas e o amor
SÃO PAULO - Palmadas, beliscões e outras modalidades de safanões pedagógicos provavelmente não passam de uma ilusão cognitiva. Ao aplicá-los, os pais acham que estão educando seus filhos, mas, na prática, a julgar pela ampla literatura a respeito do tema, o efeito fica entre o nulo e o maléfico. Como é impossível chegar a uma conclusão abalizada a partir das poucas ocorrências a que o genitor tem acesso, ele sai achando que as palmadas funcionaram. Pouco importa que o comportamento da criança também seria modificado com reprimendas muito menos extremas.
Não obstante, considero bastante inoportuna a aprovação da Lei da Palmada, que pretende proscrever os castigos corporais do arsenal propedêutico de pais e educadores. Meu problema com essa regra, como já disse, não é com seu conteúdo, mas com a forma. Se há uma ideia que militantes de causas variadas deveriam abandonar com urgência, é a noção de que o direito penal se presta ao aperfeiçoamento da humanidade.
Se o propósito é educar as pessoas e convencê-las a fazer o melhor, o direito penal é a ferramenta errada. Ele atua invariavelmente com mão pesada. Na versão "light", é intrusivo, opressivo e abre flanco para o arbítrio de autoridades. Na pesada, joga pessoas no xilindró, um castigo extremo. Em qualquer caso, deveríamos utilizá-lo só como último recurso, quando tudo o mais se revela inútil.
No caso específico de castigos corporais, faria sentido encarcerar um pai que se revelasse um espancador contumaz. Mas, para isso não é necessária nenhuma lei nova. O Código Penal já traz os remédios adequados.
No mais, como muito bem mostrou Contardo Calligaris em recente coluna, palmadas não são a única nem a principal forma pela qual pais podem deixar sequelas graves na vida de seus filhos. O excesso de amor é um candidato bem mais provável. E este, para o bem e para o mal, não está ao alcance de leis.
A FAVOR DA LEI
'Criança precisa de muita conversa', afirma educador
JAIRO MARQUESDE SÃO PAULOPara o educador Ruy Cezar do Espírito Santo, da Faap e da PUC-SP, a criança deve ser educada não com castigo físico, mas com muita conversa.Doutor em educação pela Unicamp, ele é favorável à Lei da Palmada, aprovada anteontem (4/6) no Senado, e acredita que ela poderá obrigar os pais a reverem seus conceitos sobre o que é educar.
Ruy Cezar do Espírito Santo - Existe uma interpretação equivocada dos pais sobre o comportamento das crianças, que é separar o bem e o mal. Mas isso não existe. Ou a pessoa sabe o que está sendo feito ou ela é ignorante.
A criança, muitas vezes, não sabe o que está fazendo de errado. Como não perdoá-la por isso?
Criança precisa ser educada não com pancada, para que ela ache que fez tudo errado. É preciso muita conversa, troca de ideias. É necessário tirar de dentro dela a razão de uma ação equivocada.
Não há limites para a conversa?
Os pais precisam ouvir seus filhos. Deixá-los pôr para fora tudo aquilo que estão sentindo, estão vivendo e estão se incomodando. A palmada nunca resolve, em nenhum grau.
Mas a paciência se esgota...
Sabendo o que é educar, não existe nenhum grau máximo para o diálogo e nenhuma violência é considerada tolerável.
Tenho dito a diretores de escola para chamarem os pais para mostrar a eles como uma ação de violência pode prejudicar o futuro do filho e para discutir com eles o que é educação.
A postura dos pais deve ser sempre a de conversar.
CONTRA A LEI
'Tapinha sempre foi educativo', diz psicóloga
DE SÃO PAULO
Psicóloga pela PUC-SP e terapeuta de família pela Unifesp, Marina da Costa Manso Vasconcellos defende o direito dos pais a "uma palmadinha", que deve ser precedida de diálogo e avisos à criança.
Ela é contrária à lei, que considera exagerada. "Um tapinha na bunda é educativo", diz. Ressalva, porém, que tapinha é diferente de surra. "Isso nunca."
Folha - Chega uma hora que o diálogo acaba e pode-se lançar mão do tapinha?
Marina da Costa Manso Vasconcellos - Sou a favor do tapinha. Acho a lei exagerada. Um ponto é não dar uma surra na criança; outro é dar uma palmadinha, que não seja na cara, que não seja humilhante.
Marina da Costa Manso Vasconcellos - Sou a favor do tapinha. Acho a lei exagerada. Um ponto é não dar uma surra na criança; outro é dar uma palmadinha, que não seja na cara, que não seja humilhante.
Um tapinha não dói?
Um tapinha na bunda é educativo, sempre foi e ninguém é traumatizado por isso. Antes de bater, existe o famoso um, dois, três', quando a criança está fazendo algo errado, que resolve muitas das situações.
Você faz um aviso, dá uma chance para que aquilo não continue. Caso seja necessário, uma palmadinha resolve. Repito que isso é diferente de uma cintada, socar, surrar uma criança. Isso nunca.
Um tapinha na bunda é educativo, sempre foi e ninguém é traumatizado por isso. Antes de bater, existe o famoso um, dois, três', quando a criança está fazendo algo errado, que resolve muitas das situações.
Você faz um aviso, dá uma chance para que aquilo não continue. Caso seja necessário, uma palmadinha resolve. Repito que isso é diferente de uma cintada, socar, surrar uma criança. Isso nunca.
Mas isso não terá consequências para a vida adulta?
Não acredito que uma ação pontual, rápida por parte dos pais possa causar algum reflexo. Um tapinha no bumbum se esquece rapidamente, mas faz efeito no momento da atitude errada. Julgar se isso é um ato de violência é extremamente subjetivo.
Lançar mão de um tapinha deve ser algo muito raro, quando a criança está em postura de desafiar os pais e sabe o que isso pode causar a ela pela desobediência. Ela compreende isso claramente.
Não acredito que uma ação pontual, rápida por parte dos pais possa causar algum reflexo. Um tapinha no bumbum se esquece rapidamente, mas faz efeito no momento da atitude errada. Julgar se isso é um ato de violência é extremamente subjetivo.
Lançar mão de um tapinha deve ser algo muito raro, quando a criança está em postura de desafiar os pais e sabe o que isso pode causar a ela pela desobediência. Ela compreende isso claramente.
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