Artigo da Antonio Gois publicado em O Globo
Ideologias à parte, o que importa é saber se os alunos estão aprendendo mais com políticas de remuneração por mérito nas escolas
Poucos debates no meio educacional são tão contaminados pela ideologia quanto o pagamento de bônus atrelado ao desempenho dos professores ou de escolas. O risco em temas que tendem a dividir opiniões de forma tão intensa é perdermos de vista o essencial: o que importa ao final é saber se os alunos estão realmente sendo beneficiados.
A remuneração por mérito na educação parece uma ideia justa, mas sua implementação não é simples, e as avaliações mais rigorosas já feitas sobre esses programas mostram que e os resultados variam muito.
Nos Estados Unidos, país que mais adotou e avaliou esses mecanismos, a maioria dos estudos não identificou impacto significativo no desempenho dos alunos. O caso mais emblemático ocorreu em Nova York, onde o sistema foi implementado em 2007 com entusiasmo pelo então prefeito Michael Bloomberg. Quatro anos depois, foi suspenso após uma avaliação independente não ter identificado ganho algum de aprendizado nos alunos. A reação cresceu ainda mais após a identificação de casos de fraude. O maior ocorreu em Atlanta, onde professores foram flagrados corrigindo provas pelos estudantes.
Em artigo publicado em junho pelo centro Inter-American Dialogue, os professores de Harvard Richard Murnane e Alejandro Ganimian fizeram uma revisão de estudos sobre os programas ao redor do mundo. Eles identificaram alguns casos bem-sucedidos. O que mais chamou a atenção dos autores foi o programa implementado numa província rural da Índia, onde os salários eram muito baixos, os alunos pobres, e havia alto índice de faltas dos professores. Como o bônus exigia a comprovação de presença diária, o absenteísmo dos docentes caiu e, com mais dias de aulas, os alunos tiveram ganhos reais de aprendizado.
No entanto, os dois autores também relatam casos em que os sistemas estavam produzindo "respostas disfuncionais". No México e no Quênia, por exemplo, estudos identificaram que os professores passaram a ensinar apenas para os testes. Com isso, a média dos alunos crescia nas avaliações que contavam para o pagamento do bônus, mas o ganho não era verificado em provas não relacionadas ao salário.
Quando esteve no Brasil no ano passado, em seminário do Instituto Alfa e Beto, Murnane destacou que o maior problema da maioria desses programas era que eles não resultavam em mudanças nas práticas de sala de aula. Professores ruins, mesmo que tentassem, não conseguiam obter melhores resultados só pela promessa de bônus. E os bons não se tornavam melhores só por esse incentivo financeiro.
No Brasil, apesar de vários estados terem adotado tal política nos últimos anos, quase não há avaliações rigorosas. Um dos poucos estudos a fazer isso, conduzido pelos pesquisadores Cláudio Ferraz (PUC-Rio) e Bárbara Bruns (Banco Mundial), analisou o caso de Pernambuco e concluiu que o pagamento por mérito estava funcionando, mas apenas para algumas escolas. Em colégios maiores, o efeito foi quase nulo. Nos menores, o ganho foi significativo. Uma hipótese dos autores é que, como a recompensa lá é paga de acordo com os resultados de toda a escola, é mais fácil mobilizar equipes menores.
Diante de evidências tão inconclusivas, a maior lição, ignorada pela maioria de nossos gestores, é que, antes de massificar programas que custam caro, é preciso avaliá-los rigorosamente para ter certeza de que funcionam, como fez Nova York. No caso dos bônus, sindicatos tendem a atacá-los por razões corporativistas. Entusiastas da meritocracia vão sempre pedir mais práticas inspiradas no mundo dos negócios. No meio dessa briga estão os alunos. São eles que importam.
Antonio Gois é colunista de O Globo.
(O Globo)
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