CNI está determinada a influenciar mais os rumos das políticas educacionais no país
Preocupada com a perda de produtividade do trabalho na economia brasileira e ciente de que a qualidade do ensino tem impacto em várias atividades, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) está determinada a influenciar mais os rumos das políticas educacionais no país e lança estudo com 11 recomendações que possam contribuir com um avanço da educação nacional.
Em linhas gerais, a entidade defende uma educação pública mais alinhada com o mundo do trabalho - com ênfase na formação profissional e na retomada da produtividade e competitividade da economia - e gestão baseada em avaliação e resultados, inclusive aberta à meritocracia para professores, tema polêmico no setor. Entre outras sugestões estão a universalização da pré-escola, redução da desigualdade na educação e o fortalecimento do ensino médio, com maior oferta de cursos regulares e técnicos (oferecidos simultaneamente).
As recomendações da entidade para a educação brasileira compõem um capítulo da compilação "Propostas da Indústria para as Eleições 2014", que será entregue aos candidatos à Presidência da República no próximo dia 20. O documento traz 42 estudos e sugestões com os principais temas da agenda da indústria para o desenvolvimento e crescimento do país nos próximos anos.
Elaboradas em conjunto por dezenas de especialistas, consultores e representantes de associações setoriais da indústria e de federações estaduais, algumas das propostas serão apresentadas em formato de projetos de lei e atos normativos.
Rafael Lucchesi, diretor de Educação e Tecnologia da CNI, destaca que os empresários do setor industrial estão preocupados com a baixa produtividade do trabalho brasileiro. Dados do "The Conference Board", associação global de empresas, mostram que esse indicador cresceu apenas 5,6% no Brasil, entre 1980 e 2013. Já a economia chinesa, como comparação, registrou expansão de quase 900% no mesmo período.
"Ainda mais preocupante é a constatação de que a produtividade brasileira se deteriorou em relação à de outros países", alerta Lucchesi. "Educação é hoje uma agenda que perpassa todas as demais, como macroeconomia, relações de trabalho, infraestrutura. Hoje no Brasil várias pesquisas indicam que as principais lideranças empresariais colocam a educação como um grande pilar, que pode substancialmente influenciar a retomada da competitividade e da produtividade."
O cientista político Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, rede que reúne dezenas de grupos que atuam no setor, observa que é correta a vinculação das atividades escolares com o mundo do trabalho, conforme determinação do artigo 205 da Constituição. Ele alerta, porém, que pode ser ruim para o aprendizado forçar o debate que associa ensino com as demandas do mercado de trabalho.
Segundo Cara, grande parte do setor industrial brasileiro aposta na estratégia "de oferta de subemprego" aos jovens. "Os empresários também têm que se responsabilizar e criar vagas qualitativas, não dá só para se preocupar em resolver o problema imediato deles. O problema da indústria brasileira não é só problema de formação educacional, um problema de Estado. E também diz respeito à baixa qualidade da visão empresarial, que pensa menos no país e mais no próprio bolso. Isso, inclusive, é uma questão que se resolve por meio da educação", avalia Cara.
Na avaliação do professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), Ocimar Munhoz Alavarse, o excesso de foco no "mundo do trabalho" pode sugerir uma redução curricular. "É evidente que o mundo do trabalho - uma expressão bonitinha criada pelos ingleses - deve estar na escola, mas a escola não pode só ter perspectivas para o mundo do trabalho, porque o mundo é mais complexo do que as demandas produtivas do mercado", argumenta Alavarse.
Pedagogicamente, diz ele, há um risco de se estabelecer relações de ensino e aprendizagem imediatistas. "Nas aulas ensinamos as crianças a escrever matérias de estilo jornalístico sabendo que a minoria da minoria serão jornalistas. O mesmo vale para artes plásticas e poesia. A princípio é difícil enxergar utilidade nessas matérias, mas elas são muito importantes. É compreensível que a CNI faça esse tipo de demanda, é até bom para mobilizar governo e outros atores para se começar um movimento mais amplo de revisão curricular nas escolas", complementa.
Lucchesi conta que as recomendações da CNI convergem com 14 das 20 metas do Plano Nacional de Educação (PNE), recém-sancionado pela presidente Dilma Rousseff. "Entre os pontos de convergência destaco as metas para ensino fundamental e médio e a expansão da educação profissional. Se conseguirmos triplicar as matrículas da educação técnica de nível médio, faremos uma alteração importante da matriz educacional e prepararemos adequadamente um contingente maior de jovens e de adultos para entrar no mercado de trabalho", projeta o diretor da CNI.
O documento preparado pelo setor industrial também ataca os problemas de gestão da educação brasileira e sugere alocação de recursos orçamentários "com base em resultados e meritocracia". O documento diz que essa aposta, normalmente criticada por acadêmicos e sindicatos de professores, "cria condições adequadas de trabalho para atrair e reter os melhores e mais talentosos profissionais da área de educação."
"É uma forma de a educação evoluir evitando desperdícios. Quem critica segue uma lógica corporativista e expõe uma visão atrasada no debate educacional. Não existe atividade humana que avance sem gestão nem meritocracia. Ao mesmo tempo é preciso investir mais nas escolas e alunos com os piores desempenhos, isso é um approach de cidadão, de inclusão", avalia Lucchesi.
A 11ª recomendação do estudo da CNI que será entregue aos presidenciáveis também aborda o papel do setor privado para o desenvolvimento da educação brasileira. "As empresas precisam se engajar mais na formação das pessoas. É preciso atrair e reter talentos e treinar recursos humanos para as condições específicas da empresa e da sua cadeia de valor. Outro desafio é desenvolver políticas de promoção contínua do conhecimento, inclusive para as pessoas em idade adulta e maduras, de forma a atualizá-las com as novas tecnologias, motivá-las e adiar a queda da produtividade", informa o documento.
(Luciano Máximo / Valor Econômico)
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