30 de maio de 2012

ARNALDO NISKIER Usos e abusos na língua portuguesa


Folha de S.Paulo,30 de maio.2012
Na escrita, a norma culta tem de ser respeitada. A prova da OAB mostra o que acontece quando os alunos não sabem utilizá-la: 93% de reprovação
Na imprensa portuguesa, vez por outra, publica-se crítica à existência do acordo ortográfico de unificação da nossa língua.
Alguns jornais afirmam que os filólogos brasileiros encheram o documento de "bizarrices inúteis", enquanto outros reclamam que a Academia das Ciências de Lisboa, parceira do projeto, errou pelo excesso de "cedências" às hipotéticas pressões neocolonialistas do Brasil.
É evidente que nada disso faz sentido. Devemos ter mesmo só uma forma de expressão escrita, para que o nosso idioma passe a ser, estrategicamente, adotado como uma das línguas oficiais da Organização das Nações Unidas. Falar é outra coisa. Cada um segue falando de acordo com a sua tradição.
Da mesma forma, não se pode defender a existência interna de uma separação linguística, dividindo o falar do rico e do pobre.
O Vocabulário Ortográfico, editado pela Academia Brasileira de Letras, tem 370 mil verbetes, o que é uma amostra da sua força e da disponibilidade das palavras para todos. Machado de Assis fez toda a sua extraordinária obra de romancista com o emprego de somente 16 mil vocábulos.
Temos uma realidade plurilinguística, considerando-se basicamente que a norma padrão (culta) deve ser respeitada nos códigos escritos, pois são esses que, mais tarde, os estudantes terão que utilizar nos seus diversos concursos.
Veja-se o que aconteceu na seccional paulista da OAB. Dentre os 20.237 candidatos (bacharéis em direito), o índice de reprovação foi de 92,8%, o que levou o presidente Luiz Flávio Borges D'urso a afirmar que "há pessoas que chegam à prova e não sabem conjugar verbos ou colocar as palavras no plural".
Você já imaginou as petições que serão escritas por essa gente?
Para debater o assunto, que envolve também o uso exagerado do terrível internetês, as Academias Brasileira e Paulista de Letras realizaram seminários em defesa da língua portuguesa.
Na ocasião, comemorou-se o fato de a venda de jornais ter crescido significativamente nos dois últimos anos, desmentindo a tese catastrofista de que os impressos em geral serão desbancados em curto espaço de tempo pela mídia eletrônica.
Num estudo intitulado "Medium Matters" (em português, pode significar tanto "Questões de Meio" quanto "O Meio Importa"), da Universidade de Oregon (EUA), afirma-se que um leitor de jornal em papel retém o conteúdo mais que um leitor on-line. Isso parece ter sido percebido pelo povo brasileiro, inclusive os integrantes da sua ampliada classe média.
Antes de nos entregarmos totalmente ao emprego do tablete, convém que se prepare mais adequadamente os nossos professores e especialistas.
Encher as escolas, desordenadamente, de computadores de todos os tipos não será a forma de promover o que é essencial: o conhecimento mais profundo dos mistérios e da beleza do idioma de Fernando Pessoa e Manoel Bandeira.


2 comentários:

  1. O Observatório da Língua Portuguesa publicou: http://observatorio-lp.sapo.pt/pt/noticias/usos-e-abusos-na-lingua-portuguesa

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  2. Prezado sr. Arnaldo Niskier,

    Independentemente de outras razões (que podem estar certas ou não) o que nos deve interessar são as razões filológicas, linguísticas, etimológicas, ortográficas, ortoépicas, gramaticais, históricas, vocabulares e de unidade para enobrecer e dignificar a Língua Portuguesa. Escrevo “Língua Portuguesa” (e não com um redutor “p” minúsculo como faz este acordo) com iniciais maiúsculas que é precisamente para honrar e dignificar o Idioma, algo que este acordo não faz e não se refere a este facto em lado algum porque não é esse o seu objectivo. Ao contrário do que alguns querem fazer crer, este acordo não é só uma mera mudança “cosmética e formal”, mas é essencialmente uma mudança substantiva em que cada um não segue falando de acordo com a sua tradição. Temos os exemplos práticos das revisões ortográficas de 1943 (em vigor no Brasil) e de 1945 (em vigor nos restantes países Lusófonos) em que a supressão de alguns acentos e/ou de consoantes que enfatizam(vam) a vogal anterior acabou por modificar a pronúncia da esmagadora maioria dessas palavras… e que essas mesmas supressões nesta nova revisão também vão fazer alterar a pronúncia da esmagadora maioria dos vocábulos alterados.

    No que respeita à sua observação “só uma forma de expressão escrita, para que o nosso idioma passe a ser, estrategicamente, adotado como uma das línguas oficiais da Organização das Nações Unidas” eu tenho algumas questões a fazer-lhe, como meros exemplos, pois muitíssimos outros existem. Como é que nesses documentos se grafará a palavra “camião”? Ou será “caminhão”? Ou ainda, numa terceira hipótese que pode ser extensível a todos os outros exemplos, “camião/caminhão”??? E o vocábulo “Polónia”? Será “Polônia”??? E a palavra “enfarte”? Será “infarto”??? E “autocarro”? Será “ô(ó)nibus”??? E “planear”? Será “planejar”??? E “Irão”? Será “Irã”??? E “maquilhagem”? Será “maquiagem”??? E “quotidiano”? Será “cotidiano”? E “desporto”? Será “esporte”??? E “Quénia”? Será “Quênia”??? E “humidade”? Será “umidade”??? E “connosco”? Será “conosco”??? E “facto”? Será “fato”? E “fato”? Será “terno”? E “rece(p)ção”? Será “recepção”??? Como vê por estes pouquíssimos exemplos, pois volto a frisar que muitíssimos outros existem, sr. Arnaldo, é falácia dizer que este acordo unifica a ortografia da Língua Portuguesa. Também com base nestes exemplos pergunto-lhe qual é a norma padrão (culta) que devemos respeitar nos códigos escritos: a brasileira ou a dos restantes países Lusófonos???

    Cordialmente,
    João Carlos.

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