O fosso entre universidade e indústria | |
"Descompasso deve-se à ausência de políticas públicas que induzam à inovação" José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo (USP), presidente de honra da SBPC e foi secretário de Meio Ambiente da Presidência da República. Artigo publicado em "O Estado de SP": O IBGE divulgou recentemente os resultados de uma pesquisa realizada com as indústrias brasileiras - mais de 100 mil - para verificar quais delas investiram em inovação e quais simplesmente se restringiram a fabricar os mesmos produtos ano após ano. A pesquisa cobriu o período de 2006 a 2008. Inovação é um fator decisivo para aumentar a competitividade das empresas e inclui desde produtos ou processos novos até o desenvolvimento de novos usos para produtos já existentes. Na generosa definição usada pelo IBGE, são considerados como inovação a pesquisa e o desenvolvimento, a aquisição de pesquisas externas, os investimentos em máquinas, o treinamento de pessoal e a introdução de produtos no mercado, entre outros. Os resultados da pesquisa são interessantes: cerca de 38% das empresas fizeram algum tipo de inovação - nos anos de 2003 a 2005 esse índice era de 34% e, portanto, aumentou. Na Alemanha, por exemplo, mais de 70% das empresas, porém, são inovadoras. Pior ainda, somente cerca de 5 mil empresas nacionais realizaram atividades internas de pesquisa e desenvolvimento. As atividades de inovação não se devem, por conseguinte, de forma significativa a pesquisas, mas a desenvolvimento e licenciamento de programas de computador, telecomunicações, outros serviços de tecnologia da informação e tratamento de dados, que não são realmente muito criativos e não deram origem a um grande número de patentes, área em que o Brasil continua com índices muito baixos. A pesquisa do IBGE nos diz ainda que, no tocante aos recursos humanos envolvidos com as atividades internas de pesquisa e desenvolvimento, havia aproximadamente 70 mil pessoas ocupadas nessa área, das quais apenas 10 mil tinham pós-graduação. É aqui, a nosso ver, que se encontra o calcanhar de aquiles que retarda a modernização do país, como observaram corretamente o então ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, e o secretário nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, Ronaldo Mota, em artigo publicado recentemente: "A atividade de inovação tecnológica requer a participação de engenheiros e cientistas, preponderantemente com formação pós-graduada. Apesar do início tardio, a pós-graduação brasileira avança rapidamente. O número de mestres e doutores formados passou de cerca de 5 mil em 1987 para quase 50 mil em 2009. A ciência avançou muito no Brasil; no entanto, a inovação tecnológica em nossas empresas ainda é tímida. Tal situação decorre da carência de cultura de inovação no ambiente empresarial e da insuficiente articulação entre política industrial e ciência e tecnologia." (Folha de S.Paulo, 8/11/2010) A nosso ver, no entanto, o problema não é de cultura empresarial, o que há é um descompasso entre oferta de cientistas (e de ciência) e demanda pela indústria. E isso se deve à ausência de políticas públicas que induzam a indústria a procurar atividades inovadoras e modernizantes que aumentem sua competitividade. O sistema universitário brasileiro está produzindo, de fato, um grande número de mestres e doutores, e a produção científica desses mestres e doutores é apreciável, mais de 10 mil publicações por ano, colocando o Brasil numa posição confortável como o 12.º maior contribuidor mundial nesse campo. A maioria, contudo, continua nas universidades, e não na indústria, onde eles poderiam servir como alavanca do desenvolvimento. A principal razão para tal é que as universidades brasileiras, de modo geral, incluindo a Universidade de São Paulo (USP), foram pensadas como projetos culturais, e não como projetos modernizadores na área de tecnologia, com a exceção do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), dos trabalhos de Carlos Chagas e de Manguinhos e poucos outros. Esse foi um grande problema na extinta URSS, cujo amplo sistema de apoio à ciência - que sempre foi privilegiada por Josef Stalin - teve sucesso em realizar grandes avanços na área militar (bombas atômicas, Sputnik e outros), mas foi incapaz de modernizar a indústria e a agricultura soviéticas. O fracasso desse sistema em melhorar o nível de vida da população contribuiu muito para a derrocada da União Soviética, como, aliás, reconheceu o próprio presidente Mikhail Gorbachev na ocasião. Quando políticas públicas adequadas existem, a inovação "explode", e há bons exemplos disso no Brasil. Segundo o IBGE, no seu estudo, um dos setores líderes da inovação na indústria foi o farmacêutico, com o desenvolvimento de medicamentos genéricos. Em outras palavras, uma política governamental, que foi a introdução dos genéricos no país, realizada quando José Serra era ministro da Saúde, abriu caminho para que um grande número de laboratórios nacionais passasse a competir no mercado. Outro exemplo é a Lei de Mudanças Climáticas adotada pela Prefeitura de São Paulo, que prevê a instalação de coletores solares para aquecimento de água para fins residenciais. Isso estimulará os fabricantes a produzir mais e melhores equipamentos, o que, por consequência, levará a uma redução de custos. A Lei de Mudanças Climáticas adotada pelo governo do Estado vai no mesmo sentido e sua implementação na direção de uma economia de baixo carbono contribuirá para a modernização do parque industrial paulista. Como facilitadores desse processo, as incubadoras de empresas e os parques tecnológicos são agentes capazes de desempenhar um papel relevante no apoio à solução de problemas novos na fabricação e comercialização de produtos exigidos por um mercado interno crescente. Como atualmente o número de inovações na indústria brasileira é limitado, a tendência é depender crescentemente da importação de produtos, como já está ocorrendo em vários setores, o que não é um bom caminho a longo prazo. (O Estado de SP, 17/1) |
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