29 de maio de 2011 Educação no Brasil | A Tribuna - Baixada Santista SP Agressões físicas, desacato, ameaças, injúrias, furto, roubo, consumo e tráfico de drogas. As características do submundo do crime pularam os muros da escola e fizeram a educação pública refém. Na Baixada Santista, casos recentes mostram as infrações cometidas por adolescentes de 12 a 17 anos ganhando as páginas policiais. Nos últimos 40 dias, cinco ocorrências foram registradas por A Tribuna. Em Santos, uma menina de 12 anos foi espancada até desmaiar na sexta-feira retrasada. Dias depois, um garoto de 9anos é golpeado com joelhadas em outra escola. Ainda em Santos, houve o caso de uma menina que escapou por pouco de um linchamento, no último dia 21 de abril. Em Guarujá, um aluno de 11 anos levou socos na boca, no rosto e na barriga na última quarta-feira. Em São Vicente, há cerca de 15 dias, um estudante de 13anos precisou ser operado para retirar um coágulo na cabeça após ser acertado por um cabo de vassoura dentro da sala de aula. As histórias impressionam, mas, estatisticamente, estão longe de retratar a realidade, já que muitas ocorrências não chegam ao conhecimento das autoridades policiais ou judiciárias. Ainda assim,na Delegacia da Infância e da Juventude (Diju) de Santos, de janeiro a maio foram registrados 41 boletins de ocorrência. Já a Polícia Militar contabiliza 39 atos infracionais ocorridos no interior de escolas na Cidade este ano e 80 em 2010. Dados da última pesquisa do Sindicato dos Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado (Udemo) de São Paulo retratam que 81% das escolas da região registraram algum tipo de violência em 2009. Os casos de brigas entre alunos e de desacato a professores são rotina em 92% delas. Mais da metade dos colégios foram palcos de agressões físicas contra professores. Indisciplina nos bancos escolares não é novidade. O que tem chamado a atenção é a idade cada vez menor dos envolvidos em cenas de violência gratuitaverbal ou física. Em 2009, com apenas 10 anos, a filha de Lindiane Barbosa passou a ser mais uma vítima do descontrole escolar. "Minha filha apanhou de oito alunos durante uma aula de educação física na escola municipal Emílio Justo. Ela chegou em casa toda machucada. Tentei denunciar na delegacia, mas não quiseram fazer BO porque elatinhamenosde12anos". A mãe transferiu a menina para a escola estadual Alzira Martins Lichti e as agressões continuaram. "Um dia ela chegou com a cara toda rasgada. A diretora não quis denunciar para não sujar o nome da escola. Soube que uma menina que bateu na minha filha quebrou o dedo de uma professora e mesmo assim nada foi feito. De novo, a mudei de colégio". A impunidade também fez com que uma outra mãe, desta vez da Escola Municipal José Bonifácio, apelasse para a transferência. Segundo a costureira Flávia Oliveira, seu filho apanhou na hora do recreio. "Pegaram o menino pelo pescoço, tiraram o lanche dele e ameaçaram matá-lo". Vítor (nome fictício) ficou duas semanas sem ir à aula."Disseram que iam me pegar na saída". O coordenador do Conselho Tutelar da Zona Central, Weverson Alexandre Nogueira, o Kaffé, conta que recebe dezenas de demandas do tipo todos os meses."O que sentimos, infelizmente, é que falta estrutura na escola, mas, principalmente, falta a presença dos pais, que não educam como deveriam, não comparecem às reuniões e nem participam da vida dos filhos". Sistema de Proteção, a tentativa Para fazer frente à ofensiva da violência nas escolas, a Secretaria de Estado da Educação implantou, no ano passado, o Sistema de Proteção Escolar. Além de articular ações preventivas, o programa conta com um sistema eletrônico de registro de ocorrências alimentado pelas próprias unidades. "Fazemos um mapeamento para dar suporte onde é necessário", explica Beatriz Graeff, supervisora do programa. O mapeamento ajuda no acompanhamento de casos de formação de gangues, perseguição a professores e alunos e uso de drogas. O articulador das ações em cada escola é o chamado Professor Mediador, cuja tarefa é identificar os potenciais conflitos, entrevistar pais, analisar fatores de vulnerabilidade e buscar serviços de proteção. Atuam hoje no Estado 1.900 professores mediadores. Na Baixada, são apenas 27. "A meta é expandir para 5.300". Na visão do promotor de Infância e Juventude de Praia Grande, Carlos Cabreira,uma das formas de combater a violência é dar encaminhamento aos casos de indisciplina e de infração para garantir a responsabilização dos autores. "Não é a sanção, mas,sim,o procedimento a que esse aluno é submetido que faz com que a ficha dele caia. Os educadores têm que registrar e encaminhar os casos à Promotoria",explica Cabreira. Em Campo Grande (MS), um menino de 13anos flagrado extorquindo dinheiro de um colega terá que limpar o pátio e lavar a louça da merenda escolar, além de participar de curso de orientação contra bullying. A penalidade, imposta pelo promotor Sérgio Harfouche,da 27ª Vara da Infância e da Adolescência, obriga ainda os pais do infrator a entregar R$ 500,00 à vítima. Esse foi o montante médio que o menor pagou para evitar ser agredido na escola. Ensinar virou missão impossível Visitei, na quarta-feira passada, dois colégios estaduais de Santos para saber como é a rotina em instituições incumbidas de formar cidadãos. Para captar com mais realismo a atmosfera do ambiente escolar, não me identifiquei como jornalista. Em ambas as escolas, me deparei com educadores com o semblante do fracasso estampado no rosto. Vi pessoas frustradas e desanimadas com o escasso apoio do Estado. Comprovei a falta de estrutura emocional desses profissionais para dar conta de tantos papéis a cumprir e problemas a resolver. Cheguei na primeira escola na hora do recreio. Logo na chegada, a diretora lamentava com um colega a segunda ocorrência de roubo de bicicleta. Próximo dali, uma professora se apressava em terminar um relatório sobre uma aluna que apresentava problemas de indisciplina. Usuária de drogas,ela pouco freqüenta a escola. Quando vai é garantia de confusão. "Rouba o celular dos colegas, não respeita professores e se mete em brigas", detalha o relatório, encaminhado ao Conselho Tutelar. "Estou preocupada. Ela precisa de acompanhamento", lamentou. Dou uma volta pelo pátio e a primeira impressão é que o espaço é apertado para a quantidade de alunos. A quadra estava trancada e, por isso, a maioria dos adolescentes andava sem ter o que fazer. Puxei assunto com uma aluna. Ela me conta que os estudantes sentem falta de atrativos. "Coordeno um grupo de jovens da minha igreja e, infelizmente, a maioria só participa se houver alguma atividade interessante, como futebol. E aqui é assim: a quadra fica fechada. No fim de semana, a escola não abre e ninguém pode usar as dependências". Na segunda escola visitada, cheguei na quarta aula.Encontrei já na porta um reflexo do caos em que se tornou o ambiente escolar. Um aluno flagrado fumando maconha dentro do colégio havia sido posto para fora. Agora só entra com a presença dos pais. Entrei no prédio no momento em que uma classe era dispensada por falta de professor. Subo as escadas para ver como estão as aulas. Não preciso andar muito e ouço risadas, gritos e muita algazarra em duas classes do 8º ano. Numa delas, uma professora, visivelmente abalada, se queixava muito da indisciplina. "Só consegui dar aula com a inspetora do lado. Os alunos jogam papel, giz e até caneta em mim. É impossível fazê-los aprender. De 39, só seis querem ouvir. O restante xinga, chuta a porta, depreda carteiras". Na outra classe, mais bagunça. Os alunos ignoram a presença do professor e ficam na porta. A inspetora chega para tentar botar ordem. Nervosa, comenta com o professor que, aos 60 anos de idade, faz curso de defesa pessoal. Ela lida sozinha com centenas de estudantes, já que a outra profissional está de licença. "Outro dia, um aluno que queria ir embora antes do horário veio com uma bicicleta em cima de mim. Se não seguro firme, apanhava",lembra, bendizendo a aposentadoria que chega ano que vem. Desço as escadas e converso com o coordenador. "Com tanto problema de indisciplina, não sobra tempo para o trabalho pedagógico", lamenta. Além de desrespeito contra educadores e violência entre alunos,há problemas com consumo de drogas. "Ontem à noite, flagrei um fumando maconha no banheiro. Outro dia, um jovem pulou o muro para bater em outro aluno". Bate o sinal para a quinta aula e a algazarra recomeça. Volto para a Redação convicta de que ensinar, hoje, é uma missão quase impossível. "Bons alunos pagam a conta" Leia abaixo a íntegra da carta enviada à Redação de A Tribuna por uma professora da rede municipal de ensino de Santos "O que aconteceu na escola D. Pedro II é fruto do descaso tanto da atual direção, que é totalmente ausente, quanto da Seduc e da secretaria que só querem por panos quentes. Não ajuda muito também o fato do ECA ser tão mal interpretado. Vamos aos fatos: ano passado um aluno entrou armado na escola. Sorte que uma aluna viu e avisou a direção. A polícia foi chamada, o aluno levado a delegacia e o próprio delegado avisou que o aluno deveria voltar para a escola no dia seguinte. Então, nada foi feito. Esse aluno continuaria representando perigo aos outros alunos, pois poderia entrar armado novamente e ai fazer o estrago. Há drogas na escola, e não só nessa, mas em toda a rede de ensino. Colegas minhas vão rezando para que o dia seja bom e tranquilo, pois os alunos não respeitam mais ninguém. Ao serem repreendidos xingam os inspetores, empurram e enfrentam. Alunos que deveriam tomar medicação controlada não tomam, os pais são chamados e nada fazem, fazem-se duzias de relatórios e nada acontece. Durante as refeições, a comida vira material de guerra, principalmente a sobremesa, como bananas, maças, etc. Meninos e meninas batem-se o tempo todo e por qualquer motivo. A escola, que foi reformada há dois anos, no andar de cima já está caindo aos pedaços. Falta sim interprete de libras e muitos alunos que precisam de auxiliar não tem. Se alunos inclusos forem deixados sozinhos, viram alvo de zombarias e violência. Quando os alunos recebem o uniforme, principalmente os mais velhos, amarram os tênis e jogam nos fios elétricos. Vendem ou trocam o material para comprar droga etc. Faltam funcionários, inspetores, porteiros. Guarda municipal que sempre existiu nas escolas agora só patrulham a praia. Eles não podem fazer nada, mas de certa forma inibiam os alunos, afinal, são autoridades. O vandalismo impera. Dia desses, uma aluna brigou na escola e a família foi chamada. A tia disse que não ia buscar e que mandasse ela pra casa. Não pudemos fazer isso, por ser menor de idade. Ela então mandou chamar o conselho tutelar. A família não se responsabiliza e o conselho tutelar não funciona. Não há punição, não se pode suspender o aluno, nem expulsá-lo. A legislação protege esse aluno. Ele tem direito a escola, ponto. Sabemos que esse aluno é fruto do meio em que foi criado e temos que levar isso em consideração, mas a escola não é o local onde se joga os alunos para serem tratados. Eles precisam de uma série de coisas que a escola não oferece, e muito menos o professor pode faze-lo, afinal, são salas super lotadas, sem acústica e com barulho e brigas acontecendo por todos os lados. Nós mal damos conta de conseguir falar na sala e sermos ouvidas. O que preocupa é que esses fatos prejudicam os alunos que querem estudar, que querem ter aula, e por conta desses acontecimentos se vêem em salas tumultuadas, onde os bagunceiros perturbam o tempo todo, onde brigas interrompem as aulas mesmo que não sejam na sala onde estão. Os bons estão pagando a conta. Os professores estão ficando doentes, são ameaçados, alguns tem o carro detonado como represália quando advertem os alunos. É justo que a aluna que sofreu a agressão saia da escola e não aqueles que agrediram? O programa escola total é um engodo, há uma série de processos contra as contratações irregulares. Profissionais sem capacitação são jogados dentro de espaços ou escolas para cuidar de uma quantidade enorme de alunos. E quem são esses alunos? São os alunos-problema que os pais ou familiares não querem em casa e jogam na Escola Total. Quem trabalha nesses locais diz que é um verdadeiro cadeião. As escolas estão caindo aos pedaços, as recém-inauguradas já estão passando por reformas por conta da má qualidade do material utilizado. Isso é só a ponta do iceberg. Temo que a coisa piore quando os alunos se derem conta de que nada de fato acontece com eles. Fico triste por essa situação, pois muitos precisam de apoio, atenção, terapia e de família. Como já dizia minha professora de primeiro ano, não sou tia, sou professora. Não educo, ensino. Educação vem de casa, mas isso já não acontece, eles precisam de educação, mas a escola não é a salvação da pátria e não vai dar conta disso sozinha. É muito lindo ouvir os discursos dos teóricos, mas na prática a realidade é bem mais cruel e doída. Outra coisa: não sou a favor de reprovar o aluno por um ou dois pontos, ou reter por que ele não foi bem em uma matéria. O aluno não é só uma nota, mas um conjunto de saberes. Porém, há casos em que o aluno não oferece a menor condição de seguir em frente. Passar de ano não é presente. É punição, pois se ele mal acompanhava a série em que estava, o que fará na próxima? Alunos que mal escrevem, mal sabem ler e interpretar um texto simples são passados de ano, mesmo à revelia dos professores, pois há uma cota máxima de alunos que podem ser reprovados. Então, o professor diz que o aluno vai ser retido por faltas, comportamento, ausência de conhecimento etc, e ele passa de ano, porque excedeu a cota. No ano seguinte ele ri da cara do professor e diz: E ai pro, viu? Passei de ano, kkk . Cade a moral do professor? Nosso conhecimento é simplesmente jogado no lixo, em troca de verbas e notas em IDEB, etc. E esse aluno não ganha nada, pois não acompanha o conteúdo, fica perdido e o caminho que encontra é se isolar ou vira o bagunceiro. E continua a não aprender nada. Mas é tudo culpa do professor. Como em todas as profissões, existem os bons e o maus profissionais. Sem demagogia, devo dizer que os bons são maioria. No Pedro II, mesmo com toda a dificuldade, as professoras lutam por seus alunos, fazem a sua parte, fazem cursos, vão atrás de informação etc. Mas na hora de mostrar só aparece o ruim. Isso também tem que mudar". |
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