30 de junho de 2011 Educação no Brasil | O Globo | Opinião | BR IVES GANDRA MARTINS FILHO Têm surgido com crescente frequência na esfera judiciária questões de caráter administrativo ou judicial envolvendo as relações entre o espiritual e o temporal. Discutem-se a presença de símbolos religiosos em órgãos públicos, o funcionamento desses órgãos em dias santos ou a validade pública de argumentos de caráter religioso. A questão do que seja Estado laico tem sido enfrentada por numerosos países, com diversas soluções. A França proibiu o uso das burcas, e a Suíça, a construção de minaretes; já na Itália, com a decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos, não se considerou atentado à laicidade do Estado a presença de crucifixos em escolas públicas. Visando a contribuir para aclarar conceitos e vencer preconceitos, o Conselho Nacional de Justiça promoveu recentemente o Seminário Internacional sobre o Estado Laico e a Liberdade Religiosa em Brasília, trazendo especialistas estrangeiros para discutir com juristas pátrios o tema. O que mais impressionou no encontro, marcado pelo pluralismo de posições, foi a constatação de que as convergências eram infinitamente maiores do que as divergências. Com efeito, concordavam perfeitamente os palestrantes, prof. Daniel Sarmento, procurador regional da República, e pe. Rafael Moraes, doutor em Teologia Moral, em que o Estado deve ser laico, no sentido de neutro em relação à religião, por força dos princípios constitucionais da igualdade e da isonomia, e que os argumentos religiosos têm carta de cidadania apenas quando passíveis de serem traduzidos em razões públicas. As razões públicas, explicou Kent Greenawalt, professor da Universidade de Columbia, são os argumentos acessíveis a todos os cidadãos, independentemente do seu credo. Não se baseiam em visões compreensivas ou premissas religiosas, e sim em razões de justiça política. Determinar com precisão o que é razão pública não é uma tarefa fácil, mas o seu marco teórico oferece critérios úteis para a atuação dos agentes públicos, especialmente os juízes, numa democracia liberal. Massimo Introvigne, sociólogo italiano da religião, foi enfático, em sua conferência, ao defender uma liberdade religiosa plena, que o Estado deve respeitar, não apenas enquanto imparcialidade frente aos diferentes credos, mas no reconhecimento do direito de expressá-lo publicamente e angariar adeptos, através da argumentação e da coerência de vida, nunca pela força ou fraude. Interessante notar que a nossa Constituição alberga três princípios básicos em matéria de relações entre Igreja e Estado, que são os de separação, cooperação mútua e liberdade religiosa (CF, arts. 5º, VI, e 19, I). No Seminário, procurou-se discutir as melhores formas de aplicar esses princípios. As divergências ficaram por conta das especificações decorrentes dos princípios, no que concerne a questões polêmicas tais como as das uniões homoafetivas, ensino religioso confessional nas escolas públicas e colocação de símbolos religiosos em órgãos públicos. Já na conferência inaugural, o prof. Jorge Miranda, ilustre constitucionalista português, mostrou que o ponto de equilíbrio entre o Estado confessional e o laicismo agnóstico é justamente uma laicidade saudável, que preserva a autonomia do fenômeno político e ao mesmo tempo respeita o direito de as religiões defenderem e transmitirem os seus valores morais, que embasam a vida social e a dignidade da pessoa humana. Pode-se dizer que o Seminário, com suas exposições e conclusões, a serem publicadas proximamente, marcou um novo e saudável paradigma nacional de relações entre Igreja, aqui considerados todos os credos, e Estado, reconhecendo ao fator religioso, quando expresso em argumentos de justiça política e não de mera autoridade, foro de cidadania no debate jurídico. IVES GANDRA MARTINS FILHO é ministro do Tribunal Superior do Trabalho e conselheiro do Conselho Nacional de Justiça. |
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