19 de junho de 2012

ROSELY SAYÃO Fora da panelinha



O ensino domiciliar priva a criança de um dos bens mais preciosos do ser humano: a liberdade
Muitos pais decidiram ter a posse de seus filhos e isso significa tê-los como uma propriedade. "Quando você tem um bem muito precioso, você não entrega para qualquer pessoa. Você cuida daquilo muito bem."
É com essa frase de uma mãe que começa uma reportagem na "TV Folha" sobre o crescimento do número de famílias que decidiram tirar os filhos da escola para praticar o ensino domiciliar. Pelo menos mil famílias, segundo a reportagem, já adotam esse tipo de ensino, chamado de "escola em casa".
Antes de tudo, seria bom pensar que os filhos não devem ter como destino ser o que os pais querem que eles sejam, não é verdade?
Os pais que escolheram esse tipo de ensino para os filhos recusam a escola por ela apresentar aos seus alunos o conhecimento. É que o conhecimento tem teorias com as quais muitos desses pais não concordam por motivos religiosos, por exemplo. E outra recusa é a da convivência com a diversidade. Esses pais não querem que seus filhos conheçam pessoas que têm comportamentos, princípios, estilos de vida etc. diferentes dos que a família adota. Mais do que conhecer: não querem que "suas" crianças convivam com elas.
Não sei se essas famílias sabem que a escolha que fazem priva seus filhos de um dos bens mais preciosos do ser humano: a liberdade. Liberdade essa, por sinal, que esses pais mesmos tiveram.
Uma das funções importantes da escola é justamente a de libertar seus alunos do círculo fechado de ideias, postulados, crenças e valores que o grupo familiar a que pertencem tem.
A escola apresenta aos alunos todo o conhecimento de mundo para que eles, na maturidade, possam ter liberdade de escolha. De posse de vários conhecimentos, da experiência de viver com e na diversidade, com a vivência de outro papel que não apenas o de filho, é que é possível conquistar autonomia. E autonomia não se conquista sem liberdade de fazer as escolhas possíveis.
Pertencer a uma família não pode ser a única experiência na vida dos mais novos. Viver no mundo público é uma experiência ímpar.
É nesse mundo, fora dos muros da família, que se aprende o conceito de colega, por exemplo. Colegas são as pessoas que, por acaso, e não por escolha, compartilham a mesma comunidade, profissão, local de trabalho, meios de locomoção, entre tantas outras coisas. Com os colegas não precisamos ter vínculos afetivos, pessoais. Precisamos ter respeito. E nossa vida mostra que temos muito mais colegas do que amigos, por isso tal aprendizado é tão importante na vida dos mais novos.
A escola é o primeiro espaço público que os mais novos frequentam. E uma de suas funções é exatamente essa: a de apresentar a eles o mundo público. Privar as crianças de uma experiência tão rica em nome de quê?
Fazer parte de uma família é importante, mas tem lá seus ônus. E um deles é toda a expectativa que, inevitavelmente, os pais colocam sobre os filhos.
Querem que eles sejam assim, assado, façam isto e aquilo; não querem de modo algum que tenham este ou aquele comportamento etc. E todos esses anseios legítimos que os pais têm caem sobre as crianças como um peso.
É na escola, longe dos pais, que muitas crianças podem se sentir mais à vontade para experimentar vários jeitos de ser e de estar neste mundo. Toda essa experimentação é uma base importante para sua formação.
Finalmente: a família deve ser uma panelinha acolhedora em direção à qual se pode caminhar sempre que necessário, em qualquer momento da vida, e não um grupo do qual não se pode nem experimentar sair.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

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