O ensino domiciliar priva a criança de um dos bens mais preciosos do ser humano: a liberdade
Muitos pais decidiram ter a posse de seus filhos e isso significa tê-los como uma propriedade. "Quando você tem um bem muito precioso, você não entrega para qualquer pessoa. Você cuida daquilo muito bem."É com essa frase de uma mãe que começa uma reportagem na "TV Folha" sobre o crescimento do número de famílias que decidiram tirar os filhos da escola para praticar o ensino domiciliar. Pelo menos mil famílias, segundo a reportagem, já adotam esse tipo de ensino, chamado de "escola em casa".
Antes de tudo, seria bom pensar que os filhos não devem ter como destino ser o que os pais querem que eles sejam, não é verdade?
Os pais que escolheram esse tipo de ensino para os filhos recusam a escola por ela apresentar aos seus alunos o conhecimento. É que o conhecimento tem teorias com as quais muitos desses pais não concordam por motivos religiosos, por exemplo. E outra recusa é a da convivência com a diversidade. Esses pais não querem que seus filhos conheçam pessoas que têm comportamentos, princípios, estilos de vida etc. diferentes dos que a família adota. Mais do que conhecer: não querem que "suas" crianças convivam com elas.
Não sei se essas famílias sabem que a escolha que fazem priva seus filhos de um dos bens mais preciosos do ser humano: a liberdade. Liberdade essa, por sinal, que esses pais mesmos tiveram.
Uma das funções importantes da escola é justamente a de libertar seus alunos do círculo fechado de ideias, postulados, crenças e valores que o grupo familiar a que pertencem tem.
A escola apresenta aos alunos todo o conhecimento de mundo para que eles, na maturidade, possam ter liberdade de escolha. De posse de vários conhecimentos, da experiência de viver com e na diversidade, com a vivência de outro papel que não apenas o de filho, é que é possível conquistar autonomia. E autonomia não se conquista sem liberdade de fazer as escolhas possíveis.
Pertencer a uma família não pode ser a única experiência na vida dos mais novos. Viver no mundo público é uma experiência ímpar.
É nesse mundo, fora dos muros da família, que se aprende o conceito de colega, por exemplo. Colegas são as pessoas que, por acaso, e não por escolha, compartilham a mesma comunidade, profissão, local de trabalho, meios de locomoção, entre tantas outras coisas. Com os colegas não precisamos ter vínculos afetivos, pessoais. Precisamos ter respeito. E nossa vida mostra que temos muito mais colegas do que amigos, por isso tal aprendizado é tão importante na vida dos mais novos.
A escola é o primeiro espaço público que os mais novos frequentam. E uma de suas funções é exatamente essa: a de apresentar a eles o mundo público. Privar as crianças de uma experiência tão rica em nome de quê?
Fazer parte de uma família é importante, mas tem lá seus ônus. E um deles é toda a expectativa que, inevitavelmente, os pais colocam sobre os filhos.
Querem que eles sejam assim, assado, façam isto e aquilo; não querem de modo algum que tenham este ou aquele comportamento etc. E todos esses anseios legítimos que os pais têm caem sobre as crianças como um peso.
É na escola, longe dos pais, que muitas crianças podem se sentir mais à vontade para experimentar vários jeitos de ser e de estar neste mundo. Toda essa experimentação é uma base importante para sua formação.
Finalmente: a família deve ser uma panelinha acolhedora em direção à qual se pode caminhar sempre que necessário, em qualquer momento da vida, e não um grupo do qual não se pode nem experimentar sair.
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