Cientista político e ex-ministro
da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004.
18.08.2012 09:51, Varta Capital
A crise internacional do
capitalismo – que não é nem simplesmente bancária nem apenas ressaca da ‘bolha
imobiliária’ provocada pela farra dos bancos sem coleira — se agrava, e na
medida em que se aprofunda, alastra-se mundo a fora. São graves os riscos de
contaminação da economia brasileira, já atingida pela desaceleração de seu
crescimento, estagnado entre 2% e 3% do Produto Interno Bruto (PIB), não
obstante os esforços do governo. O fato é que começamos o ano trabalhando com
uma estimativa de crescimento do PIB, para 2012, em torno de 4%, significativa
apenas do ponto de vista relativo, isto é, em face da tragédia dos outros; esta
expectativa, hoje, porém, desvanece-se em míseros 1,8%. Na contramão, as
projeções relativas ao índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo apontam
sua subida, pela quinta vez consecutiva.
Diz o tal mercado ouvido
pelo Boletim Focus (leia-se Banco Central) que o IPCA deve ficar em
torno de 5,3%, e o crescimento do PIB em torno de 1,5%. Logo-logo os
‘economistas’ midiáticos defenderão a interrupção da queda dos juros, a
contenção do consumo e outras bobagens que aprenderam na leitura das ‘orelhas’
dos livros dos Chicago-boys.
A safra recorde prevista pelo
IBGE, de mãos dadas com a queda da produção de grãos nos EUA, promete um bom
comportamento da balança comercial, mas prossegue a queda da produção industrial. As
grandes causas da ‘desindustrialização’ – o câmbio
sobrevalorizado que favorecia as importações e dificultava nossas
exportações, e os juros estratosféricos, que desestimulavam os
investimentos privados –, foram atacadas pelo governo, que, igualmente, cuidou
de, com crédito facilitado, aumentar o consumo interno, beneficiando,
principalmente, os setores automobilístico, da construção civil e da chamada
‘linha branca’, aqueles de maior efeito econômico multiplicador.
É pouco, entretanto, para escapar
dos reflexos da crise que aponta para a retração da economia internacional.
Os Estados Unidos bordejam a
recessão, e insistem em prosseguir acumulando déficits em decorrência da
volúpia guerreira. A China, a grande locomotiva, transita de um crescimento
acelerado (10% ao ano durante décadas) para um modelo de ‘ajuste da estrutura
econômica’ que se traduz em uma previsão de crescimento de 7,5% e
prioridade para o mercado interno. A economia global desacelera, desacelera de
forma aguda a economia da União Europeia e, dentro dela, a combalida zona do
agonizante euro.
A velha Europa, autofágica,
dominada ideologicamente pelo veneno do neoliberalismo fracassado, em gritante
conflito com a realidade objetiva, corta orçamentos e salários, adota a
política de juros altos, desinvestimento e aumento da dívida. A única
preocupação de seus dirigentes, súditos da imperatriz Merkel, é salvar os
bancos para os quais carreiam os recursos que tomam dos trabalhadores e da
classe média. Eis a mais perfeita receita jamais formulada (talvez mesmo exceda
o catecismo friedmaniano) para a estagnação a caminho da depressão e do
desespero social, que já está nas ruas da Grécia, da Espanha, de Portugal e
agora da França (refiro-me aos conflitos de Amiens, ao norte de Paris). A
História registrará mais esse crime do neoliberalismo contra a Humanidade.
Tratada com o receituário
neoliberal, a Grécia conhece o nono trimestre de retração: o PIB, agora, caiu
6,2%. A economia deve encolher 7% neste 2012, o que ocorrerá pelo quinto ano
consecutivo. A dívida pública da Itália, sob a batuta do tecnocrata indicado
pela banca internacional, atingiu novo recorde de alta, em junho, quando chegou
a 1,973 trilhão de euros. O déficit em conta corrente da França, em junho, foi
4,9 bilhões de euros, e o Banco Central francês (informação do Financial
Times) adverte que a recessão está de volta. O PIB do último trimestre
simplesmente congelou em 0,0%.
Na zona do euro (17 países, por
enquanto…), a queda do PIB foi de 2%, e só não foi maior porque a Alemanha, o
(último) motor do bloco cresceu 0,3%. Mas a previsão dos economistas é de
retração no próximo semestre.
A alternativa para nossos países
é persistir na política de investimento no mercado interno. Isto também vale
para a China, e vale principalmente para as nossas relações econômicas com ela,
como observou Li Yucheng, vice-ministro de Relações Exteriores da locomotiva
asiática (Valor. 14/8/2012), abrindo a perspectiva para que seu maior sócio
comercial na América Latina deixe de ser quase exclusivamente exportador
de commodities, desde que nossas empresas ‘melhorem sua competitividade’,
o que, obviamente, como está demonstrado pelos fatos, não depende tão-só do
governo. Depende de mais tecnologia e de inovação e maior produtividade.
Da parte do empresariado privado. Da parte do governo depende da
desburocratização e do conserto da logística de transportes.
O que se coloca, como desafio, é
manter a elasticidade do mercado interno, não apenas com a ampliação do crédito
e a redução do custo do dinheiro, mas com audaciosa política de distribuição de
riqueza. Mas aí, o óbice é um truísmo: para distribuir renda é preciso, antes,
haver renda e para haver renda é preciso haver desenvolvimento, e para haver
desenvolvimento é preciso haver investimento, investimento privado, hoje algo
como 25% de sua renda líquida, e investimento público. Este, porém, ronda,
hoje, os 2% do PIB, quando já girou, quando crescíamos a 7,5% ao ano, entre 4%
a 5%.
Diante deste quadro sombrio, é
mais do que oportuna a decisão do governo de lançar audacioso programa de
concessões de rodovias e ferrovias, destinado a desobstruir nossos principais
gargalos logísticos. Os neoliberais apressam-se a caracterizar uma mudança de
rumo no sentido das ideias que apregoam, de desmonte do Estado. Nada mais
falso. O que se está a buscar é a participação da iniciativa privada em
investimentos na área de serviços públicos, em circunstâncias favorecidas pela
queda da taxa de juros e pelo aumento da renda nacional, o que torna atrativo
ao empresariado investir em concessões de serviços de utilidade pública,
remuneradas que são pelo custo, o que lhes possibilitará auferir renda
assegurada na casa dos 10% ao ano.
Na época do desmonte do Estado,
somente foram leiloadas concessões de serviços existentes, construídos com o
sacrifício da poupança de gerações de brasileiros, desde o primeiro governo
Getulio. E o resultado do que se caracterizou como ‘privataria’ não socorreu
nossa sede de investimentos, mas foi carregado para o caixa do Tesouro e pagar
dívida. Foi assim que perdemos, em boa parte para o capital estrangeiro, boa
parte da nossa capacidade instalada de geração de energia elétrica (com os
graves custos que estamos pagando hoje), a área de telecomunicações, as
ferrovias, a Vale do Rio Doce, e foi assim que quase perdemos a Petrobras,
salva pela resistência articulada de Itamar Franco e Olívio Dutra. Agora,
concede-se o que está por fazer. Caberá ao Estado, é certo, ser rigoroso na
fiscalização das concessões, para que os serviços sejam efetivamente remunerados
pelo custo, os prazos sejam cumpridos e a qualidade assegurada.
O saudoso Ignácio Rangel, patrono
dos economistas patriotas, vê finalmente sua tese ser consagrada. Que bom para
o Brasil.
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