Marcelo Côrtes Neri, economista chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas é professor da EPGE/FGV e acaba de assumir a presidência Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Artigo publicado no Valor Econômico de hoje (28).
Programas de transferência de renda condicionada, o nome genérico do Bolsa Família, têm se disseminado no mundo, em particular na América Latina. Esses programas possuem algumas características comuns como a concessão de benefícios monetários diretos aos mais pobres dos pobres. Todas as avaliações nacionais e internacionais que conseguem enxergar e isolar os detalhes microeconômicos são unânimes em apontar esse tipo de transferência como aquela com maior capacidade de chegar naqueles com piores condições de vida. No aspecto macro, a desigualdade de renda tem caído de maneira consistente no continente latino-americano e no Brasil nos últimos dez anos, coincidindo com a difusão desses programas.
Outro atributo é a exigência de contrapartidas às famílias beneficiadas, associadas ao investimento no seu próprio futuro como matrícula e frequência escolares, vacinação das crianças e exames pré-natais, entre outras. Como as condicionalidades estão associadas a mais benefícios às crianças, que são o segmento mais pobre da sociedade, o olhar na riqueza futura se coaduna com a redução da pobreza corrente.
Uma característica do caso brasileiro é a divisão de trabalho entre entes federativos. Enquanto o governo federal é responsável pelo financiamento do programa e pela escolha de beneficiários, no âmbito dos municípios, a assistência social é responsável pela coleta de informações do Cadastro Social Único ao passo que a educação e a saúde são responsáveis pelo acompanhamento do cumprimento das condicionalidades.
Outra vantagem de programas como o Bolsa Família é fornecer infraestrutura para estratégias locais de alta escala operacional. Alguns desses programas, como o Família Carioca na cidade do Rio, resolveram financiar ações locais complementares às do Bolsa Família utilizando a estrutura do Cadastro Único Federal.
Há ainda o acesso preferencial das mães como as principais receptoras dos benefícios no bojo das famílias. Outros programas como o "Minha Casa, Minha Vida" dão preferência às mães na titulação da propriedade. Intuitivamente, a aposta é que elas cuidam melhor dos filhos que eles. Em 91% dos casos, os titulares do cartão do Bolsa Família são mulheres - no caso do Família Carioca esta estatística chega a 96% dos casos.
O Bolsa Família e o Família Carioca repassam os recursos às mães. Mas, e quando as crianças pobres não moram com as suas respectivas mães? O ponto central deste artigo é propor caminhos alternativos para que o programa chegue mais nas crianças mais pobres. Trabalhamos com dados do Família Carioca e da rede municipal de educação da cidade do Rio de Janeiro, que contempla 650 mil alunos, a maior rede da América Latina.
Os dados mostram que as crianças mais pobres não só pela falta de renda, mas também pela carência de ativos familiares (educação dos pais, condições de moradia, acesso a serviços públicos, trabalho etc) estão mais presentes no Família Carioca. Por exemplo, filhos de mulheres com pelo menos o segundo grau incompleto têm 24% menos chances de estar no programa vis a vis os demais com outras características observáveis equivalentes. Ou ainda em comparação similar, estudantes com deficiência, aqueles com problemas de saúde ou aqueles sem registro de pai na certidão de nascimento tem 8,1%, 2,1% e 10,4% respectivamente, mais chances de estar no programa.
Estatísticas ligadas às características dos pais são bem menos importantes na determinação do desempenho escolar das crianças, ou de acesso ao programa. Até porque metade dos alunos não mora com o pai, daí o acerto do programa focar nas mães como mecanismo para fazer o dinheiro chegar as crianças. Entretanto, 20,2% dos alunos com Bolsa não moram com a mãe sendo este número maior que os 15% para aqueles não contemplados no Família Carioca.
Crianças com mães ausentes são mais pobres. Esta é a única exceção do programa que tem sua bússola apontada para as crianças mais pobres. Nos exercícios controlados, crianças órfãs de mãe tem 25% menos chances de serem beneficiadas pela ação de combate a pobreza. Alunos sob a responsabilidade de outra pessoa, que não a mãe, têm 17,3% menos chances de acessar o programa. Note que esses dois efeitos são cumulativos entre si. Ou seja, apesar de estudantes que não morem com a mãe serem mais pobres, eles tem menos probabilidades de chegar ao programa. Resultados semelhantes são encontrados para o Bolsa Família na cidade do Rio de Janeiro.
Nossa conjectura é que programas como o Família Carioca e o Bolsa Família buscam fazer os recursos chegarem aos estudantes mais pobres dos pobres por meio de suas mães, mas esses programas precisam ser adaptados quando a criança não mora com a mãe. Pois o melhor atalho para o futuro não está presente neste caso.
Nossa proposta concreta é a criação de um programa municipal de busca ativa na escola de crianças necessitadas que não moram com as mães. Isso corresponde a um universo de pouco mais de 100 mil alunos do município do Rio. A ação de inclusão no cadastro social é simples operacionalmente até porque essas crianças já fazem parte das ações empreendidas pela rede municipal de educação.
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